Basta!

Basta!

OPINIÃO16.06.202306:40

A simples suspeita há muito que já nos devia ter deixado alerta

NÃO é, realmente, de hoje, como bem lembrava no editorial desta quinta-feira o chefe de redação de A BOLA, Nuno Raposo, o arrepiante e assustador tema do tráfico de jovens à procura de cumprirem o sonho de virem a tornar-se, um dia, estrelas como jogadores de futebol. Na verdade, já em 2007, há mais de 15 anos, imagine-se, as páginas deste jornal serviram para denunciar casos similares ao que, esta semana, subitamente, acabou por envolver o nome do (agora demissionário) presidente da Assembleia Geral da Liga, Mário Costa.

Na altura, uma organização não governamental, a Culture Foot Solidaire, sedeada em França e liderada por um antigo jogador africano (o camaronês Jean-Claude Mbvoumin, hoje com 50 anos), preocupava-se em identificar e proteger jovens recrutados, maltratados e mesmo abandonados por agentes ou estruturas desportivas ligadas ao futebol. O líder da organização de defesa desses jovens acusava mesmo Portugal de ser um dos principais entrepostos desses inqualificáveis, inaceitáveis e repugnantes tráficos humanos, sobretudo pelas ligações ao continente africano e à situação geográfica, que facilita, como sabemos, o acesso ao continente europeu.

Agora que está em curso nova investigação, desta vez a uma academia propriedade de Mário Costa, na qual os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras terão resgatado dezenas de jovens, entre os quais muitos menores vindos do estrangeiro, alegadamente vítimas de tráfico humano por lhes verem cortados e desprotegidos direitos fundamentais como a liberdade, parece que as autoridades nacionais se surpreendem e não deviam.

Não vale a pena chorar sobre o leite derramado, como diria a minha querida mãe, mas o dever não é apenas o de nos indignarmos; falta ética, caráter, bondade, humanidade a muita gente, já o sabemos, e faltará, infelizmente, sempre; impõe-se, por isso, não assobiar para o lado, fingir que não se vê, e, sobretudo, imaginar que não acontece apenas, e só, por sermos todos gente de bem e só por vestirmos black-tie.

Mário Costa, agora suspeito de envolvimento num alegado caso grave de tráfico de jovens que apenas seguem o sonho de serem jogadores de futebol, era, até quarta-feira, presidente da AG da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Foi eleito em janeiro de 2016 e prometeu, na altura (fica, apenas, a recordação) «lealdade e transparência», «cumprir os estatutos e credibilizar o futebol» e, ainda, «procurar projetar» os nossos clubes na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), por ser, pelo menos à época, presidente da União de Exportadores da mesma CPLP.

Tem, evidentemente, Mário Costa o legítimo e justo direito a ser presumido inocente. Mas após a investigação ter sido tornada pública na última segunda-feira, Mário Costa não devia ter esperado quase 72 horas para se demitir, como devia, do cargo de presidente da AG da Liga e futebol. Só o fez, pelos vistos, reforço a ideia, porque o presidente da Liga, Pedro Proença, convocou uma conversa de emergência sobre o assunto.

Não deixou, igualmente, de causar impacto a declaração do secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Correia, que não apenas pediu a demissão de Mário Costa, como considerou «inaceitável, chocante e condenável» a suspeita situação agora denunciada pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
 

MÁRIO COSTA está constituído arguido no processo (poderemos, eventualmente, estranhar apenas que nenhuma outra medida tenha sido tomada num caso de tão grave suspeita). A sua residência foi alvo de buscas, como é normal neste tipo de investigações. Nada disso o transforma, porém, em culpado, sublinho. Nada. 

Mas, tal como à mulher de César, nunca basta ser-se sério, é preciso parecê-lo, e nesse sentido Mário Costa devia ter apresentado o pedido de demissão logo que se soube da investigação e logo que foram conhecidos os primeiros e preocupantes sinais de suspeitas sobre tráfico humano, no mínimo, para não prejudicar a imagem de uma instituição como a Liga.

A BSports Academy, a organização de Mário Costa envolvida na investigação, apresenta-se como um «projeto desportivo, educativo, revolucionário em Portugal, que permitirá a pessoas de todo o mundo, com a mesma paixão pelo futebol, viver a experiência da sua vida, potenciando ao máximo o seu crescimento pessoal e desportivo».

Ninguém pode saber, evidentemente, ainda, se a investigação em curso provará qualquer ilícito criminal. Mas uma instituição com o impacto social da Liga Portuguesa de Futebol Profissional não pode ver o seu nome envolvido, ainda que indiretamente, numa investigação com fortes suspeitas só porque o principal arguido é o presidente da Assembleia Geral.

Mário Costa demorou a pedir a demissão. Pior do que isso: permitiu a imagem de ter sido forçado a demitir-se, uma vez que o presidente da Liga, Pedro Proença, não poderia estatutariamente demiti-lo. Não foi um bom sinal para a Liga nem para a defesa do próprio Mário Costa. É inegável.

Mais inegável ainda é a urgência com que as autoridades (Governo, Federação, Liga…) devem impedir negócios destes sem regulação. Já basta o que basta na ganância humana de ganhar dinheiro a qualquer custo.
 

QUANDO há uma semana aqui deixei escrita a opinião sobre a crescente importância que o argentino Otamendi veio a ter no Benfica desde que chegou, em 2020, e desde que Jorge Jesus teve a ideia, hoje facilmente vista como absolutamente justificada, de o tornar no capitão das águias, estava eu longe de saber que logo no dia seguinte o clube anunciaria a surpreendente e inesperada renovação com o jogador até 2025.

Pode Rui Costa conseguir, como parece estar a conseguir, pelo que se vê com o turco Kokçu, reforços de qualidade inegável para consolidar o plantel de Roger Schmidt, campeão, é verdade, mas ainda suficientemente desequilibrado para atacar o futuro. Mas dificilmente conseguirá outro reforço com o peso, a importância, a dimensão, o compromisso de Nico Otamendi, que ficará, seguramente, na história recente das águias como um dos grandes capitães de equipa que o tribunal da Luz viu.

Absolutamente elogiável, nesse sentido, o trabalho e a persistência do presidente Rui Costa, que não desistiu de um jogador que todos, ou quase todos, davam como perdido. Sobre Otamendi, percebe-se, pois, tudo. Só não percebi, do ponto de vista da comunicação e do impacto dessa comunicação, como foi o Benfica anunciar a renovação de Otamendi na mesma noite em que aterrou em Lisboa essa estrela vinda do Feyenoord que dá pelo nome, esquisito de pronunciar, de Kokçu.
 

ESTÁ, parcialmente, concluído o famigerado julgamento dos emails. Parcialmente porque há sentença (clara, inequívoca, esclarecedora), há (do lado do FC Porto) condenados a penas de prisão (com pena suspensa), mas não há, porém, trânsito em julgado, e por isso as decisões não são ainda definitivas. Presumem-se, aliás, recursos. 

As condenações agora anunciada pelo tribunal aos conhecidos arguidos, explicadas num extenso acórdão de quase 250 páginas, juntam-se a uma outra, esta da SAD portista e do FCP e ainda do diretor de comunicação dos dragões, solidariamente condenados ao pagamento de uma indemnização de cerca de dois milhões de euros ao Benfica devido ao mesmo caso.

Após recursos ou trânsito em julgado das condenações então o processo merecerá, certamente, outros comentários.

Não posso, porém, deixar de manifestar a minha curiosidade sobre o que, eventualmente, após o processo-crime, se seguirá na justiça desportiva.

Uma oportunidade, então, de vermos, mais uma vez, se as instâncias do futebol em Portugal terão já (ou não) a maturidade suficiente para enfrentar, como é sempre indispensável, alguns verdadeiramente graves acontecimentos, como a violação de direitos fundamentais, liberdades e garantias num estado de Direito, que tantos confundem (e transformam), afinal, numa república das bananas.
 

PS: Deu o presidente do Sporting magnífica entrevista, ontem, ao canal do clube. Frederico Varandas confirma ter melhorado, e muito, a forma como comunica, conseguiu ser muito claro, elegante, sereno, não deixou (como muitas vezes sucede com os dirigentes do nosso futebol) que o ‘pé lhe fugisse para o chinelo’ (apesar de uma renovada ‘bicada’ ao rival da Luz) e esteve, globalmente, à altura das responsabilidades como presidente de uma das maiores instituições desportivas nacionais. Um bom exemplo!