Ainda o abraço de Conceição a Roger Schmidt
José Sena Goulão/Lusa

Opinião Ainda o abraço de Conceição a Roger Schmidt

OPINIÃO07.10.202316:38

Os treinadores podem e devem mudar atitudes ao serviço do interesse coletivo

No último SL Benfica-FC Porto da nossa Liga Profissional de Futebol, assistimos a um abraço final de parabéns de Sérgio Conceição a Roger Schmidt que justifica trazer aqui uma referência ao estilo emocional dos treinadores. No livro The Emotional life of your Brain, de Richard Davidson, professor e investigador da Universidade de Wisconsin, EUA, publicado no ano de 2012, podemos verificar que cada ser humano é caracterizado por um determinado estilo emocional.

 Naturalmente, o mesmo acontece no que respeita aos treinadores. Segundo Richard Davidson, existem seis dimensões em termos do estilo emocional, que refletem propriedades e padrões do comportamento respetivo: resiliência, como recupera em situações de dificuldade; atitudes positivas, quanto consegue manter emoções positivas mesmo perante dificuldades; intuição social, como identifica intuitivamente os sinais sociais daqueles com quem se relaciona; autoconhecimento, com que facilidade identifica as suas reações emocionais e sentimentos; sensibilidade ao contexto, como regula as suas reações emocionais consoante os contextos sociais em que se encontra; atenção e foco nas tarefas, como se mantém concentrado e não perde foco nas tarefas, nomeadamente sob pressão. 

O comportamento de um qualquer treinador reflete assim diferentes combinações destas seis dimensões. Cujos padrões de atividade podem ser alterados através do treino comportamental, com objetivos de melhoria da respetiva empatia, compaixão, otimismo, sensação de bem-estar e atitudes emocionais positivas. 

No que respeita às respetivas reações emocionais, os treinadores são naturalmente todos diferentes; e enquanto diferentes, respondem de modo diverso perante os mesmos estímulos. A sua neuro-plasticidade cerebral permite modificar a respetiva estrutura cerebral e suas respetivas funções cerebrais. O que significa que é possível mudar/melhorar o estilo emocional de um treinador através do respetivo treino comportamental. Neste caso, talvez perante a surpresa de muitos, Sérgio Conceição evidenciou o que é decisivo a nível comportamental: respeito pelo adversário sem o qual não há competição possível. 

Está hoje comprovado que o treinador pode (e deve!) estar atento a eventuais e necessárias modificações da estrutura e do funcionamento do seu comportamento. Refiro-me ao controlo e regulação das suas emoções, pois ao contrário do que se pensou durante muito tempo, o córtex pré-frontal tem uma função reguladora fundamental. 

Existem áreas específicas do cérebro que controlam funções mentais e emocionais igualmente específicas. Tal como urge que o treinador assuma que «está sempre a comunicar», mesmo quando não fala. As seis emoções básicas (felicidade, tristeza, raiva, medo, desgosto e surpresa) expressam-se nas faces dos treinadores de modo universal (de forma idêntica em qualquer ser humano). Já aqui o dissemos, a atenção e a emoção estão profundamente associadas. 

Tudo isto significa que, não só os treinadores não podem nem devem (como tantas vezes o fazem!) dizer que «sou assim, têm de me aturar», como também, se os jogadores e a equipa que se encontram sob a sua responsabilidade, assim o exigirem, é perfeitamente possível que possam (e devam!) mudar as suas atitudes e comportamentos ao serviço do interesse coletivo. E assim aconteceu com Sérgio Conceição. 

Os treinadores (tal como os jogadores), no decurso dos seus desempenhos, convivem com o meio envolvente através dos seus órgãos dos sentidos (visão, audição, gosto, toque e cheiro); que lhes desencadeiam de forma automática e inconsciente emoções positivas ou negativas. Conforme vão sentindo as repercussões dessas emoções, apercebem-se da importância de treinar a respetiva regulação. E é aqui que se justifica a necessidade de ‘o treino do treinador’, orientado por quem assuma a importante função de ‘treinador do treinador’. 

Através das suas reações, os treinadores adaptam-se ao meio ambiente em que se enquadram, detetando perigos, tomando decisões, interagindo socialmente com jogadores, dirigentes, adeptos, jornalistas, etc., criando memórias dos acontecimentos. Algumas dessas emoções podem ser positivas (conformes com as regras) ou negativas (contrárias às regras vigentes). Sempre que são negativas, precisamente porque não vão ao encontro dos objetivos pretendidos ou são desadequadas do contexto, devem ser reguladas. No caso dos treinadores, o seu bem-estar influencia o seu desempenho pela positiva, ou, no caso do seu desconforto, provoca efeitos negativos em todos os que o rodeiam. E como são virais, propagam-se automática e inconscientemente a todo o coletivo de trabalho. 

O que significa que enquanto o treinador se exprime e se relaciona, conforme regula melhor ou pior as suas emoções, assim vai tendo uma boa ou uma má relação com aqueles com quem trabalha. A acrescentar ainda a toda esta complexidade, quaisquer diferenças culturais, ditam expressões emocionais diversas o que, num contexto como o atual, em que as equipas profissionais são compostas por diferentes nacionalidades, obriga a uma determinação prévia pelo treinador que emoções pode/deve exprimir conforme aqueles com quem se relaciona. 

Cada contexto social e cultural valoriza ou procura inibir determinadas emoções positivas ou negativas, impondo por sua vez uma determinada regulação/treino dessas emoções. Na prática, um conjunto de processos através dos quais o treinador aprende/treina o tipo de emoção, intensidade, duração ou uma ou várias componentes dessas emoções. Atenuando ou eliminando emoções negativas ou aumentando as positivas, consoante o país, o clube, a equipa, os objetivos de desempenho, etc. 

Numa continuada regulação/treino que pode ser feita de forma consciente/controlada ou inconsciente/automática. Sem esquecer que ao serem repetidos, os processos de regulação/treino automatizam-se, sendo por isso fundamental que, tal como em qualquer outra área do treino, se impõe repetir os hábitos a adquirir até automatizarem. Para o treinador é fundamental assumir que as emoções devem ser reguladas/ treinadas quando: - estiverem em desacordo com as regras/culturais vigentes. - tiverem consequências negativas para o seu bem estar, desempenho, ou para aqueles com quem se relaciona. 

Também importa que o treinador reconheça a extrema importância e influência das suas emoções nas relações sociais com aqueles com quem trabalha. E que nunca esqueça quanto o mesmo acontece com cada jogador ou dirigente. Para além de que todos somos diferentes na forma como reagimos emocionalmente, quer por razões individuais (componente fixa, genética e modulável, atenção, memória) ou ambientais (sociais e culturais). 

Obviamente, os treinadores sentem maiores dificuldades em gerir as respetivas emoções quando têm uma reatividade emocional elevada e capacidades de regulação fracas. Razão porque é fundamental que, na área comportamental do treinador sejam planificadas intervenções do tipo já aqui designado como ‘o treino do treinador’, que visem diminuir a reatividade e melhorar as aptidões de regulação. 

Neste treino na área comportamental do treinador, devem ser englobados todos os processos que tenham como objetivo tornar mais eficazes as respetivas reações emocionais em tudo o que se refere ao seu desempenho pessoal e profissional.

Para o treinador tudo é treinável na área comportamental, desde a natureza da emoção, a sua intensidade, a sua duração ou simplesmente a sua componente expressiva. Em termos gerais, esse treino comportamental tem como objetivos atenuar as emoções negativas (disfuncionais) e aumentar quanto possível a expressão de emoções positivas (funcionais). Sem que tal signifique que, por vezes, o desempenho pessoal ou profissional solicite também a necessidade de intensificar emoções que sendo negativas, ajudam a elevar o nível de superação de determinadas dificuldades ou obstáculos. 

Existe, aliás, hoje, uma necessidade cada vez mais evidente de modular as emoções positivas ou negativas dos treinadores em função do contexto, das regras sociais vigentes e dos objetivos pessoais ou profissionais a atingir. E dependerá dessa regulação/treino, não só a eficácia pretendida, mas também o bem-estar geral, a saúde física, mental, emocional, espiritual e social do treinador, tal como as suas relações sociais e respetiva coesão de organizações e equipas. A regulação cognitiva das reações emocionais do treinador tem como objetivo facilitar-lhe a constante adaptação que lhe é solicitada, tornando o mais eficaz possível as respetivas tomadas de decisão. Tal como focar a equipa e os jogadores no que considera fundamental, prendendo-lhes a atenção, tendo impacto e sendo emocionalmente convincente. 

Parabéns Sérgio Conceição pelo exemplo!