A culpa é do árbitro?

A culpa é do árbitro?

OPINIÃO25.04.202306:30

A tendência de culpar os árbitros por tudo o que mau acontece é uma enorme desonestidade

Às vezes, sim. A culpa é mesmo do árbitro, sobretudo quando não cumpre a sua função com o compromisso e competência que se espera. Esta verdade é ainda maior em situações em que a tecnologia identifica erros óbvios que devem ser corrigidos em sala e não são. Em situações que têm de ser reavaliadas e não são. A indústria é demasiado valiosa para ficar nas mãos de profissionais que reiteradamente provam não estar à altura da sua dimensão. Tal como acontece com outros agentes desportivos, há árbitros que não estão. Infelizmente. 

Mas sejamos sinceros: a tendência de culpar os árbitros por tudo o que mau acontece no futebol português é, mais do que um lugar-comum, uma enorme desonestidade. E isso deve ser dito repetidamente, porque muito que se ache a opinião protecionista ou corporativista.

Os árbitros não são culpados pelas contratações sonantes que não vingam ou pela aposta em jovens que não explodem. Os árbitros não são culpados pelo incumprimento salarial em que alguns clubes incorrem nem pelas dívidas que ficam por liquidar ao Estado, fornecedores, parceiros e afins. Os árbitros não são culpados pela deterioração de relações que pontualmente surgem entre treinadores e jogadores. Os árbitros não são culpados pelo facto de haver dirigentes que tentam sistematicamente interferir nas opções desportivas que cabem às suas equipas técnicas. Os árbitros não são culpados pelas chicotadas psicológicas que acontecem tantas vezes durante a época desportiva. Os árbitros não são culpados pela pancadaria avulsa nas bancadas nem pelo comportamento arruaceiro de algumas das suas claques.

Os árbitros não são culpados pelo facto da nossa justiça desportiva ser demasiado lenta, burocrática e branda. Os árbitros não são culpados pela imensidão de processos que aguardam definição jurídica nos tribunais. Os árbitros não são culpados pelo facto de haver um clube que transmite os seus jogos na condição de visitado, algo raro (ou único) a nível mundial. Os árbitros não são culpados pelo facto de haver departamentos de comunicação que instigam sistematicamente ao ódio, através de suspeitas lançadas a toda a hora, por todas as vias. Os árbitros não são culpados de haver alegada viciação de resultados através de alegados pagamentos a jogadores de ligas profissionais. Os árbitros não são culpados de invasões a academias nem de manifestações de intolerância que ocorrem nas bancadas de alguns estádios.

Os árbitros não são culpados pelo facto de haver sociedades desportivas que atuam no futebol profissional, enquanto o seu clube fundador foi atirado para os confins dos distritais. Os árbitros não são culpados de haver SAD que começaram a jogar a sul e vão agora para jogar a norte, enquanto o clube que lhe deu origem desaparece do mapa futebolístico português. Os árbitros não são culpados pelos assobios de very lights, atropelo de adeptos ou pancadaria combinada junto à porta dos estádios. Os árbitros não são culpados pelos frangos dos guarda-redes, pelo teatro batoteiro de alguns dos seus jogadores ou pelo desaparecimento reiterado de apanha-bolas, quando o resultado interessa e dá jeito. Os árbitros não são culpados pelo facto de haver comentadores e jornalistas que não conseguem separar o seu trabalho do amor cego que têm pelo clube do coração. E os árbitros também não são culpados de tantas outras coisas que o tamanho deste artigo não permite enumerar e descrever, com muita pena minha.

Há muito para melhorar na qualidade técnica e competência dos nossos s árbitros e essa é uma verdade inabalável, um problema que requer alteração de paradigma em relação a todo o setor. Mas o futebol português, capaz de produzir talento aos potes e profissionais de topo, tem ainda muitos desafios para superar até poder afirmar, a plenos pulmões, que a culpa é só do árbitro. Não é.