A águia e o corvo

A águia e o corvo

OPINIÃO18.04.202306:30

Quando de repente todos acham possível vencer-nos, é tempo de mostrar mais uma vezaquilo que definiu esta equipa. Não há impossíveis

OS últimos dias do Benfica fizeram-me lembrar aquela cena mítica do filme O Aeroplano, para mim uma das melhores comédias do século passado. Não interessa agora porquê, mas a cena é a seguinte: às tantas uma passageira entra em pânico devido à turbulência do voo a 30 mil pés. Grita que tem de sair dali. Uma das hospedeiras aproxima-se da passageira pronta para ajudar. Nisto dá-lhe um safanão e um estalo, tentando acordar a pobre passageira daquele transe de ansiedade. Logo a seguir, o incrível Leslie Nielsen, protagonista do filme, pede licença à hospedeira e, pleno de confiança, toma o seu lugar para fazer exatamente a mesma coisa, repetindo o safanão e o estalo. Logo depois vemos outro passageiro que - já perceberam a piada - repete a dose. A cena prolonga-se até o plano abrir e vermos que passageiros de toda a espécie fazem fila para repetir o safanão e o estalo. 
 

Oefeito cómico é duplo, assim como a ligação ao momento atual do Benfica. Por um lado, creio que não há quem não queira dar um safanão - metafórico, vá - a estes jogadores ou ao treinador. Ninguém sabe exatamente o que lhes aconteceu, apesar das múltiplas teorias sobre o tema, mas todos os vimos ao longo desta época e sabemos que não são aquilo que se viu nos últimos 3 jogos. Por outro lado, tal como na cena do filme, cada um dos benfiquistas na fila para dar o tal safanão parece genuinamente convencido de que tem a resposta de que a equipa precisa para sair da situação inesperada em que se encontra neste momento: talvez outro onze, eventualmente outro treinador, porventura o mesmo treinador mas com ideias novas, seguramente um comunicado qualquer, sem dúvida outros árbitros, alguma espécie de repreensão, e pelo menos um vídeo do Guilherme Cabral. 
 

Benfica sofreu em Chaves a terceira derrota seguida e joga amanhã com o Inter, em Milão, a segunda mão dos quartos de final da Liga dos Campeões

EM suma, estamos todos um pouco desalentados e muito nervosos, ou vice-versa, ou muito de ambas. Não tem sido fácil descer à terra. Ando há algum tempo com aquela ânsia de dizer: ‘Está na hora, senhor árbitro, acabe com isto!’ Mas, em vez de cinco minutos para o final, faltam cinco longas semanas ou mais. Não está fácil, de facto, e este jogo parece muito longe de terminar. 

Aboa notícia, e por boa notícia leia-se a minha crença inapelável e de racionalidade discutível, é que, contrariamente ao que temos visto nos últimos jogos, esta equipa ainda reúne todas as condições para devolver o clube aos títulos e dar-nos uma grande alegria, que é a mínima exigível esta época. A má notícia é que vai ser preciso sofrer muito para lá chegar, adeptos incluídos. Ao contrário do conhecido slogan da Adidas - Impossible is Nothing - as derrotas das equipas grandes e temidas têm o condão de as tornar bastante mais humanas. Tudo parece possível a partir daí. E, se admitirmos que a cada derrota nossa os adversários seguintes ganham um ligeiro ascendente, então talvez isso faça de nós um pouco menos favoritos, um pouco menos vencedores nas previsões das casas de apostas. Quando aí chegamos, sabemos que a realidade nos devolveu ao lugar de humildade e capacidade de trabalho com que iniciámos esta época. Nada está ganho nesta, mas aquilo o que há por ganhar neste momento é muito. Neste momento é tudo. 

E SQUEÇAM as arbitragens, as birras do Grimaldo, ou as substituições estranhas do Roger Schmidt. Não consigo explicar isto de outra forma. Se há dúvidas que nos podem dividir ou fazer a nossa fé balançar, deve haver uma certeza que une os benfiquistas: toda a gente, absolutamente toda a gente, está de pipocas na mão, sentada na sua cadeira reclinada, a olhar para o justíssimo primeiro classificado deste campeonato, a rezar para que o Maior de Portugal falhe. Mais do que as críticas ou as dúvidas, espero que aqueles que têm essa responsabilidade de filtrar o que chega do mundo cá fora possam transmitir aos jogadores isto: há muita gente que pensa que vocês não são capazes, incluindo até, pasme-se, alguns benfiquistas. Façam os rivais engolir as palavras e reconquistem os benfiquistas traumatizados com estes últimos anos. Recuperem a crença já em Milão, de preferência com uma noite histórica. Já todos vimos do que vocês são capazes. Mostrem-nos novamente. Saboreiem a vontade que os outros têm de vos ver falhar.

NÃO há safanão e estalo como a crença inabalável nestes jogadores, do princípio ao fim. Os balanços terão mesmo de ficar para mais tarde. Pode parecer que critiquei os benfiquistas no parágrafo anterior, mas a verdade é que a absoluta esmagadora maioria dos adeptos estão com estes jogadores e com esta equipa técnica. Descemos todos à terra, sim, mas ainda vamos a tempo de ascender novamente. É a história da águia e do corvo. Um corvo apanha uma águia a voar a baixa altitude. Encosta-se e aproveita a boleia do seu voo. É nesse momento que morde a águia, quem sabe na esperança de a estorvar ou de prejudicar o seu voo, mas a águia segue imperturbável. Sabe que o corvo não sobreviverá à sua ascensão. A águia faz por isso o que tem a fazer: voar sem desviar o olhar do seu destino, em frente e cada vez mais alto, rumo à vitória. Quando de repente todos acham possível vencer-nos, é tempo de mostrar mais uma vez aquilo que definiu esta equipa. Não há impossíveis.