A invenção do inimigo invisível
No dia de Rui Costa estar em palco, Pinto da Costa tinha de falar. É a lógica da comunicação em tempos de guerra
J Á se sabia que a agenda mediática do dia de ontem seria preenchida pela comunicação de Rui Costa, na BTV. Uma comunicação que, aliás, se revelou um sucesso, pela genuinidade do presidente do Benfica, pela sua forma quase intimista e séria de comunicar para dentro do seu clube, valorizando os seus sócios e adeptos, mobilizando os seus jogadores, criando condições de saúde no balneário e, não menos importante, elogiando a ação do seu treinador em todo este processo complexo da venda de Enzo Fernández, ao Chelsea.
Perante a inevitabilidade de todos os holofotes estarem, ontem, apontados para o Benfica, o FC Porto tentou reagir. Os princípios da comunicação em tempos de guerra são, hoje, mais conhecidos por quem seguir atentamente a guerra na Ucrânia. Há que manter acesa uma linha permanente de comunicação, mesmo quando não há nada de novo para comunicar.
De facto, Pinto da Costa não tinha verdadeiramente nada para dizer a não ser repetir o óbvio, que está satisfeito com o seu plantel e por isso não entrou nem saiu ninguém nesta janela de inverno. É verdade que nenhum dos seus jogadores teve, de fora, uma oferta imperdível, como o Benfica com Enzo, o Sporting com Porro ou até o SC Braga com Vitinha. E também é verdade que Sérgio Conceição criou condições objetivas para evitar perturbações emocionais nos seus jogadores. Ninguém saía e ninguém entrava e isso era quanto bastava no acordo de cavalheiros entre o treinador e a administração do FC Porto.
Portanto, contrariar uma comunicação do presidente do Benfica com manifesto interesse nacional, sobre todo o processo de saída daquele que foi considerado o melhor jogador jovem do último Campeonato do Mundo, com uma intervenção sobre nada e coisa nenhuma, só mesmo a muito treinada arte retórica de Pinto da Costa se atreveria a ensaiar.
O resultado foi o que se viu. Percebendo que nada de interessante teria para dizer aos portistas e, muito menos, aos adeptos de futebol do país, Pinto da Costa recorreu a mais um ataque gratuito ao seu inimigo de estimação, o presidente do Sporting. Fê-lo porque sim, porque a Pinto da Costa dá sempre prazer atacar um inimigo, seja ele real, de carne e osso, seja virtual como muitas vezes sucede apenas para manter de pé o cenário decadente de que o FC Porto é atacado por toda a gente e por todos os lados, que é o alvo a abater desde Putin a Biden, mas que nada nem ninguém conseguirá vencer a determinação, a coragem guerreira de um portista.
Não se pode dizer que tudo isto seja um disparate completo, porque há um certo triunfo neste surrealismo belicista, em que o inimigo não chega a sair das sombras.
O FC Porto tem tido, ao longo de décadas, evidentes e comprovados sucessos à custa de uma vitimização que lhe justifica uma mobilização geral para o combate e lhe dá as bases essenciais de uma cultura impiedosa de guerra constante em nome de uma sobrevivência que, de facto, não está, não esteve, nem nunca haverá de estar ameaçada.
Mas funciona. É um método que está muito ligado à tradição do passado e à história da transformação da cultura portista, começada e pensada por José Maria Pedroto, um homem inteligente e visionário, e executada pelo seu fiel escudeiro, nessa altura o ainda jovem Jorge Nuno Pinto da Costa.
Julgo que o Pintismo se esgotará em Pinto da Costa, mas não penso que seja possível uma transição do tipo primavera portista, porque o FC Porto, todo ele, incluindo os seus adeptos, assumiu, para o bem e para o mal, uma cultura de nós contra todos, que dá garantias de unidade na ação.
O presidente do FC Porto, Pinto da Costa
DENTRO DA ÁREA
Fábio sem tempo para se emendar
Fábio Veríssimo conseguiu reunir a unanimidade das críticas negativas dos árbitros na última jornada da Liga. Duas expulsões injustificáveis, mais do que mexer no resultado do jogo, mexeu de forma decisiva na qualidade do espetáculo, com manifesto prejuízo para o público no estádio e os adeptos que viram o jogo pela televisão. Pensava-se que ficasse, agora, a descansar uns tempos, usando a terapia da meditação e comportamental, mas não vai ter oportunidade para isso. Já foi nomeado para o Estoril, por quem está ao seu nível.
FORA DA ÁREA
Somos um país encurralado
Hoje em dia, não há tempo para reter as notícias, processá-las e analisá-las. As notícias passam à nossa frente como legendas de rodapé num filme de suspense. Depois, os media pegam num tema que lhes pareça mais vendável e furam até à exaustão do cérebro de cada um de nós. O resto não deixa rasto. Agora é o tempo dos professores até ao enjoo. Enterram-se, assim, as vergonhas do palco papal, do aeroporto de Lisboa, dos colossais resultados dos Bancos, do criminoso abuso dos distribuidores. Somos um país encurralado.