Causa/efeito
A tecnologia trouxe vantagens tremendas ao jogo e, por esta altura, essa é uma realidade que nem merece discussão. É ponto assente que, quando conduzido com saber e mestria, o VAR acrescenta verdade desportiva e maior justiça ao futebol.
No entanto, tem sido também notório que a ferramenta teve impacto no esquema tático das equipas e no comportamento de alguns atletas. Isso acarreta danos colaterais sobre os quais devemos parar para refletir, com serenidade e responsabilidade.
Não sei se já repararam - eu já, confesso - que, após a introdução do videoárbitro, o número de pontapés de penálti aumentou em 20%. Sabemos que as infrações que os defesas cometem, dentro da sua área de rigor, não aumentaram assim tanto, o que nos remete para uma conclusão evidente: o que mudou foi a nossa perceção - e a dos árbitros, agora também em sala - sobre a natureza de alguns contactos físicos.
A evolução dos meios e o recurso cada vez mais frequente a imagens de excelência, tem aumentado a nossa intolerância relativamente a choques, toques, quedas e afins. Sempre que surge um lance desses na chamada «zona proibida», olhamos para ele de forma científica, com precisão quase cirúrgica, como se estivéssemos à espera de sentenciar um crime mais do que certo. Essa predisposição crítica torna mais fácil rotularmos cada gesto como suspeito e cada toque como ilegal.
Com o advento do VAR, existem dois tipos de jogo: o que se disputa lá dentro e o que se analisa e decide cá fora. É a supremacia do futebol virtual sobre o real, sobre o futebol de verdade. O da dinâmica e do salero, que sempre nos habituámos a ver, aplaudir e elogiar.
A solução para este fenómeno passa, primeiro, por ter a perceção que isto está, de facto, a acontecer.
Uma das formas mais justas de percebermos se há aproveitamento televisivo de um toque (e sim, os jogadores sabem que um contacto na área adversária pode ser um verdadeiro euromilhões) é percebermos se houve causa/efeito.
É percebermos se determinado derrube causou, efetivamente, a queda de um jogador ou se houve aproveitamento deste ao sentir o toque. É descobrirmos se determinado atleta caiu porque sofreu contacto ilegal ou se já estava em queda e a ação do defesa só ajudou a justificar uma infração que, provavelmente, não existiu.
Na impossibilidade de medirmos intenções ou intensidades, ajuda pensarmos de acordo com a nossa perceção do jogo. Com aquilo que conhecemos dele. Geralmente a decisão que toda a gente espera, a decisão que a esmagadora maioria das pessoas sente ser a mais correta... é mesmo a mais correta.
Neste novo mundo, de megaescrutínio, também eu estou a aprender. E também eu preciso de evoluir na análise para que a opinião emitida para o exterior seja o mais verdadeira, coerente e justa possível.
O pior que me poderia acontecer - que nos poderia acontecer - era ficarmos reféns de um videojogo, que nada tem a ver com o espetáculo que se joga, vibra e sente lá dentro.
O VAR é fantástico, mas penso que temos todos de reaprender a ver a bola como se ele não existisse. O jogo é o mesmo, foram os meios ao seu dispor que mudaram.