'Valor de Mercado' Benfica: navegação à deriva!
Ninguém dá três anos de contrato a um treinador, a pagar o que o Benfica paga, sem o conhecer muito bem nos bons e nos maus momentos
A época do Benfica não está a ser positiva. As expetativas criadas foram muito elevadas (primeiro erro) e a realidade não correspondeu. Em termos concretos, o Benfica venceu a Supertaça e vai ficar na segunda posição do campeonato, o que lhe permite ter a possibilidade de lutar por uma vaga na Liga dos Campeões ou, em circunstâncias perfeitas, garantir a entrada direta na fase de grupos através do ranking UEFA. Antes de fazer uma análise mais concreta, quero deixar bem claro que gerir um clube como o Benfica não é fácil. Trata-se de uma empresa que gera muitas receitas, que tem muitos vícios associados e que necessita de um controlo constante e de uma enorme atenção às tendências do setor do desporto em termos globais. Ao contrário do que muitos pensam, os resultados desportivos serão sempre o reflexo do trabalho invisível que é feito fora dos relvados. É aqui que são criadas as condições para que sejam dados aos intervenientes todos os meios para poderem fazer bem o seu trabalho, sem distrações, com compromisso e em equipa.
Sinais evidentes
A forma como a época correu não é propriamente uma novidade. No dia 29 de outubro de 2023 escrevi uma crónica com o seguinte título: «Os 7 pecados de Schmidt e Rui Costa». Nesta crónica enunciei sete fatores que contribuíram para o desfecho que estamos a verificar. Desde o problema na transição defensiva e no equilíbrio da equipa, passando pelas contratações falhadas, o caso Vlachodimos e a mensagem que passou internamente, a carta branca dada ao treinador e o risco que isso implicava, a comunicação e os custos operacionais. Não sou nenhum visionário, mas os sinais eram bem evidentes de que as coisas podiam não correr bem. Nada acontece por acaso, tudo acaba por ter uma lógica e um caminho. A questão é que os líderes astutos e atentos percebem o rumo que as coisas estão a tomar e criam uma estratégia para alterar o caminho que está a ser seguido. Neste caso, é importante realçar que os alertas não vêm só da vertente desportiva, a trajetória da vertente financeira está a gerar preocupação, porque os custos continuam a subir, sem correspondência do lado das receitas. A solução para este problema passa pela venda de mais jogadores e consequente enfraquecimento desportivo da equipa. Se antigamente bastava vender um jogador por ano, este ano já será necessário venderem-se dois (Gonçalo Ramos foi um deles).
Falta de visão
À medida que os meses foram passando, a insatisfação dos adeptos foi aumentando. Dois fatores contribuíram decisivamente para esta contestação crescente. O primeiro é que parece que Roger Schmidt vive numa realidade paralela (como escrevi no dia 10 de março). Vê jogos diferentes, dentro e fora do relvado. Onde RS vê exibições «top», nós vemos exibições sofríveis. Dentro do próprio jogo não consegue ter a capacidade de mexer na equipa quando tal se justifica. Deixa jogadores a arrastarem-se no relvado quando todos percebemos que estão esgotados. O segundo fator é a comunicação. Em Portugal os presidentes dos grandes clubes utilizam constantemente uma expressão: o clube é dos sócios, eles são os donos do clube. Concordo que os adeptos são a principal mais-valia de uma instituição. É por este motivo que a comunicação ganha uma importância adicional. Se os associados são a grande mais-valia do clube, a comunicação entre este e os adeptos tem de ser muito bem cuidada. Todos percebemos que RS não tem a capacidade de fazer a diferença através da comunicação, pelo contrário, até cria anticorpos e gera negativismo. Se do lado de fora todos percebemos isto, internamente ninguém consegue compreender este facto? Ninguém alerta o treinador para esta situação? Ninguém lhe explica que se continuar com esta postura a insatisfação será superior e o ambiente em torno da equipa será mais negativo? Que esta forma de comunicar contribuirá negativamente para o desempenho da equipa? A minha estranheza, neste caso, é a aparente falta de visão e de perceção do peso que este fator está a ter na época desportiva do Benfica. Uma administração que perceba o rumo que as coisas estão a tomar tem, não só, de alertar e tentar ajudar o seu treinador a criar maior empatia com os adeptos, como tem a obrigação de colocar água na fervura.
Silêncio comprometedor
Se todos temos a noção que a insatisfação dos adeptos perante RS estava, cada vez mais, a subir de tom, devemos colocar duas questões: será que o silêncio da administração faz parte de uma estratégia para se proteger e deixar o treinador fragilizado perante os adeptos? Ou será que o departamento de comunicação do clube é assim tão incompetente que não percebe que a comunicação entre treinador e adeptos está a fragilizar o clube? As duas questões podem ter uma resposta afirmativa. Em primeiro lugar, porque ninguém quer ficar com as responsabilidades do insucesso e isto demonstra a forma como o clube está a ser gerido, ou seja, no sucesso todos aparecem e tiram fotografias, no insucesso todos tentam passar despercebidos. A estratégia de encontrar um culpado já foi utilizada anteriormente, quer com Rui Vitória como com Bruno Lage, Jorge Jesus e agora Roger Schmidt. É uma estratégia de visão curta, porque no limite quem perde é o clube. Esta forma de atuar demonstra ainda outras coisas. Quem lidera coloca o eu acima do nós. Um dos pressupostos para se obter sucesso é a perceção de que não se ganha sempre. Quando os projetos e as convicções são testados é que vemos os verdadeiros líderes.
Estranha forma de liderar
Os grandes líderes, e quem está à sua volta, são por norma pessoas com uma grande capacidade estratégica e de visão. Têm sensibilidade e percebem quando e como agir, reagir ou antecipar problemas. Roger Schmidt foi novamente atingido por uma garrafa depois da sua equipa vencer por 3-1 o Farense, num jogo bem conseguido. Um líder atento, e com uma estrutura competente, saberia imediatamente o que se passou. O que deveria fazer? Deveria ter saído, imediatamente, em defesa do seu funcionário, criticando aquele tipo de comportamentos inaceitáveis por parte de supostos adeptos e não esperar 24 horas para o fazer às 22h00 na TV do clube! Deveria colocar-se ao lado do seu treinador, mostrando solidariedade e firmeza.
Problemas por resolver
No capítulo desportivo as convicções de Rui Costa estão a ser colocadas à prova. A solução mais fácil passará pelo despedimento do treinador e falência do projeto desportivo. Aliás, a postura de Rui Costa e dos pares dá-nos essa indicação. Volto a reforçar que ninguém dá três anos de contrato a um treinador, a pagar o que o Benfica paga, sem o conhecer muito bem nos bons e nos maus momentos. Se isto acontecer, será mais um ato que irá ter grande repercussão financeira pela dimensão da indemnização em causa. A questão é que não é só na vertente desportiva que as coisas estão confusas e complicadas. Na vertente financeira, o Benfica é, hoje em dia, uma máquina de gerar recursos financeiros. Se fui e sou muito crítico relativamente a Luís Filipe Vieira, pela forma como geriu muitas coisas à sua maneira dentro do clube, neste caso reconheço que foi a sua visão, empreendedorismo e organização que permitem que o Benfica tenha a dinâmica comercial que hoje apresenta. Apesar desta dinâmica positiva, que caracteriza o Benfica, a realidade é que a trajetória financeira é negativa (bem visível nos Relatórios e Contas) e demonstra o descontrolo e falta de eficiência que se vive dentro do clube.
A valorizar
Bruno Fernandes Está a fazer (mais) uma grande época. Personalidade, caráter, qualidade e responsabilidade. Roberto Martínez deve estar a sorrir com as exibições do capitão do Manchester United.
A desvalorizar
Chelsea Ter capacidade financeira não é sinónimo de sucesso. Desportivamente o Chelsea não se aproxima dos lugares cimeiros nem tem capacidade nos momentos de decisão. É a prova de que o dinheiro não compra projetos, organização, estabilidade, conhecimento e consistência.