A próxima época já começou
Os benfiquistas vivem com entusiasmo o esquecimento do passado e estão-se nas tintas para quem os quer puxar para trás no tempo
Ofutebol será, entre as muitas coisas do mundo, aquela que mais pressa tem do futuro. Repare-se no que está a acontecer no futebol português. Ainda vamos na antepenúltima jornada do campeonato maior e já quase só se fala no futuro. Porque há uma certeza feita de quem serão os quatro primeiros e, por consequência, de quem será o campeão e o futebol sem incertezas, sem a emoção da dúvida, sem a força da expectativa, é sentido como um tédio.
Por isso, todos os grandes temas colocados em cima da mesa do café (ainda se discutirá futebol à mesa do café?) são sobre o futuro. O benfiquista já sabe tudo sobre a escola alemã de treinadores, conhece Roger Schmidt de pequenino, discute as probabilidades de entradas e de saídas, enfim, vive com o maior entusiasmo o esquecimento do passado e do presente e por isso está-se verdadeiramente nas tintas para quem foi o pai do Seixal, algo que Vieira deveria ter previsto antes de se relançar no palco mediático para ajustar contas com aquele que considerou ser o seu próprio delfim.
De facto, os benfiquistas estão demasiado interessados em que tudo mude para darem atenção a quem os puxa para trás no tempo e nas desilusões. Vieira está demasiado ferido na sua convicção de injustiça para perceber isso.
Curiosamente, nem aqueles que estão mais confortáveis com o presente sentem que isso lhes deva servir de consolação suficiente para adiarem o futuro. O FC Porto quer manter a dupla de sucesso Pinto da Costa/Sérgio Conceição. Há, entre os portistas, um género de orgulho e carinho familiar por estes homens de duas gerações, tipo pai e filho, o que faria de Pinto da Costa um avô de Francisco Conceição. Não têm dúvidas de que querem apenas uma evolução na continuidade, mas nem isso os impede de estarem atentos e de, ainda antes de festejarem o título nos Aliados e a Taça no «Municipal de Oeiras», discutirem o futuro e conjeturarem sobre o que o FC Porto poderá fazer, agora que não tem as amarras do fair play financeiro imposto pela UEFA e que, afinal, foi, em si mesmo, mais solução do que problema, com exceção para os eventuais comissionários das transferências de jogadores.
Quanto ao Sporting, um primeiro lugar e um segundo e duas entradas diretas na Champions em edições consecutivas deveria bastar para os sportinguistas pararem um pouco o relógio do tempo para se regalarem com a nova vida de grandes senhores do futebol português. Pois não senhor. Os sportinguistas estão embalados num espírito de novas conquistas e até já olham para a oportunidade de terem no japonês Morita um género de porteiro útil, que poderá abrir as resplandecentes portas do País do Sol Nascente à exportação da arte da sua equipa de futebol.
Luís Filipe Vieira, antigo presidente do Benfica
Costumam dizer os treinadores que o importante, em futebol, é sempre o próximo jogo. Para os adeptos, sobretudo depois das grandes definições do campeonato, o importante é sempre a próxima época e daí que a discutam e a joguem antes, durante e depois das férias de verão.
Como qualquer dirigente ou treinador, também os adeptos projetam a época seguinte. Estabelecem objetivos, fazem equipas, julgam decisões das administrações, ainda com a falsa ideia de que sendo sócios do clube, às vezes apenas adeptos, a sua opinião conta. Na verdade, mais do que a opinião, o que conta e muito para o futebol é a sua paixão, o seu entusiasmo, a sua capacidade de renovar esperança em cada ano.
Num mundo que vai robotizando cada vez mais as nossas almas e as nossas vidas, o futebol, apesar dos seus pecados, continua a ser um lugar de utopias.
DENTRO DA ÁREA – A VITÓRIA DE OS BELENENSES
O Clube de Futebol Os Belenenses ganhou no tribunal da relação o direito legal à total separação da B SAD. Tem sido um longo calvário, que o centenário clube de Belém tem sido obrigado a percorrer, obrigando-se, pacientemente, a um percurso longo para voltar a ascender ao futebol profissional. Está perto de o conseguir e por isso maior significado tem esta decisão judicial. Depois disto, não sei que atalho enviesado a Liga ainda poderá descobrir para continuar a chamar Belenenses a quem, formal e juridicamente, não o é.
FORA DA ÁREA – «ESTA GUERRA É UM ABSURDO»
António Guterres teve, durante a visita a Kiev, uma das melhores definições que ouvi sobre a guerra imposta pela Rússia: «Em pleno século XXI» - dizia o secretário-geral da ONU - «uma guerra como esta é um absurdo». Atendendo ao espaço condicionado das declarações possíveis, num quadro de complexa negociação, Guterres disse o essencial para se perceber que a maneira de Putin encarar o mundo e as suas relações de poder é um retrocesso civilizacional que só tem sentido à luz de uma ambição pessoal desmedida.