Jogadores do Benfica festejam, com uma bandeira dos encarnados como pano de fundo, um golo marcado no Estádio da Luz
Festejos dos jogadores do Benfica após mais um golo dos encarnados (Foto: MIGUEL NUNES)

OPINIÃO DE VASCO MENDONÇA Temos equipa para fazer a dobra

Selvagem e Sentimental é o espaço de opinião semanal de Vasco Mendonça, consultor de Marketing

Há muito que «levantar a cabeça e pensar no próximo jogo» se tornou uma máxima repetida no desporto, mas nunca como agora me pareceu tão importante. Não fui confirmar as estatísticas, mas a sensação que tenho é a mesma que tem sido manifestada por muitos treinadores quando se queixam de não ter tempo efetivo para treinar. Às vezes parece uma desculpa mal amanhada para ganhar o tempo que não se tem junto de direções e adeptos, e talvez seja em alguns casos, mas o facto é que o corrupio de jogos é mesmo real e o tempo de qualidade se tem tornado cada vez mais escasso. Num futebol tão mercantilizado, o tempo é a única coisa que não conseguimos comprar ou vender no mercado de transferências, e a nova economia da atenção irá agudizar o problema, com o consumo de futebol reduzido gradualmente a micromomentos que produzem ídolos superficiais e escondem muitos heróis do quotidiano.

Para o Benfica, de quem se espera tudo, e que continuava em todas as frentes até há poucos dias, a época traduziu-se em séries infindáveis de partidas de elevada importância, umas após as outras, com pouco mais de 72 horas a separar um jogo do outro, um teste à competência e ao endurance de um plantel com alguma profundidade e muita qualidade em potência. Sobre este assunto, acho que é devida uma palavra ao treinador do Benfica, pelo desempenho que tem tido e pelo desafio que abraçou num momento em que muito poucos quiseram arriscar. A Bruno Lage deve exigir-se tudo, e o próprio saberá disso, ou não fosse ele benfiquista. Mas podemos juntar a esta exigência saudável uma certa dose de apreço por estarmos a chegar a abril em condições de vencer três troféus esta época, apesar de um planeamento desportivo errático e lacónico, sem uma liderança clara e com processos de decisão bastante opacos. Bruno Lage tem sabido operar nestas circunstâncias.

Não foi perfeito em todas as decisões, mas tem conseguido utilizar as armas ao dispor para garantir quase sempre um resultado positivo e até encontrar novas soluções. Sim, continuamos a criar muitas ocasiões de golo que esbarram em problemas de finalização, mas foi esta mesma equipa que ajudou Pavlidis a reencontrar o caminho da baliza. E este não é o único exemplo. Até arrisco dizer que é um traço dominante do atual plantel.

Não me parece que vençamos frequentemente pela enorme consistência de cada um dos jogadores disponíveis, mas antes pela capacidade que temos de ir trabalhando com os seus altos e baixos. É verdade que Kokçu nem sempre decide bem, mas as decisões acertadas que tem tomado criam muitas das ocasiões de golo da equipa. É verdade que Akturkoglu tem estado longe do nível exibicional demonstrado quando chegou a Portugal, mas também é verdade que foi ele quem no último domingo entrou para decidir o jogo, mais um, e é verdade que os números produzidos pelo jogador turco fazem desta uma das melhores épocas da sua carreira, numa liga portuguesa que, sendo de segunda divisão, é ainda assim superior ao futebol praticado na Turquia. No entretanto, em dias menos bons de um ou de outro, apareceram Schjelderup, Barreiro e outros. Não é o plantel que a maioria de nós idealizaria, mas tem levado água ao moinho, mostrando uma capacidade interessante para fazer a dobra a quem esteve menos bem ou fora por lesão.

Talvez a melhor definição deste estado de alma em movimento de acordeão possa ser observada no papel de Di María e no modo como muitos adeptos reagiram à sua presença e à sua ausência. Um Di María saudável é sempre um dos melhores, senão o melhor jogador deste plantel. Decide jogos e fá-lo sempre recorrendo a uma apetência estética que é a única forma que conhece. É um dos favoritos da maioria e sabe disso, motivo pelo qual ninguém, começando pelo próprio, imagina um Di María no banco.

Benfica vale metade sem Di María

13 março 2025, 06:45

Benfica vale metade sem Di María

Argentino fez muita falta na eliminatória com o Barcelona, até porque não houve Bruma. Uma escolha de Lage que se revelou um erro

Por outro lado, com a lesão do argentino, a equipa foi obrigada a procurar outras formas de chegar à baliza adversária. Perdeu alguma dessa dimensão estética que o próprio Lage preconiza, mas não perdeu capacidade de marcar golos e ganhar jogos. No entretanto, ganhou força uma corrente segundo a qual a equipa do Benfica até joga melhor sem ele, um contrassenso apenas admissível até Di María voltar a estar em condições de jogar. Tudo isto acontece por um bom motivo. A culpa deste acordeão é de uma equipa que tem sabido fazer a dobra.

Conhecendo o plantel, não me espantou muito que tivéssemos encontrado finalmente o nosso limite numa eliminatória da Liga dos Campeões ensanduichada entre jogos da Liga e da Taça de Portugal. Aceito perfeitamente as competições internas e quero que o meu clube as vença, mas não consigo evitar alguma irritação romântica perante a necessidade de conjugar jogos de dimensão nacional, muitas vezes pobres, com o tipo de palcos em que o Benfica devia atuar mais vezes e com ambições mais legítimas.

Em Barcelona, alguns jogadores nucleares acusaram cansaço frente a um adversário que não perdoa, e acabámos manietados por uma equipa que, sendo global e individualmente superior, pareceu ao alcance do Benfica nos primeiros dois jogos que fizéramos contra eles. Houve um jogador que me chamou a atenção, pela negativa. Florentino, um dos melhores centrocampistas da Champions, fez uma exibição apagada em Barcelona, longe do epíteto de polvo que lhe foi justamente atribuído.

Dias depois, somou-lhe um erro incaracterístico em Vila do Conde que quase nos custou dois pontos. Se é motivo para alarme? É motivo para toda a gente continuar em alerta, mas fundamentalmente continuarmos a apoiar esta equipa sem hesitação. Nem estes dois jogos definem a qualidade de Florentino, para mim um dos melhores deste plantel? nem tudo dependerá dele. Acredito que os colegas, como até aqui, saberão ir fazendo a dobra.

O Benfica tem demonstrado ser a melhor equipa em Portugal, mesmo com as suas inconsistências. Não diria que esta equipa me enche as medidas, mas tem dado algum conforto pela capacidade de responder a diferentes momentos dos jogos realizados. Quanto ao teste final, que comprovará de forma impiedosa se o trabalho de equipa técnica e jogadores foi ou não realizado de forma competente, acontecerá nos próximos dois meses e meio. A minha avaliação nessa altura será tão resultadista quanto a do leitor, mas penso que é possível tirar algumas conclusões parciais, e essas são estruturalmente positivas. Chegamos a esta fase da época com maturidade competitiva e sentido coletivo suficientes para acreditar que isto nos vai sorrir.