Le Mans: O meu pé esquerdo… partido

Automobilismo Le Mans: O meu pé esquerdo… partido

AUTOMOBILISMO14.06.202323:50

As 24 Horas de Le Mans são uma das corridas mais exigentes para automóveis e pilotos. Se eventualmente a afirmação pecar por excessiva, dizer menos arrisca-se falhar por defeito. Na edição centenária da competição francesa, no último fim de semana, escreveu-se mais uma das incontáveis histórias que fazem a fama de resistência e glória, humana e mecânica, da lendária corrida no circuito de La Sarthe.

A equipa polaca Inter Europol Competition venceu a classe LMP2 com um dos três pilotos gravemente lesionado, com fratura no pé esquerdo – utilizado para travar na condução de carros de competição com caixa automática, que dispensam o acionamento de pedal de embraiagem -, e ainda sem comunicações via rádio entre o carro e as boxes durante a fase final da prova.

O piloto-herói em sacrifício por longos minutos doridos em cada turno ao volante do Oreca 07 Gibson n.º 34 foi o suíço Fabio Scherer, aos 24 anos na sua terceira participação em Le Mans. «É inacreditável, foi tão difícil lutar até o último segundo contra as dores, o mau jeito e a fadiga», afirmou pouco tempo após a cerimónia do pódio, ao lado dos dois companheiros de equipa, o polaco Jakub Smiechowski e o espanhol Albert Costa, perante a multidão de milhares de espectadores que enchia a reta da meta.

«Para uma equipa privada da Polónia, a primeira deste país a vencer no Mundial de Resistência e em Le Mans, é incrível!», exortou Scherer, que conheceu o sucesso na corrida francesa no seu segundo ano na Inter Europol Competition, após a 14.ª posição na edição de 2022.

«Nunca tinha travado com o pé direito, pensava que impossível adaptar-me tão rapidamente», explicou Scherer, que se lesionou ao ser atropelado pelo Corvette que venceu a classe GTE Am na pit lane [via das boxes], durante a noite da corrida. «Entrar no carro foi um suplício, que dores! Após 15 minutos de condução, pensei: ‘a minha corrida acabou, não suporto a dor’», revelou Scherer, que foi resiliente pela conquista que poderia ser única na carreira. O helvético diz que teve de pressionar o pedal do travão exercendo sobre este «o peso da perna, em vez de o fazer apenas com o movimento do pé» como habitualmente. «Aguentei todo o turno, e depois deixar o carro a outro companheiro - sair do cockpit foi outra aventura - fiz muito gelo e recebi os cuidados do fisioterapeuta da equipa. A adrenalina da corrida também terá ajudado, atenuou-me o sofrimento. «Mas vencer Le Mans compensa tudo!», declara.

Como se não bastasse ter um piloto condicionado no seu trabalho, a equipa deixou de conseguir comunicar, via rádio, com quem estava aos comandos do carro na pista, obrigando o staff a improvisar, recorrendo-se de painéis em que eram escritos sinais e mensagens breves  com fita adesiva colorida, mostrados ao piloto desde o muro das boxes a cada volta que o Oreca 07 Gibson passava a toda a velocidade na reta da meta. Vitória épica.