A americanização do futebol

A americanização do futebol

OPINIÃO09.05.202306:30

Futebol português não pode aceitar atos recorrentes de má educação, de falta de respeito e de arruaça

ESTE fim de semana viveram-se minutos finais inacreditáveis no River Plate-Boca Juniors (jogo da 15.ª jornada do campeonato argentino), descritos pela maioria dos analistas como uma autêntica «batalha campal».

Só o peso da expressão devia fazer-nos pensar e repensar, de forma séria, tudo o que acontece num jogo de futebol. Reparem: batalha campal! É caso para dizer... caramba! Será que é suposto isto acontecer no desporto mais apaixonante do planeta? Onde é que esta gente tem a cabeça?!?

Que normalização da violência é esta que acontece recorrentemente na modalidade que mais mexe com os bolsos, cabeças e emoções de milhões? E quem é que pensam que são estes terroristas de ocasião, para abdicarem das funções para os quais são principescamente pagos, arrogando-se ao direito de impor a quem paga bilhete cenas de pugilato barato? De pancadaria amadora, com palavrões e empurrões a eito? Quem lhes deu autorização para isso? Quem lhes disse que o podiam fazer?

Essa forma bélica de estar é comum nos campeonatos sul-americanos, mas na verdade não mora apenas ali. Na Europa, onde vive o melhor e mais caro futebol do mundo, não faltam exemplos de momentos excessivos, infelizmente testemunhados por adolescentes e crianças, que absorvem tudo aquilo como certo. Que acham que ser assim, mauzão, refilão e malcriado, é a forma certa de participar no jogo. Não é.

Grécia e Turquia tendem a liderar historicamente a lista de momentos negros, mas sejamos sinceros: por cá há uma tendência preocupante para rivalizar com alguns deles. 

Nas últimas quatro, cinco épocas, o número de situações lamentáveis aumentou, o que não é compatível com o que se espera numa liga profissional composta por pessoas civilizadas, por gente de bem.

A responsabilidade nunca é apenas de um e, como é óbvio, o clima exterior que se permite é o grande impulsionador de cenários lá dentro agressivos, mas em última instância a culpa é sempre de quem insulta, ofende e ameaça. A culpa é sempre daqueles que são incapazes de se controlar e aceitar as vicissitudes do jogo.

O futebol português não é o futebol sul-americano, grego ou turco. Tem outro nível, tem gente com mais capacidade. Não pode permitir nem aceitar atos recorrentes de má educação, de falta de respeito e de arruaça. Se permite, está a ser cúmplice e conivente. Está a convidar à reincidência e esse é um caminho perigoso que urge travar.

Por outro lado, quem não tem capacidade para adotar comportamento adequado, quem não sabe aceitar derrota e vitória sem criar conflitos, quem não sabe lidar com adversários, árbitros, adeptos e imprensa, está a mais no jogo. Está a mais no desporto. 

Eu posso ser o melhor jogador de sueca do mundo, mas se de vez em quando parto uma ou duas mesas, insulto juízes ou vocifero na cara de jornalistas e adversários, se calhar devo repensar a minha vida e dedicar-me à pecuária. 

Estar no futebol pressupõe aceitar os valores maiores do desporto. Isso é mais verdade quando a montra onde nos encontramos (por mérito próprio) é um exemplo e referência para tantos. É preciso abraçar essa responsabilidade, sem recorrentemente dizer que momentos inadmissíveis são «formas de estar» que fazem parte «das emoções ou do calor do momento». Não são e não fazem. 

Cabeça quente é uma coisa, guerrilha constante e atitude de taberna é outra.

Exige-se mais cabeça, menos coração e muito menos desculpas. Se não por outros motivos, pelo menos por respeito a quem escolhe ver futebol e não boxe ou wrestling.