A avestruz

OPINIÃO30.08.201904:00

SABEM os treinadores de futebol como vivem sob a onda das montanhas russas, hoje em cima, amanhã em baixo, hoje bestial, amanhã besta, como ainda recentemente ouvi Sérgio Conceição recordar ainda antes de levar o FC Porto a mostrar no Estádio da Luz como é uma equipa talhada para combater e para competir, e ainda mais quando o cenário parece mais adverso e o momento verdadeiramente mais difícil, como foi, agora, o caso da viagem dos portistas a casa dos campeões nacionais.
Sabe também Bruno Lage que tem de conviver com isso porque o futebol é sobretudo o momento, como ele, e todos os profissionais do mundo da bola, bem o sabem. Sabe Bruno Lage e sabem todos os treinadores do mundo que não vale a pena jogarem com o que fizeram; o que interessa é o que fazem e o que se espera que venham a fazer.
Sabe Lage e sabe Sérgio Conceição, que passou, entretanto, de besta a bestial por ter levado a equipa a vencer na Luz sem que alguém o possa contestar.
Evidentemente que nem Lage nem Sérgio Conceição, nem qualquer outro treinador reconhecido, perdem as suas qualidades, competências e méritos por perderem um jogo ou, no caso de Conceição, pelo insucesso numa competição como desta vez sucedeu na qualificação para a Liga dos Campeões.
Por mais que custe aos adeptos, as derrotas não podem fazer esquecer, no caso de Sérgio Conceição, o que ele já fez e conquistou com o FC Porto, e, no caso de Lage, o empolgante caminho que o levou, a ele e ao Benfica, ao último título de campeão português.
Mas nem Bruno Lage nem Sérgio Conceição podem querer também que aquilo que já fizeram nos impeçam, a nós ou aos adeptos, de os analisar e criticar pelo que fazem ou pelo que vierem a fazer. Porque o futebol é isso mesmo!
Vem isto a propósito, pois, do clássico ganho pelo FC Porto na Luz, e ganho sem que o resultado possa ser minimamente questionado, sobretudo porque o FC Porto pareceu sempre, desde o início do jogo, estrategicamente muito mais bem preparado do que o Benfica para o disputar e ganhar, e porque o Benfica quase nunca foi capaz de perceber que não poderia jogar o jogo do FC Porto, que gosta do confronto, do duelo, da bola no ar, e, não percebendo isso, quase não foi capaz  - com exceção de um ou outro momento já na segunda parte - de impor o seu jogo, como bem lembrou Bruno Lage, um jogo de bola mais no chão, de mais dinâmica entre linhas, de mais triangulações, e de conseguir trocar a ansiedade pela inteligência emocional, que foi coisa que praticamente a águia nunca conseguiu.
A vitória do FC Porto é, pois, indiscutível. O FC Porto foi superior em todos os momentos do jogo. Só não foi avassalador, nem isso se esperaria de uma equipa que ainda está muito em formação, cheia de jogadores novos - Uribe,  Zé Luís, o jovem e surpreendente Baró, ou Luis Díaz, o que mais me impressionou - e, portanto, à procura da melhor afinação e de superar a inesperada e catastrófica eliminação da Champions, muito mais do que o desaire em Barcelos no arranque do campeonato.
Apesar de ter conseguido construir duas ou três ocasiões mais de golo - como foi possível Marega ter desperdiçado aquele golo feito na cara de Odysseas?... -, o FC Porto não foi, ainda assim, categórico no ataque, foi até muito feliz na forma como chegou ao primeiro golo, mas foi um FC Porto tremendo na atitude, na organização e na combatividade.
Estava na cara que seria, nesse sentido, um FC Porto poderoso, e até estava na cara, porque faz parte da cultura da equipa, que seria um FC Porto agressivo e desafiador do controlo emocional do Benfica, ganhando também aí por KO, e até desafiador da própria categoria do árbitro, como aconteceu em meia dúzia de lances - simulação clara de Pepe num lance com Seferovic, e Marega a provocar amarelo a Taarabt apesar de o marroquino do Benfica não ter cometido qualquer falta, para citar apenas exemplos mais flagrantes, sendo este último um lance revelador de que como sempre faltou ao árbitro Jorge Sousa, como também se viu no último FC Porto-Benfica no Dragão, aquele toque de categoria que o poderia ter levado a mais destacada carreira internacional.

AINDA do lado da águia, se Bruno Lage considerar que a derrota frente ao grande rival ficou a dever-se apenas a um mau dia, ou a um dia menos bom (como os treinadores gostam de lhes chamar…), então pode o Benfica vir a ter um verdadeiro problema pela frente. Se, pelo contrário, reconhecer que esta equipa do Benfica terá, previsivelmente, sempre mais problemas quando enfrenta adversários experientes, com muita intensidade de jogo e forte qualidade tática, então pode estar no caminho certo para arranjar soluções. Ou seja, não fazer como a avestruz, como sugere a lenda, que enfia a cabeça na areia quando lhe cheira a esturro...  
Vem aí para o Benfica novo embate teoricamente dificílimo, em Braga, e vem aí, sobretudo, a Liga dos Campeões, onde o Benfica fez, nos últimos dois anos, figura mais ou menos triste, como os adeptos não esquecem. É nos grandes palcos que as equipas têm de se afirmar como grandes equipas. E esperam os adeptos encarnados que, para este Benfica de Bruno Lage, tenha ficado como lição o que sucedeu em Frankfurt, ainda não há muito tempo.

A propósito ainda, do SC Braga-Benfica que aí vem, não será de perguntar como é possível que o SC Braga seja obrigado a jogar este domingo depois de ontem, quinta-feira, ter jogado em... Moscovo?! E como é possível que isso aconteça seja com o SC Braga, seja com o Benfica, seja com quem for? E, já agora, não será de perguntar de quem é a responsabilidade? Não será dos próprios clubes? É, claro que é.
Queixem-se ao D. Pedro!

VALE a pena voltar à fantástica entrevista concedida por Cristiano Ronaldo, na última semana, à TVI, para referir que foi talvez a melhor entrevista (e também, seguramente, a mais longa) que alguma vez vi um futebolista português dar. Ele abriu, realmente, o coração e falou de tudo sem complexos, de forma muito aberta, franca e com muita emoção.
Para os que eventualmente ainda tinham algumas dúvidas sobre caráter, integridade, honestidade profissional, maturidade, paixão, dedicação ou espírito de família do maior e mais importante futebolista português de sempre e atualmente (na minha opinião) ainda o número 1 mundial, creio que esta entrevista de Cristiano Ronaldo é definitivamente a resposta a qualquer dessas eventuais dúvidas.
Ronaldo é a maior figura da história do desporto português, é também o português mais conhecido no mundo e é, last but not least, grande exemplo para os mais jovens, persigam eles o sonho do futebol ou outro sonho qualquer.
Eu, que lhe admiro a força, a determinação, o espírito combativo e a ambição de ser o melhor, sobretudo, desde que Cristiano Ronaldo chegou, em 2003, a Manchester - recordo-me de ter dito, ainda antes do Euro-2004, ao seu empresário e amigo Jorge Mendes que, um dia, Cristiano ainda conseguiria ser o melhor do mundo… - passei, entretanto, a admirá-lo também como alguém que faz da família e da amizade o que de mais importante a vida tem.
O futebol português (e também, evidentemente, o País) deve-lhe muito, pelo que CR7 é como desportista e, em particular, como jogador de futebol, mas também pelo que passou a representar no mundo.
Não foi, ontem o distinguido pela UEFA como «melhor do ano», mas voltou a ser, para nós portugueses, um privilégio vê-lo de novo entre os três finalistas, onde, como o próprio Cristiano recordou, ele anda, lado a lado com Messi, sucessivamente há mais de dez anos, numa caminhada que tem tanto de impressionante como de ímpar na história do futebol.
Cristiano merece, pois, que lhe prestem definitivamente todos os tributos. E merece-o mais do que ninguém!

PS: Sá Pinto só surpreende quem não o conhece. Aquele feitio difícil esconde um homem que sabe de futebol. Muitíssimo de futebol sabe, incomparavelmente, Jorge Jesus, que já faz deste Flamengo o melhor Flamengo do século XXI na Copa dos Libertadores. Em maio, Jesus disse em Madrid, na final da Champions, que talvez viesse a encontrar o campeão, no caso o Liverppool, no Mundial de Clubes. Vai-se confirmando a fé de Jesus, essa é que é essa!