A batota e a irresponsabilidade

OPINIÃO01.03.202205:30

É a antítese do espírito desportivo e a forma mais grosseira de alcançar resultados

Tal como acontece com os árbitros, não há jogadores perfeitos, até porque o contexto em que atuam é particularmente stressante. Há muita coisa em disputa num jogo muito físico e exigente. Todos dão o seu melhor para alcançarem a vitória, a permanência no onze, a renovação do contrato ou a possibilidade de saltarem para outras paragens. O cansaço, a ansiedade, o nervosismo, a imaturidade (ou o temperamento) tendem a afetar o raciocínio. Não é fácil atuar sob pressão e eu, que cometi tantos e tantos erros lá dentro, sei bem o que digo. Mas estas variáveis não podem nem devem anular a obrigação de todos respeitarem o jogo, os árbitros, os adversários e o público. De respeitarem a nobreza da função. Essa é uma imposição maior, porque os atletas são exemplos para muitos jovens que lhes querem seguir as pisadas.
É por isso que considero inaceitável que alguns deles tentem sistematicamente iludir os árbitros para atingirem os seus objetivos. A batota, quando deliberada ou estratégica, é a antítese do espírito desportivo e a forma mais grosseira de alcançar resultados. É a negação de tudo o que deve ser promovido no jogo. Ultimamente tenho reparado que há duas novas tendências: jogadores a caírem agarrados à cara, com rasgos de dor excruciante, em lances em que ou não houve contacto ou, se houve, foi ligeiro e noutra parte do corpo; e jogadores a projetarem o pé (ou a perna) não na direção da bola, mas para a frente da trajetória de corrida do adversário, de forma a promoverem contacto inevitável. Fazem-no para obterem benefício desportivo imediato (vê-se muitos avançados fazerem essa gracinha dentro ou nas imediações das áreas contrárias). Sejamos sinceros: quase todas as equipas (não todas) têm um ou dois jogadores peritos nessas malandrices. Estão bem identificados, porque são useiros e vezeiros na brincadeira. Os árbitros devem preparar bem os jogos e antecipar estes cenários, sem caírem na tentação de criarem estigmas (às vezes o lobo morde mesmo o Pedro). Mas se estiverem atentos e decidirem com coragem e firmeza conseguirão erradicar essas condutas. Também os treinadores têm importante papel dissuasor: os jogadores nunca farão batota se os seus técnicos os instruírem a não fazerem. Nesta matéria, o aproveitamento do VAR  tem sido evidente: quando há toque e queda, pode haver falta. Calma! Muita calma! Se os jogadores mudarem o chip, os árbitros penalizarem quem simula e nós, cá fora, expusermos a chico-espertice, a coisa melhora.

Não conheço o Sr. Dr. Pedro Monteiro Fernandes e nada me move contra a pessoa, o homem ou o cidadão. A constatação que se segue é meramente profissional: este senhor era, até ontem (entretanto demitiu-se) vice-presidente do Conselho de Justiça da AF Lisboa. Nos últimos dias recorreu às redes sociais (não foi a primeira nem a segunda vez) para ofender e humilhar terceiros, com base na sua visão clubista de um conjunto de situações de jogo. Ora manifestar opinião é legítimo. Ter clube e sofrer por ele também. Mas ocupar um cargo com a relevância que tinha e manter esse tipo de discurso é que não. O Sr. Dr. Pedro Monteiro Fernandes não é a primeira nem será a última pessoa de bem a permitir-se explodir assim. De facto, o que não faltam por aí são árbitros no ativo (sim, árbitros no ativo), membros de Conselhos de Arbitragem e dirigentes associativos a terem posturas públicas iguais, sem que nada lhes aconteça. É um atentado constante à ética do seu trabalho e à imagem das instituições que representam. Será assim até ao dia em que deixar de ser. E um dia deixará.