Opinião A opinião de José Manuel Delgado sobre a pré-época do Benfica
PRIMEIRA RADIOGRAFIA À VERSÃO 23/24 DO BENFICA DE SCHMIDT
Aursnes deve ser titular mas não a 'seis'; futebol da pré-época teve muito adorno e pouca objetividade; intensidade voltará
Terminada a fase de testes, o Benfica prepara agora a competição a sério, que se iniciará com a disputa da Supertaça Cândido de Oliveira, a 9 de agosto, em Aveiro.
Apesar de os encarnados ainda estarem no mercado à procura de um guarda-redes que seja concorrência séria a Vlachodimos, de um lateral-direito que seja mais do que uma adaptação (apesar das boas indicações, na posição, de João Vítor), e de um ponta de lança com perfil de titular, de forma a precaver uma eventual saída de Gonçalo Ramos no troço final da janela de transferências, para que não se repita o vazio deixado por Enzo Férnandez no final de janeiro passado, as contratações entretanto realizadas revelaram, se estiverem em condições normais, dois titulares certos, Di María e Kokçu, e um outro, Jurásek, que faz prever uma luta interessante com Ristic, embora nenhum deles tenha a profundidade atacante de Alex Grimaldo.
A FASE DE PREPARAÇÃO
É bom que se deixe claro, desde já, que não há campeões na fase de preparação, embora os triunfos sirvam para aumentar os índices de confiança dos jogadores e o entusiasmo dos adeptos. As cargas físicas, nesta fase preliminar da época, não são dadas a pensar nos jogos particulares, e haverá sempre acertos a fazer, mesmo quando o plantel não sofre grandes mexidas e o treinador se mantém. No caso concreto do Benfica, viu-se no jogo com o Feyenoord, finalista da Liga Conferência em 2021/22 e campeão dos Países Baixos em 2022/23, uma óbvia falta de frescura em vários jogadores, traduzida não só numa menor intensidade (na gíria diz-se que as pernas estão pesadas...), mas também em dificuldades na receção e no passe o que, tratando-se de futebolistas tecnicamente evoluídos é sempre sinal de cansaço. Mas também foi possível identificar alguns problemas que devem fazer meditar Roger Schmidt, porque têm aparência de ir para lá da condição física.
OS PROBLEMAS ÓBVIOS
Para manter o equilíbrio de 4x2x3x1 de grande plasticidade que é imagem de marca de Roger Schmidt, o Benfica, especialmente quando defronta equipas evoluídas, sagazes e rápidas nas transições, precisa de ter no duplo pivot um jogador mais posicional, sem que se trate, daquilo que era o cabeça de área tradicional, que só jogava para trás e para os lados.
O funcionamento, há um ano, da dupla Florentino/Enzo traduz na perfeição o que deve ser pedido, porque Enzo, apesar de empunhar a batuta em 80 por cento das ocasiões não deixava de defender, e Florentino, normalmente mais recuado, dava boa conta do recado, quer a garantir o equilíbrio da equipa, quer também a desenvolver jogo nos outros 20 metros dos lances.
À partida, pela entrega, disciplina tática e capacidade técnica, seria crível que Fredrik Aursnes pudesse fazer a posição seis, deixando o papel de maestro ao seu antigo companheiro no Feyenoord, Kokçu. Porém, o que se viu, quer na primeira parte com o Burnley, quer no domingo na banheira de Roterdão, foi um desposicionamento constante de Aursnes, que não foi capaz de manter a equipa equilibrada, prejudicial ainda para o desempenho de Kokçu. Ou seja, aquilo que, em tese, parecia uma dupla made in heaven, acabou por não ter nota positiva nos primeiros testes. Perante esta evidência, e a pensar desde já no jogo com o FC Porto, Roger Schmidt terá duas opções para fazer companhia a Kokçu: Florentino, a mais óbvia, ou João Neves que, apesar da sua baixa estatura, é muitíssimo fiável do ponto de vista da disciplina tática e é ainda capaz de imprimir a rotatividade que está na base do aumento de ritmo e intensidade de qualquer equipa.
Mas as dores de cabeça de Roger Schmidt não se limitam ao fraco desempenho de Fredrik Aursnes a seis. Ao Benfica, que perdeu, sem Grimaldo, profundidade à esquerda, tem faltado objetividade, como se a equipa tivesse feito profissão de fé em entrar com a bola pela baliza, perdendo-se em passes e passinhos redundantes, facilmente neutralizáveis por sistemas defensivos mais povoados.
AS SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Não havendo, nesta altura, alternativa a Odysseas Vlachodimos, sem culpas nos golos do Feyenoord, a baliza continuará a pertencer-lhe. Na direita Bah é indiscutível, assim como, no centro, António Silva. Otamendi, que apareceu em Roterdão em bom plano, tem dias suficientes para chegar a top à Supertaça, relegando Morato, que deu sempre excelentes indicações, para o banco. Na esquerda, Jurásek deverá ser o preferido, essencialmente porque defende melhor que Ristic e o FC Porto, que junta naquela zona do terreno, pelo menos, Pepê e Otávio, merecerá, por isso atenção redobrada. E é também por isso que será normal que seja Fredrik Aursnes a ocupar a meia-esquerda, pela maior intensidade que consegue colocar no jogo, relativamente a João Mário. Naquele flanco, onde se defrontam a esquerda do Benfica e a direita do FC Porto, pode ser escrita a história do jogo de Aveiro.
Nas restantes posições, nas costas de Gonçalo Ramos, Ángel Di María e Rafa Silva (um e outro nitidamente fatigados contra o Feyenoord) estarão seguros, enquanto que Florentino Luís poderá estar um passo à frente de João Neves para ocupar o lugar de parceiro de Orkun Kokçu no duplo pivot.
E AINDA A DINÂMICA...
O jogo do Benfica é baseado em recuperações rápidas da bola, seguidas de ataques diretos às redes adversárias. Em Roterdão, viu-se, muitas vezes, os encarnados a tomarem o seu próprio remédio, revelando dificuldades na saída de bola perante a pressão alta do Feyenoord. Aliás, foi assim, nunca deixando o Benfica confortável na fase de construção, que o FC Porto construiu a vitória na Luz que relançou, na época passada, a luta pelo título. É por isso que os encarnados, se pressionados com competência, deverão adotar um plano B de processos mais simplificados, esticando o jogo na frente e fazendo a equipa subir em bloco, de imediato.
Di María, a peça nova na engrenagem de Schmidt, sabe bem o que é pressionar alto e nunca foi de se esconder e fugir ao trabalho. Caberá a Roger Schmidt, que tem à disposição David Neres, eventualmente João Mário e Andreas Schjelderup, perceber qual o momento em que o argentino deverá ser preservado. Se em 2022/23 Roger Schmidt não tinha grandes alternativas, esta época não está em estado de carência e deverá saber manejá-las.
Na frente, além do trabalho defensivo a que serão chamados, Gonçalo Ramos e Rafa deverão melhorar não só na finalização, mas principalmente na precisão das assistências, e sobretudo, juntamente com Di María, precisam de contribuir para uma simplificação de processos, que retire o estilo barroco, visto em adornos desnecessários, ao longo dos jogos da pré-época.
O Benfica não pode perder a matriz ganhadora da época passada, que se traduzia em ser eficiente a não deixar jogar, e ser prático, direto e incisivo a atacar.