Apanha a bola
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Apanha a bola

OPINIÃO17.03.202305:30

Na semana europeia em que o treinador do FC Porto enviou, creio, tantos recados para dentro do clube, o Sporting brilhou

NÃO me parece que a intervenção do treinador do FC Porto no final da eliminação europeia com o Inter possa ter duas leituras. Tem, a meu ver, apenas uma: o treinador do FC Porto, compreensivelmente frustrado com o afastamento da Liga dos Campeões, desatou a disparar, não para fora (não tem qualquer razão para disparar para fora), mas para dentro do clube, claramente na direção de quem, na qualidade de gestor da administração, diretor do futebol profissional ou simplesmente tripulante da esfera de negócios do clube, tem jogado tão mal, conseguido tão poucas vitórias e marcado tão poucos golos e, pelos vistos, tantos autogolos, ao contrário, exatamente, de equipa técnica e jogadores que tão importantes sucessos conquistaram para o clube e tanto rendimento financeiro ajudaram, decisivamente, a criar.

Factos são factos. E nunca é demais recordar que nas cinco épocas completas de FC Porto, o atual treinador conduziu a equipa a três títulos de campeã nacional (sempre os mais celebrados), duas Taças de Portugal, três Supertaças Cândido de Oliveira e uma Taça da Liga.

Factos são factos, e nestas seis épocas (esta ainda incompleta), com este treinador, o FC Porto foi buscar 280 milhões de euros em prémios da UEFA, e quase 400 milhões em vendas de jogadores.

Factos são, pois, factos. E é precisamente por causa desses factos que não há quem, fora do FC Porto, não elogie o trabalho deste treinador, não o reconheça, não o valorize, não o destaque, não o escreva ou diga. De um modo geral, entre os jornalistas portugueses da especialidade, acham que há alguém que despreze o que tem feito o treinador portista?

CLARO que não há. Na imprensa desportiva ou fora dela, sem exceção, para referir os profissionais a quem compete acompanhar, regularmente, o futebol, todos, sem exceção, sublinho, passaram os últimos anos a elogiar as qualidades e as competências do treinador portista (e respetiva equipa técnica), muitas vezes esquecendo até, ou fingindo esquecer, os defeitos de comportamento de um treinador que parece, em certas ocasiões, julgar que pode fazer o que lhe apetece, dizer o que lhe apetece, ser incorreto com quem lhe apetece, a pretexto do seu caráter genuíno, da sua intensa paixão pelo futebol ou de não gostar nada de perder, como se algum de nós, no futebol ou fora do futebol, na vida pessoal ou profissional, gostasse de perder.

Acontece que não gostar de perder não pode, nem deve, ser confundido com não saber perder ou não aceitar perder.

Na vida, tudo é ganhar e perder. Tudo!

PODE, pois, o treinador do FC Porto lamentar-se, na realidade, de o verem, muitas vezes, como uma personalidade agressiva, explosiva, bipolar, tão depressa gentil e bem-humorada, sorridente e educada, sensível e tolerante, como, na página seguinte, bruta e ríspida, cruel e truculenta, grosseira e, até, mal-educada, no sentido de não se importar de ferir ou magoar, insultar ou desrespeitar.

Sendo um pouco de tudo isso à imagem de quem, de fora, o vê na atmosfera do futebol, repito, na atmosfera do futebol (porque é disso que estamos a falar e não na vida pessoal), o treinador do FC Porto está, porém, farto de mostrar que não é parvo e que não deixa que lhe comam as papas na cabeça.

O treinador do FC Porto sabe o que tem feito. Sabe como, nos media e na opinião pública, tem sido devida e justificadamente elogiado. Sabe que entre boa parte dos adeptos do clube é admirado e talvez apenas não seja tão admirado entre os adeptos mais próximos dos dirigentes portistas. Além de saber o que tem feito, sabe evidentemente o que tem ganho. E sabe que se não sente o reconhecimento que merece, é o reconhecimento interno; sabe que se não o têm valorizado suficientemente, é dentro do próprio clube. Só pode ser. E só pode ter sido esse o sentido das palavras do treinador do FC Porto, no calor da frustração vivida na noite europeia de terça-feira, muito à semelhança do que sucedeu, em janeiro de 2020, em Braga, quando chegou mesmo a colocar o lugar à disposição do presidente, instantes depois de perder a Taça da Liga.

NÃO espero, evidentemente, que o treinador do FC Porto venha confirmar ter dirigido para dentro do clube as palavras na conferência de Imprensa que se seguiu ao jogo com os italianos do Inter de Milão.

Frontalidade no futebol nunca significou total sinceridade. Há muito quem seja frontal para dizer o que lhe convém, longe, porém, de ser sincero. Mas se o treinador do FC Porto não é parvo, não julgue que são parvos os que o ouviram.O que quis o treinador do FC Porto verdadeiramente dizer ao desabafar, sobre a ineficácia dos apanha-bolas, que vai, ele, tratar também disso?

Disse-o para protestar contra a falta de reconhecimento da opinião pública e dos media?

Como a gente não o reconhece, ele atira-nos com o desabafo sobre os apanha-bolas. Está certo.
Não é, pois, obviamente, verdade que o treinador do FC Porto seja mais criticado do que elogiado pelos media. Se é muito criticado nas redes sociais, não faço a menor ideia. Se se sente atingido por comentadores televisivos de clubes adversários, tem o que, na verdade, têm todos. E, portanto, volto a sublinhar, se não se sente devidamente reconhecido, só pode ser pelos seus e provavelmente por pensar para onde terão ido os milhões de euros de receitas da UEFA e da venda de jogadores.

EM todo o caso, e para quem ainda nem há dois meses afirmava que «mesmo um jogador de nível top mundial teria dificuldade em entrar na dinâmica» da equipa dele, considerando-se tão satisfeito com o plantel que tem, não ficou nada bem ao treinador portista, na ruidosa conferência de terça à noite, desabafar sobre a necessidade de ter andado a recrutar jogadores em equipas médias da nossa Liga, sabendo-se, como sabemos, por exemplo esta época, que foram gastos 30 milhões só em dois jogadores para o banco de suplentes (David Carmo e Gabriel Veron), e que contratações como as de Nakajima (por 12 milhões numa avaliação de 24 milhões), Zé Luís (10 milhões), Marchesín (7 milhões), Loum (7,5 milhões) ou Saravia (5 milhões) tiveram o impacto negocial que devem ter tido e o pouco proveito desportivo que acabaram por ter.

Oque não pode, nem deve, o treinador do FC Porto é esperar que os reconhecidos méritos no trabalho feito sejam suficientes para ninguém ter o desplante de o criticar (quando é de criticar) por alguns indisciplinados, incompreensíveis e inaceitáveis comportamentos, ou ter a ousadia de discordar de algumas opiniões ou a soberba de considerar que jogadores como Pepe, Otávio, até mesmo Pepê ou Taremi, por razões diferentes, pisam demasiado o risco da decência competitiva ou passam, algumas vezes, as marcas do que deveria ser desportivamente mais normal, mesmo num jogo de futebol de cultura marcadamente portuguesa ou num País de gente, por vezes, tão mesquinha e insensata, de mentalidade tão pequenina ou clubite tão desoladora e irracionalmente aguda. 

Sobretudo num grande treinador de futebol como é, inquestionavelmente, o treinador do FC Porto, custa a compreender o ar de vítima com que deixou, na noite de terça-feira, a sala de imprensa do Estádio do Dragão. E, na verdade, creio, por fim, que apenas se justifica se tiver sido, realmente, mais um ataque à estrutura interna dos portistas.

PS: Quase 32 anos depois de o Benfica ter silenciado o velhinho Estádio de Highbury e batido o poderoso Arsenal, em Londres, por 3-1, então para a Taça dos Campeões Europeus, o Sporting  de Rúben Amorim teve esta quinta-feira noite de intenso brilho, grande futebol, atitude impressionante, compromisso competitivo notável, monumental golo de Pedro Gonçalves (que é que é isso, ó meu!..., como, certamente, teria ‘cantado’ o saudoso Jorge Perestrelo), muita maturidade, caráter e coesão, e conseguiu notável qualificação para os quartos de final da Liga Europa. O futebol português tem vivido esta época algumas memoráveis jornadas europeias. E é realmente pena que o campeão nacional FC Porto tenha saído como saiu.