A razão

A razão

OPINIÃO21.04.202306:35

Roger Schmidt, a videoarbitragem e o presidente do FC Porto

BEM melhor teria ficado ao treinador do Benfica, Roger Schmidt, aproveitar o empate a três golos em Milão, um resultado a que a Europa do futebol costuma atribuir, quase sempre, alguma notoriedade (como aquele 3-3, o ano passado, também nos quartos de final, entre Liverpool e Benfica, em Anfield), bem melhor teria ficado, pois, a Schmidt, dizia eu, empenhar-se a fundo na injeção de confiança à sua equipa, em vez de vir lamentar o orçamento «menor» do Benfica e lançar nova exclamação contra o VAR, essa tecnologia que faz, na verdade, tão bem ao futebol, mas é, ainda, tão indevidamente utilizada (ou inutilizada) pelos mais viciados olhares humanos.

Claro que não faltará quem rapidamente associe o desabafo de Schmidt, em Milão, ao desabafo do sempre tão irónico e eloquente presidente do FC Porto, no final de fevereiro, quando procurou espantar os fantasmas sobre a surpreendente derrota do FC Porto, no Dragão, frente ao Gil Vicente. Mas ainda que ambos os desabafos não fiquem bem a gente com responsabilidades no futebol - a responsabilidade no futebol o que exige é contribuição, ou apelo, para uma cada vez melhor e mais eficaz vídeoarbitragem -, há significativa diferença entre a exclamação de Schmidt e a exclamação do presidente portista: ter ou não razão.

Em Milão, uma evidente falta para grande penalidade sobre Fredrik Aursnes não foi julgada no campo nem no VAR. Naquela noite de fevereiro, no FC Porto-Gil Vicente, o único momento verdadeiramente inaceitável de falta de intervenção do VAR acabou por poupar o internacional Pepe à expulsão (com vermelho direto) - num jogo em que o campeão nacional já jogava com menos dois jogadores -, após entrada violenta à perna do adversário, sem qualquer intenção de jogar a bola.

Ter razão ainda deve de fazer alguma diferença, porque a razão, quando é objetiva, e mesmo num jogo, pelo contacto físico com todas as partes do corpo, com tanta subjetividade de análise, não pode confundir-se com aquilo que uma equipa joga ou deixa de jogar. Razão é razão, e Roger Schmidt teve, mais uma vez, razão objetiva para ficar frustrado com a decisão da equipa de arbitragem (onde se inclui o VAR) de ignorar a evidente falta de um jogador do Inter sobre o internacional norueguês da Luz. 

SABE o presidente do FC Porto - 40 anos disto dão-lhe experiência suficiente - quando, e como, atirar areia para os olhos de quem o ouve, e, obviamente, sabe muito bem como jogar com a cegueira de quem incondicionalmente, e há tantos anos, o segue.

Mas no dia em estivermos mais certos que imperará a sempre tão desejada verdade desportiva, se, e quando, os principais clubes forem, todos eles, e ao mesmo tempo, liderados, por exemplo, por antigos jogadores ou treinadores de futebol (acredito muito nos antigos jogadores e treinadores de futebol no sentido em que me parece que estarão sempre mais próximos de respeitar a integridade do jogo que amam), creio que, então, sim, estaremos mais perto, também, de um espetáculo de ambiente muito menos tóxico e saudavelmente mais competitivo, realidade que nem os discursos mais intoleráveis, inconvenientes ou desrespeitadores, nem os comportamentos menos próprios ou mais agressivos de gente como o presidente do FC Porto conseguirão subverter ou mascarar.

 

DEVERÁ saber Roger Schmidt, ainda a propósito do jogo do Benfica em Milão, apesar da grande penalidade não assinalada a favor das águias, que a sua equipa ainda esteve longe do futebol que chegou a apresentar nesta edição da Liga dos Campeões, que contou, na verdade, com uma bastante bem-sucedida campanha das águias. Sabe Roger Schmidt, e sabem todos os principais responsáveis encarnados, que a última é, regra geral, a imagem que fica, e agora de pouco adianta, mesmo para os adeptos, recordar o que foi todo o percurso da equipa até aos quartos de final da presente edição da prova. Vale sempre a pena lembrar, aliás, que a memória, no futebol, tem, no máximo, uma semana!...

A verdade é que o Benfica perdeu - isso creio que é inegável - uma excelente (difícil de repetir) oportunidade de voltar, mais de 30 anos depois, às meias-finais da maior competição europeia de clubes (e a de maior nível e impacto mundial). E perdeu-a, talvez seja o que mais custará aos adeptos, por responsabilidade, e erros, mais próprios do que forçados pelo adversário, mesmo considerando que o Inter, não sendo, hoje, uma das grandes equipas europeias, tem jogadores fantásticos, que decidem jogos sozinhos, e que pela qualidade e talento se evidenciam quando a equipa mais precisa - Barella, Brozovic, Lautaro Martínez, até o velhinho Dzeko, que aos 37 anos ainda lhes dá, aos defensores, muita água pela barba…
 

NO ténis, chamam-se erros não forçados a muitas das falhas cometidas pelos jogadores de Roger Schmidt, sobretudo numa primeira parte em que a única verdadeira boa notícia para as águias foi o golo de cabeça do incansável (mas esgotado) Fredrik Aursnes.

No futebol, antes da criatividade, do talento, da magia, do estudo e estratégia na bola parada, da leitura de jogo, da capacidade física, antes de tudo isso, há o básico, essencial e absolutamente indispensável para se jogar: chama-se passe e receção.

Na equipa do Benfica, na noite de Milão, chegou a ser confrangedor a defeituosa qualidade de passe e receção de alguns jogadores, ao ponto de perderem a bola mesmo sem que o adversário precisasse de lutar muito por ela.

Outro aspeto que me pareceu relevante, e me tem parecido relevante nestas últimas exibições da equipa encarnada, tem a ver com a falta de dinâmica na procura do espaço e a exasperante tendência para jogar quase sempre de pé para pé.

Ora se a criação do espaço é hoje tão essencial ao jogo que se joga, como pode uma equipa encontrar forma de desequilibrar o adversário sem encontrar, primeiro, o espaço para lhe desmontar o posicionamento defensivo? É seguramente muito mais difícil fazê-lo do que dizê-lo, mas espero que não seja assim tão complexo de compreendê-lo.

No fim de contas, o que fica desta última jornada europeia do Benfica é um resultado que maquilha a fraca primeira parte da equipa, e acaba por ser um prémio ao espírito (e à alma) que a levou, sobretudo na segunda metade da segunda parte, a procurar (com mais coração do que lucidez) não regressar a Lisboa com uma histórica quarta derrota consecutiva (o que apenas se registou duas vezes, nas décadas de 30 e 90, nos mais de cem anos de vida das águias).

 

POR outro lado, se o que ficou desse espírito e dessa alma será suficiente para devolver confiança à equipa de Roger Schmidt, se verá, muito em particular, já no próximo jogo da Liga. O que me parece é que só esse próximo jogo da Liga pode ajudar a devolver a confiança, não à equipa, mas aos adeptos. Não vale a pena os jogadores, como João Mário, virem lembrar que apenas perderam três vezes nos últimos 43 jogos. Que interessa isso se não ganharem à frente?, é o que questionarão, certamente, os adeptos encarnados.  Nem é uma questão de ter ou não ter memória. É uma questão de objetivo. E é por causa do objetivo de cada equipa que o próximo é sempre o jogo mais importante! Ou não é assim?!

 

NUMA eliminatória de Champions, o Sporting disse adeus à Liga Europa, mas com justificado orgulho. O orgulho não dá títulos nem ganha jogos, mas reflete e dá consistência aos comportamentos de uma equipa de futebol. Neste combate com a Juventus, o Sporting mostrou qualidade suficiente para discutir a passagem às meias-finais, mas, tal como sucedeu com o Benfica frente ao Inter, o leão encontrou pela frente, não uma Juventus em grande plano, mas jogadores com dimensão e classe suficientes para disfarçarem as insuficiências da equipa.

Com jogadores como os que tem o Inter ou a Juventus, nenhuma equipa deixa de ser uma equipa grande. E nestas competições, quando a equipa passa por pior momento, são quase sempre os grandes jogadores que fazem a diferença. Nesses casos, sim, faz sentido falar de orçamentos. Mas não se deve falar disso quando se joga pouco. Foi caso da águia. Não foi o caso do leão!