Com respeito!

Com respeito!

OPINIÃO28.04.202306:30

O que vale é que A BOLA há muito está habituada a esses soprados ventos de responsáveis do FCP

T RABALHA um jornalista de imprensa para todos os seus leitores? Naturalmente. Aprendi, aliás, que ter um leitor que seja é tão importante como ter cem ou mil. Tem o jornalista obrigação de cuidar tão bem de uma notícia de cinco linhas como do texto de uma página ou duas. Basta um único leitor para nos impor essa exigência. Não me levem, porém, a mal, e com todo o respeito por todos os leitores, trabalhamos mais, e sobretudo, para os nossos mais féis, para todos aqueles que realmente nos seguem, para os que tão depressa são capazes de um elogio como logo nos criticam, sim, mas com respeito e sentido construtivo, e não para os que dizem mal de nós sem nos lerem, para os que cobram sem comprar o jornal, para os que nos insultam sem qualquer tipo do mais elementar respeito, ou procuram humilhar (procuram, mas não conseguem) com mentiras, na sequência da fundamentalista cegueira, muito em particular no FC Porto, que há décadas move os mais responsáveis, e em especial o líder, em defesa da estratégia do ‘contra tudo e contra todos’.

O senhor que há 40 anos tomou conta dos destinos do FC Porto, mais uma vez - sendo presidente de uma das maiores instituições desportivas do País -, não teve qualquer vergonha, pudor ou ética, num texto publicado recentemente na revista do seu clube, em apelidar A BOLA de «mentirosa» e «venenosa», como não teve o cuidado ou a elegância ou o sentido de responsabilidade de não dizer o que tão desrespeitosamente disse a uma jornalista de A BOLA TV que lhe dirigia uma pergunta no Estádio da Luz, além de também permitir e, evidentemente, patrocinar, que o canal de televisão do FC Porto passe horas (como passou há pouco mais de uma semana) a dizer mal da instituição que há 77 anos edita este jornal, com discursos assentes até em mentiras, sem sequer se olhar ao espelho e assumir que só a péssima gestão financeira pode ter levado o maior clube do norte de Portugal a ser condenado pelas regras do fair-play financeiro da UEFA. O que vale é que A BOLA está, ciclicamente, habituada a todos estes soprados ventos que nos chegam de alguns responsáveis do FC Porto… 

Usam, aliás, alguns desses responsáveis do FC Porto, as dificuldades que A BOLA, como a generalidade dos jornais em todo o mundo, tem enfrentado nos últimos anos, e usam, ainda, esse autêntico murro no estômago que os jornais sofreram com a terrível pandemia, para reavivar uma luta que não queremos (e nunca quisemos), nem promovemos, e para a qual nunca contribuímos, mas que sempre serviu (há anos que tem servido) para esses mesmos responsáveis do FC Porto destilarem o seu inqualificável ódio e alimentarem a repugnante cultura de ataque contra todos os que, como eu, com total respeito, criticam (e sempre criticarão) comportamentos e discursos de quem tem evidentes obrigações morais, sociais e desportivas.

Vem muito de tudo isto a propósito da ‘graça’ (não consigo qualificar de outra maneira) com que alguns dos responsáveis portistas resolveram, nos últimos dias, apelidar um dos principais adversários desportivos (que no FC Porto se gosta de considerar ‘inimigos’) como o ‘clube do regime’, como se pudéssemos, impávida e serenamente, aceitar esse ‘pontapé na história’ como se a História fosse o que cada um de nós quer que seja e não o que realmente foi, e, por ter sido, se fez História.

Desta vez, e com todo o respeito pelos que habitualmente fazem o favor de me ler, não quero deixar de contar com o contributo de um leitor que fez chegar à redação deste jornal preciosa recordação da História. Sinto, aliás, que não seria ético da minha parte escrever sobre a matéria em causa sem cuidar de relevar o interessante texto de tão fiel leitor, e que tão bem exemplifica (concorde-se ou não com todo o conteúdo) o indispensável contraditório a algumas das mais levianas acusações que alguns responsáveis do FC Porto gostam, por costume, de lançar sobre o principal adversário desportivo da capital (ou também, por exemplo, sobre A BOLA) sem qualquer preocupação pelas mais elementares regras da boa educação, convivência democrática e saudável relacionamento desportivo.

A crítica não pode ser confundida com maledicência, nem a liberdade de expressão deve misturar-se com a permanente insinuação, difamação, mentira ou desrespeito que pessoas com fortes responsabilidades no FC Porto, a começar pelo presidente, exibem contra todos os que nomeiam como ‘inimigos’, nomeadamente contra A BOLA.

É também por isso, com a devida vénia, que, desta vez, e excecionalmente, como se compreenderá, desafio todos os leitores de A BOLA, dos mais aos menos fiéis, a refletirem sobre o texto (imposível, pela sua extensão, de publicar no espaço do Correio do Leitor, e muito menos na íntegra) enviado pelo leitor António Gomes Martins.
 

O CLUBE DOS REGIMES 

«Oautodesignado inimigo, na sua ânsia de criar uma imagem negativa do Benfica, apelida, não raras vezes, os benfiquistas de mouros e o Benfica de clube do regime, demonstrando, desde logo, uma total falta de respeito pelo Benfica e pelos benfiquistas, e pretendendo com aquele insulto e esta falsidade histórica, convencer os seus prosélitos de que aquilo que o Benfica conquistou, ao longo da sua História gloriosa, assenta mais nos favores dos governos lisboetas, do que nos méritos desportivos do Benfica, ao mesmo tempo que tenta branquear o passado de favores e de ‘lambebotismo’ que caracterizou a postura do FCP antes do 25 de abril. Para isso, ignora deliberadamente as décadas de 60 e de 70 do século passado, onde o Benfica se tornou num clube referência em Portugal e na Europa do futebol, quer pela excelência do seu futebol, quer pelos feitos desportivos que logrou, quer, finalmente, pelo seu fair play. Ao mesmo tempo que sabe que era o Governo de então que aproveitava para ‘surfar’, como hoje se diz, o prestígio alcançado pelo clube, que, lembre-se, só tinha jogadores de nacionalidade portuguesa, o que, para os governos de Salazar e Caetano, servia às mil maravilhas para exibir a excelência do império colonial português. Nem os dirigentes do FCP são tão incultos e ignorantes que não saibam que era assim que as coisas então se passavam! Mas, tal como para os governos de Salazar, também ao FCP não interessa tanto o rigor histórico, interessa, isso sim… a propaganda! 
 
É sabido que o FCP tem mantido, como imagem de marca ao longo dos anos, uma atitude belicosa com ‘Lisboa’ (mas, como se verá adiante, não com o poder central) (...) e uma relação difícil com a verdade e com os factos históricos. E isso começa logo pela data da sua fundação que, por artes do ratinho ‘Topo Gigio’ passou, em Assembleia Geral de 1988, por maioria, de 1906 para 1893, sendo que Nicolau de Almeida, o novo/velho fundador que substituiu nessa função Monteiro da Costa, nunca figurou, segundo os registos, como sócio do FCP!
 
(…) Ora, é chegado o tempo, de uma vez por todas, de começarmos, como se diz aqui no Norte, porque nós, benfiquistas e nortenhos, não enfiamos o barrete dos mouros, ‘a chamar os bois pelos nomes’ e demonstrarmos quem é o quê no futebol português (...) A propósito de clubes do regime, e já para nem falar na simbólica, mas nada inocente, e bem sintomática, adoção das cores azul e branca por uma agremiação fundada ainda durante o regime monárquico, importa lembrar aos menos dados a estas coisas da História que, quer em 1938/39, quer depois em 1941/42, não tendo conseguido, pela VERDADE DESPORTIVA, isto é, dentro do campo, e jogando contra os clubes da sua Associação, classificar-se para disputar o campeonato da 1.ª Divisão e, assim, poder permanecer na 1.ª Divisão na época seguinte, houve lugar a dois alargamentos, decididos administrativamente pela Direção da Federação que, à época, era nomeada pelo governo de Salazar, que evitaram, assim, a descida à 2.ª Divisão. 

Já mais recentemente, em 1952, mais precisamente a 28 de maio, data emblemática para o regime ditatorial de Salazar (no qual se celebrava o levantamento das tropas que deu lugar ao Estado Novo) e mais uma vez sem qualquer pejo, antes mostrando toda a sua subserviência ao regime, inclusive através da saudação nazi feita pelos atletas e dirigentes, inaugurou o Estádio da Antas na presença dos mais altos dignitários da ditadura. E isto para só falarmos de dois casos.

(…) Para concluir, de uma coisa estamos certos, o FCP, pese embora pretender que o seu discurso pareça anti poder, é de todos os clubes o mais centralista (veja-se o que é hoje o deserto de clubes medianos que vegeta na região do grande Porto, quando comparado com o número daqueles que andaram pela 1.ª Divisão e que, com efémera glória, foram os peões que serviram a estratégia que o FCP e a AFP (Associação de Futebol do Porto) urdiram para que hoje o FCP, possa, apesar das dificuldades financeiras que atravessa em resultado de gestões, no mínimo, incompetentes, continuar a controlar tudo e todos no futebol português, ao mesmo tempo que abafa e amarfanha esse mesmo futebol português, e aquele que, e esse mérito tem que lhe ser assacado, melhor usa (e abusa) do poder que tem, seja através da propaganda, seja através do «sistema», como bem definiu um dia o Dr. Dias da Cunha (…)!»

ANTÓNIO GOMES MARTINS
(Leitor de A BOLA)