O Martelo de Nietzsche (artigo de Gustavo Pires, 113)

Espaço Universidade O Martelo de Nietzsche (artigo de Gustavo Pires, 113)

ESPAÇO UNIVERSIDADE08.05.202014:26

1- Parafraseando La Mettrie no Homem Máquina não é suficiente estudar a natureza das coisas na procura do conhecimento, deve-se ousar dizê-lo em honra do pequeno número daqueles que querem e são capazes de pensar. Quanto aos outros, que são voluntariamente escravos de preconceitos próprios da ignorância, é-lhes tão impossível procurar o conhecimento quanto é aos sapos voar

2- No passado dia 28 de Março faleceu Miranda Calha (1947-2020) que foi, certamente, o último Secretário de Estado do Desporto a promover políticas públicas a partir da base do Sistema Desportivo num país olimpicamente inculto. Até as lágrimas me veem aos olhos quando vejo quem hoje tutela o desporto.

3- O Comité Olímpico Internacional e o Governo Japonês (o Japão é o país com a mais elevada dívida do mundo: 240% do PIB anual) encontram-se nos cornos de um dilema. Se realizarem os Jogos Olímpicos em 2021 os prejuízos serão astronómicos, mas se não os realizarem os prejuízos serão igualmente astronómicos. O grande problema dos Jogos da XXXII Olimpíada a realizar em 2021 não é sanitário é económico e financeiro determinado pelo contencioso que já deve estar a ser desencadeado a nível mundial por todos aqueles que se sentem prejudicados pelo adiamento dos Jogos.

4- Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional procurou, tanto quanto possível, ilibar o COI do adiamento dos Jogos Olímpicos deixando tal decisão para o governo japonês. E, como refere a comunicação social, o COI e o Governo Japonês já estão de calores, não de amor mas de conflito desde logo, porque, à partida, o prejuízo do adiamento está calculado em 2,5 mil milhões de dólares não sendo de espantar que possa duplicar ou, até, triplicar independentemente dos Jogos se realizarem ou não.

5- Talvez seja bom os portugueses começarem a pensar que, à semelhança de Benito Mussolini com o seu “vençam ou morram”, sempre que os dirigentes políticos e desportivos resolvem determinar que o desporto é um desígnio nacional, regra geral, o que acontece é os países ficarem sem desígnio e os contribuintes sem dinheiro.

6- Infelizmente, liderar, hoje, muitas vezes, significa aderir festivamente ao hedonismo reinante sob pena de, se não se aderir, acabar-se só com a própria consciência. Só assim se percebe que existam pândegos que pretendem candidatar-se à organização dos Jogos Olímpicos da Península Ibérica.  É o Theatrum Mundi do “dress code” das olímpicas festas e festarolas que acabam sempre no bolso do contribuinte, enquanto o contribuinte tiver bolso. Acontece é que o Mundo, como refere Nietzsche, é o jogo dos deuses e as regras do jogo determinam que o resultado será sempre maior do que a simples soma das partes. Quer dizer, cheio de surpresas.

7- O presidente do Sporting CP, Frederico Varandas alertou para o cenário "gravíssimo" devido à quebra de receitas por motivo do Covid-19. E disse: "Se não defendermos a indústria do futebol numa altura destas, não vamos cá estar muito tempo”. E propôs uma aliança entre os grandes para salvar o futebol português (2020-05-06). Não quero crer que a defesa da indústria do futebol possa ser conseguida por uma aliança entre três dos dezoito clubes que fazem parte da 1ª Liga. Para já não falar nos clubes da 2ª Liga. Defender a indústria do futebol é, antes de tudo, ser capaz de envolver todos os interessados num projeto realmente partilhado. Num projeto partilhado com o País o que implica capacidade para se pensar a doze, dezasseis, vinte anos. Quer dizer, em benefício até daqueles que ainda não estão entre nós. Não acredito que os atuais dirigentes estejam minimamente interessados numa perspetiva de médio e longo prazos. E quem tutela o desporto ainda menos.

8- A candidatura da deputada Cláudia Santos à presidência do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol parece estar a causar alguma celeuma entre os apaniguados da “bola política”. Esqueceram-se foi de Gilberto Madaíl e Hermínio Loureiro!!! E de outros deputados que durante o dia estão na Assembleia da República e à noite vão para as futeboladas nas televisões. Ou há moralidade ou… como diz o outro… Por isso, não se percebe o rasgar de vestes das novas virgens do futebol.

9- Toda a gente fala na necessidade de mudar o futebol. Todavia, a primeira pergunta que a inteligência do futebol tem de ser capaz de responder é a seguinte: Como é que um sistema darwinista a funcionar numa lógica de soma nula pode, de um momento para o outro, passar de uma cultura de liderança de tipo fratricida em que todos se odeiam cordialmente uns aos outros, para um modelo de gestão cooperativa em que os interesses passam a ser comuns? Enquanto não forem capazes de responder a esta questão e agir em conformidade só vão continuar a gerar entropia.

10- O problema é que todos falam na necessidade de mudar, mas, no fundo, ninguém quer mudar coisíssima nenhuma. Só se forem obrigados e, mesmo assim, podem os portugueses esperar sentados porque, a mudarem qualquer coisa, será certamente para melhorar aquilo que sempre fizeram no passado.

Gustavo Pires é professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana