Coragem

Coragem

OPINIÃO12.05.202306:30

As tochas, os castigos, a falta de mão firme e a impunidade ainda atrasam o nosso futebol

M UITO simpática me parece ter sido a UEFA com o Benfica, na sequência dos lamentáveis atos (perigosas tochas lançadas no interior do Estádio Giuseppe Meazza, em Milão, na noite do jogo da Champions, com Inter) provocados pelas inqualificáveis franjas de adeptos que passam a vida a prejudicar o clube, seja o clube da Luz ou outro clube qualquer, sejam as inqualificáveis franjas de adeptos encarnados, sejam as inqualificáveis franjas de adeptos de outra cor qualquer.

Multar o Benfica em 35 mil euros e proibir venda de bilhetes a adeptos encarnados para o primeiro jogo europeu, fora de casa, da próxima época, é, creio, castigo muito leve para o que fizeram esses tais alguns adeptos que permanentemente mancham a imagem, neste caso, do clube da Luz.

Pelo que se viu em Milão, para referir apenas o mais recente de muitos outros péssimos exemplos dados pelos referidos grupos de adeptos encarnados, o Benfica ter-se-á livrado de um jogo europeu à porta fechada, que era, com toda a franqueza, o que esperava que a UEFA viesse a aplicar ao clube da Luz.

Pior a emenda que o soneto, o Benfica anuncia (e reclama) que vai avaliar a possibilidade de pedir a despenalização desse castigo, o que dá, na verdade (como ainda ontem, num pequeno texto enviado para a redação, escrevia um dos nossos leitores), imagem pouco condizente com a dimensão internacional das águias. Pedir a despenalização de quê? De um ato grave?

O que fazem, de forma recorrente e cada vez mais lamentável, alguns desses ‘malditos’ adeptos do futebol é continuar a impedir que o futebol seja, só, o maravilhoso espetáculo de famílias e de amantes do jogo que vemos, por exemplo, em Inglaterra, onde tudo começa, como em qualquer área da educação, no exemplo dado por diferentes responsáveis e atores do jogo.

Em Portugal, se há tochas ou outros artefactos perigosos dentro dos estádios, na Luz ou em Milão, é porque alguém deixa que entrem nos estádios esses artefactos perigosos, porventura sem coragem para enfrentar os tais indesejáveis grupos de adeptos, como, aliás, em Portugal, apenas vi ter coragem para os enfrentar o atual presidente do Sporting, Frederico Varandas, honra lhe seja feita.

Castigado, multado e afins, pelo comportamento permanentemente incorreto de muitos adeptos que não conseguem, pelos vistos, compreender o que é ter verdadeiro amor por um clube, o Benfica, como sucede com muitos outros clubes, acumula prejuízos atrás de prejuízos e não se vê que seja capaz, também, de olhar o problema de frente.

O que é preferível? Assobiar para o lado e fingir não ver o que está debaixo do nariz e continuar a correr riscos, como na próxima época, de ver o Benfica obrigado a jogar um jogo europeu fora de casa sem a companhia de um único adepto (castigando, ainda mais, os verdadeiros adeptos) ou seguir o bom exemplo dos ingleses (ou de Frederico Varandas) e acabar, de vez, com esse ‘lado negro’ da relação com algumas claques, ou grupos organizados de adeptos, chame-se-lhes o se lhes quiser chamar?!

Pelo menos em tese, parece-me um braço de ferro sem discussão. E, no caso do Benfica, talvez seja o momento de os responsáveis olharem com olhos de ver para o que, ao nível dos associados, o lado mau está a fazer ao lado bom do espírito, da adesão, da tolerância, do empenho e da paixão dos adeptos. Acolher nos estádios gente que prejudica o espetáculo, o jogo e todos os outros adeptos é um contrassenso. Não faz qualquer sentido. E, na realidade, é uma afronta ao espírito que todos queremos para o futebol. Haja coragem!

T RÊS especiais momentos podem reter-se do Benfica-SC Braga de sábado passado. A boa exibição do líder, o inapropriado, surpreendente, inacreditável, provocador e deselegante gesto do presidente do SC Braga (veremos se passa vergonhosamente impune...), e os conflitos na parte final do jogo a partir do inaceitável rastilho criado pelo treinador de guarda-redes do Benfica. Nenhum desses momentos se pode confundir. Um fez bem ao futebol (a exibição das águias), os outros só lhe fazem mal.

Se esperavam, críticos, analistas e adeptos, ver frente ao temível 3.º classificado, a equipa do Benfica ainda longe do nível que a fez dominar claramente o campeonato até abril, a resposta do Benfica, no último sábado, na Luz, apenas poderia ter sido melhor se os seus jogadores tivessem conseguido superior eficácia na finalização. Aspeto, aliás, em que no Benfica, ao longo da época, falhou muito, mesmo considerando o bom número de golos conseguido pelo jovem Gonçalo Ramos (de quem, ainda com 21 anos, talvez se exija mais do que se devia) ou pelo improvável João Mário (sem esquecer que, na Liga, marcou de penálti sete dos 17 golos).
Tivesse, na verdade, a equipa do Benfica sido mais feliz na finalização e o SC Braga regressaria, certamente, a casa bem mais pesadamente derrotado, como se justificava pela inesperada e surpreendente diferença de futebol jogado pelas duas equipas. O 3.º classificado mostrou, mais uma vez, afinal, porque foi, diante dos três grandes, fora de casa, tão cordeirinho, apesar da propalada pele de lobo…

Não desarmou o FC Porto dois dias depois, em Arouca, onde o 5.º classificado também foi incapaz de fazer ao campeão nacional mais do que cócegas, tão amplamente dominado foi pelos dragões, vencedores por igual e escasso 1-0, longe de refletir a superioridade em campo. Que o FC Porto é, passe a expressão, equipa que ‘nunca morre’ já há muito se sabe, e menos ‘morre’, é justo dizê-lo, quando conduzida por um treinador que quase consegue ser tão adepto como líder da equipa, com tudo o que isso tem de positivo e de negativo para a imagem dele próprio.

É assim, com um Benfica a dar ideia de retomar o fôlego que o fez ser 1.º desde a primeira jornada e um FC Porto que se empolgou com a vitória na Luz no primeiro fim de semana de abril, que a Liga chega à antepenúltima jornada, com os olhos sobretudo postos (por todas as razões e mais uma) em Portimão, onde o Benfica encontra um clube, evidentemente, também conhecido (é impossível ignorá-lo) pelos constantes negócios (e relações muito próximas) com o FC Porto e um adversário em campo que tanto pode optar por querer discutir o jogo com as águias como trabalhar apenas para lhe tirar pontos.

Justificada que foi a estratégia do Portimonense, esta época, no Estádio do Dragão, e bem justificada, não apenas pela integridade do treinador Paulo Sérgio, como também pela importância que tinha para o Portimonense, não aquele jogo, mas os jogos seguintes e a manutenção (entretanto conseguida) na Liga, agora que já não tem nada a ganhar ou a perder em matéria de pontuação, ver-se-á que estratégia defenderá a equipa este sábado, quando, a partir das seis da tarde, ainda com o sol a escaldar, receber no seu habitual magnífico relvado o ansioso líder da competição.

O futebol é, também, um jogo de coragem.

A LGUMA coragem, mas sobretudo carácter e ética, teve o treinador espanhol Xabi Alonso para, na véspera de o reencontrar em campo, afirmar com todas as letras que foi José Mourinho que o ensinou a ser «um líder» e a saber «convencer» uma equipa. Xabi Alonso foi jogador de José Mourinho no Real Madrid, entre 2010 e 2013. 

O antigo craque espanhol é hoje o treinador do Bayer Leverkusen (e que notoriedade tem tido o seu trabalho na Alemanha!...) que ontem perdeu (0-1), com a Roma de José Mourinho, na primeira mão das meias-finais da Liga Europa, prova que, em caso de sucesso, pode muito bem vir a ser, como sabemos, sobretudo para Roma, Leverkusen e Sevilha, porta de entrada na próxima edição da Champions.

As palavras de Xabi Alonso não são, infelizmente, prática corrente no futebol, porque demasiados protagonistas se habituaram a promover olhares para os adversários, não como adversários, mas como se fossem… inimigos. Ou seja, fazem parecer mal que se fale bem de um adversário, ao contrário do que pensam figuras modernas como Xabi Alonso, sem qualquer problema em reconhecer publicamente a importância de José Mourinho na sua vida como jogador, mesmo na véspera de um jogo entre as equipas de ambos.

Não é preciso grande coragem para o dizer? Creio que é, sobretudo se o virmos enquanto portugueses, protagonistas de um futebol que parece viver ainda muito melhor dos conflitos do que das saudáveis relações. Incapaz de deixar um certo terceiro-mundismo e se tornar, como seria desejável, mais europeu.