ENTREVISTA A BOLA Tatiana Rizzo: «Ir ao fundo do mar deu-nos mais motivação para vencer a Taça de Portugal»
Líbera está a fazer a primeira temporada ao serviço do Benfica e foi umas das peças fundamentais na conquista histórica das águias; Jogadora argentina diz que se sente «em casa»
O Benfica conquistou no passado domingo a 3.ª Taça de Portugal da sua história, quebrando assim um 'jejum' de 50 anos sem vencer a prova. A ocasião revelou-se um momento muito importante para o clube lisboeta, mas o mesmo pode ser dito a nível individual.
Uma das figuras da formação encarnada, a líbero Tatiana Rizzo, mudou-se este ano para a equipa - estando a completar apenas a segunda época fora do continente sul-americano, depois de passagem de um ano pelo clube francês Levallois - e conquistou o primeiro título em território europeu na prova rainha.
Apesar de oito títulos do campeonato argentino, acrescentando-se o facto de ser atleta olímpica pelo mesmo país, em Rio de Janeiro-2016 e Tóquio-2020 (únicas edições em que as panteras se qualificaram), Tatiana Rizzo quis uma mudança de ares e contou A BOLA a importância deste troféu, assim como os motivos que a levaram a fixar-se no país luso.
O que significa participar neste feito do Benfica, que após 50 anos voltou a vencer a Taça de Portugal?
Foi uma taça muito importante. Depois de ficarmos fora [dos Play-Offs] do campeonato, o nosso foco virou-se para a Taça [de Portugal]. Tivemos dois jogos importantes, Vitória [de Guimarães], Porto e Colégio Efanor, mas trabalhámos muito para conseguir ganhar e merecíamos porque tivemos algumas jogadoras lesionadas desde janeiro. Trabalhámos muito durante toda a temporada e merecíamos ganhar. Falaram-me da equipa que venceu o troféu há 50 anos, que conquistou muito e é um prazer haver comparações com essa equipa. Para mim também foi uma grande felicidade, porque foi a primeira vez que consegui ganhar um troféu fora da Argentina e ainda por cima os meus pais estavam na bancada a ver. Foi um dia muito especial para mim também.
O que lhe disseram os seus pais?
Estavam muito felizes, não conheciam o clube que é o Benfica e nunca tinham viajado para Portugal. Ficaram espantados.
Falou do encontro contra o FC Porto e foi a primeira derrota que tiveram nesta época. O que fizeram especificamente para ganharem?
Foi um jogo difícil, mas sabíamos que íamos vencer. Trabalhamos muito taticamente durante essa semana, para conseguirmos esse triunfo. Estivemos muito bem nesse aspeto, especialmente porque foi a primeira vez que a Avery [Heppell], a nossa central, jogou como oposta e o Porto não esperou essa alteração.
Também referiu que não conseguiram a qualificação para os Play-Offs do campeonato. Como se explica o contraste das prestações do campeonato para a Taça de Portugal?
Alguns jogos que fizemos não foram tão bons. Duas semanas antes da [Final Four] da Taça de Portugal, jogamos contra o Vitória [de Guimarães] e tínhamos de vencer esse encontro [perderam 1-3]. Foi uma derrota muito difícil. Queríamos muito estar na semifinal do campeonato, mas ‘ir ao fundo do mar’ deixou-nos mais motivadas para vencer esta competição.
E a nível individual? Como faz o balanço deste primeiro ano no Benfica?
Estou satisfeita com o meu nível. Encontrei uma grande equipa. Muitas vezes chegamos a um clube e não conseguimos demonstrar o nosso verdadeiro nível, mas aqui estou como se estivesse em casa. Como se estivesse na Argentina. Estou muito contente com a equipa e isso dá confiança para o nosso jogo.
Porque veio jogar para Portugal e, em específico, para o Benfica?
Tinha algumas propostas. Esta é a minha quarta temporada fora da Argentina e apenas a segunda na Europa – joguei em França na época passada – e falaram-me muito bem da liga portuguesa. Quando me disseram qual era o clube, o Benfica, fiquei ansiosa por assinar porque tinha muito boas referências.
Essa referência foi a Eugénia [Nosach, colega de seleção argentina e jogadora no Colégio Efanor]?
(Risos) Falou-me da estrutura do clube, disse que era muito boa, mas também falou muito bem do treinador [Rui Moreira] e do staff. Ela também me ajudou.
Teve algum impacto jogarem uma contra a outra na final da Taça de Portugal?
Antes do jogo não nos podíamos ver e depois do encontro também não (risos). Mas, claro, é uma pessoa que admiro muito, é uma grande jogadora, amiga e uma irmã para mim. Estar na Europa, a viver perto dela também é muito bom.
Queria falar um bocado do percurso que teve na Argentina. Passou lá grande parte da carreira, especialmente no Boca Juniors, mas fez também uma temporada no River Plate. A rivalidade também é muito acesa no voleibol? E como foi a transição?
No voleibol não é tanto. O voleibol feminino, na Argentina, não é profissional. Por isso não foi muito difícil. Acho que se fosse como o futebol teria sido muito difícil, ou então, se calhar nem me tinha mudado para lá. Mas foi apenas por uma temporada. Foi diferente, não posso dizer que o River é melhor do que o Boca [Juniors] ou o contrário. São clubes diferentes, com estruturas diferentes. Gostei. Ainda assim, houve alguns adeptos que não compreenderam, mas porque eram adeptos de futebol, também.
Teve alguma experiência menos positiva?
Não, foi tranquilo.
O facto de o voleibol feminino não ser profissionalizado na Argentina teve peso na decisão de vir para a Europa jogar?
Sim, nesse aspeto, o nível na Argentina está um pouco em baixo. As nossas profissionais têm de trabalhar para conseguir viver, mesmo jogando pela Seleção. Mas também queria fazer umas temporadas fora do país. No meu caso, também terminei os meus estudos e também sou nutricionista.
O que me pode dizer do Doble Cambio?
Foi um movimento que nós, jogadoras, criámos em 2020 para que as atletas de diferentes equipas pudessem ter seguro médico e melhor estrutura do que a que tinham antes.
E encontra essas condições em Portugal?
Sim, o ideal seria que na Argentina houvesse a estrutura que há aqui, mas não é impossível.
Qual foi o melhor momento da sua carreira? Participação nos Jogos Olímpicos?
Primeiro, foi a classificação. A Argentina nunca se tinha qualificado para uns Jogos Olímpicos e jogámos o pré-olímpico numa cidade argentina [Sorriloche], em janeiro de 2016 [6 a 10]. Esse torneio marcou um antes e depois para as jogadoras que lá estiveram a jogar. Creio que os nossos Jogos começaram logo aí. E o primeiro jogo que fizemos no Rio de Janeiro, foi, de facto, especial.
Também participou em Tóquio-2020. A experiência foi semelhante?
Foi diferente, porque ainda estávamos no meio da pandemia. Não tínhamos adeptos nas bancadas, por exemplo. Havia muita estrutura e rigor no Japão. Tínhamos de fazer testes COVID-19 muitas vezes. Mas foi muito bom, porque podíamos andar na Aldeia Olímpica e tirar fotografias com muitos atletas que não conseguias se fosse noutro lugar.
Como é que o voleibol entrou na sua vida?
O voleibol é a minha vida. Era o único desporto que se podia praticar num clube ao pé da minha casa, muito, muito pequeno. Por isso comecei a jogar lá e converteu-se numa paixão.
Referiu que é nutricionista. Licenciou-se enquanto era jogadora. Como conseguiu gerir ambas as carreiras?
Foi difícil, não consegui fazer tudo certinho, em todos os anos. Fiz o curso em sete anos, porque muitas vezes não conseguia assistir as aulas. Mas na pandemia consegui acabar.
Imagina a sua vida sem voleibol?
Estou a começar a imaginar, mas é difícil, porque fez sempre parte da minha vida e tenho muita paixão pelo desporto. Mas tenho de começar a pensar, já tenho 37 anos (risos). Começo a pensar no final da carreira.