OPINIÃO Benfica: fracasso?
Rui Costa sabe melhor do que ninguém como trabalha Schmidt e o que pensam os jogadores do treinador. Isso basta para tomar uma decisão
Está quase a completar-se um ano de mais uma madrugada sem a necessária reparação do cansaço. Com um olho meio aberto e outro fechado a espreitar os play-offs da NBA aquilo que poderia ser uma simples reação a uma derrota que provocou um final de época que a generalidade considerou uma surpresa e um fracasso para a equipa que teria a obrigação de ganhar tornou-se num dos mais sensíveis e profundos momentos de reflexão sobre a sociedade, como olhamos para expectativas e resultados, como reagíamos a sucesso e adversidade.
Foi fácil perceber, então, que as palavras do gigante Giannis Antetokounmpo não me tinham atingido e feito pensar apenas a mim. Toda a América, por alguns dias, debateu o assunto que nasceu de uma pergunta preguiçosa de um jornalista e da resposta sensacional do poste grego com origens nigerianas.
Giannis é uma história de sucesso, uma história que nos faz sentir bem, alguém que venceu desafiantes provações e os maiores obstáculos que se podem encontrar na vida. Filho de pais nigerianos, imigrantes ilegais na Grécia, já nasceu na Europa, em criança teve de vender, nas ruas de Atenas, óculos, malas ou relógios para contribuir para sua sobrevivência. Perseguiu o sonho de menino de querer jogar na NBA — é emocionante, ainda hoje, como o partilhou com inocência num vídeo que se pode encontrar no YouTube, sabendo que, agora, é um dos melhores do mundo. Com ética de trabalho irrepreensível, transformou-se como atleta, mas manteve sempre a dignidade de quem nunca esqueceu de onde partiu.
Há pouco menos de um ano, então, depois de os Milwaukee Bucks terem sido eliminados na segunda ronda dos play-offs, sentou-se para falar da derrota com os Miami Heat e do fim temporada. Ao contrário de Portugal, a Liga e os clubes sabem que os atletas têm de falar para aqueles que ajudam a manter a indústria próspera. E Giannis foi questionado sobre se a época dos Bucks, campeões em 2021, tinha sido um fracasso.
«Oh meu Deus», desabafou, levando as mãos à cara, para logo a seguir assinalar que o mesmo jornalista lhe tinha feito a mesma pergunta um ano antes e que não respondera por não estar, então, com o estado de espírito adequado para fazê-lo. Giannis pegou na palavra para, nas palavras Kenny The Jet Smith, antigo campeão da NBA, dar uma palestra digna das TED Talks.
Em resumo, perguntou se o jornalista tinha sido promovido no emprego todos os anos. Como a resposta foi negativa, perguntou se isso era um fracasso. Acrescentou que trabalhar por um objetivo, proporcionar uma casa à família ou cuidar dos pais não é fracasso são passos para o sucesso. «Michael Jordan jogou 15 anos e ganhou seis campeonatos. Os outro nove anos foram um fracasso? É isso que me estás a dizer? Então porque me estás a fazer essa pergunta? É uma pergunta errada. Não há fracasso no Desporto, há bons e maus dias, umas vezes temos sucesso outras não, umas vezes é a tua vez outras não. É disso que se trata o Desporto. Uma vezes vencemos e noutras alguém vencerá. Simples quanto isso», argumentou.
O que, no fundo, Giannis nos quis dizer foi que o fracasso não é o contrário de vencer e que andamos todos cegos com a ideia de que só interessa ganhar e nalguns casos a todo o custo. Talvez seja uma ideia demasiado romântica para os dias que correm e, hoje, pouco ou nada valorizada ou respeitada.
Neste como em qualquer outro caso teremos de respeitar sempre o contraditório. Que, ainda me lembro bem, surgiu pela voz rouca do gigante Shaquille O’Neal, um dos melhores de sempre a jogar basquetebol, muitas vezes com a sensibilidade de um elefante numa loja de porcelana. Não neste caso. Contestou Shaq que a definição de sucesso é a incapacidade de corresponder às expectativas. E que quando se é o melhor do mundo, como Giannis era considerado naquele ano, todos esperam que tenha capacidade de conduzir a equipa a um título de campeão. «A missão é um fracasso quando não é cumprida», rematou, cruelmente, Shaq.
Vem isto a propósito da época do Benfica, que ainda pode ser campeão. Se for irá formar-se um coro a cantar afinadinho o sucesso. Essas eram as expectativas no início da época, depois de uma temporada de reconquista do título e de forte investimento financeiro na equipa. Mas, não estando a equipa a corresponder às expectativas, o mais provável, para quem é realista, é o Sporting ser campeão e o Benfica acabar em segundo lugar.
A época será, nessas circunstâncias, um fracasso? Será Rui Costa que terá de responder a essa pergunta e agir em conformidade. Sem meias palavras: terá de decidir o futuro do treinador. Aqueles que não hesitarão na condenação implacável de Roger Schmidt e até do presidente exigirão mudanças. Desde logo o despedimento do treinador. Rui Costa terá, pois, de refletir sobre sucesso e fracasso. E, seguramente, mesmo desconhecendo-se como vai baixar o pano da época, já sabe tudo o que precisa para decidir. Conhecedor profundo do balneário, da capacidade e método dos treinadores, sabe melhor que ninguém como trabalha Schmidt e o que dele pensam os jogadores. Isso chega. Consideremos nós, no final, a época do Benfica um fracasso ou não, sejamos ou não promovidos todos os anos ou cuidemos, como fazemos, da nossa família.