«Ser campeão pelo Benfica é todo um mundo completamente diferente»
Fotografia Miguel Nunes/A BOLA

ENTREVISTA A BOLA «Ser campeão pelo Benfica é todo um mundo completamente diferente»

PARTE 3 - Eugénio Rodrigues sentiu o calor humano dos adeptos ao ser campeão pelo Olivais de Coimbra. Depois, mudou-se para a Luz e viveu uma experiência, que diz não ter palavras para explicar, ao conseguir o mesmo no seu clube do coração. Fala ainda das diferenças humanas e profissionais que foi ser treinador na Dinamarca e na Roménia e das barreiras que teve de ultrapassar por ser um técnico de basquete português 'sem passaporte'

— Recordou o seu título à frente dos Olivais de Coimbra em 2018/19. O que é que ele significou para si e se foi diferente ser campeão no Olivais e sê-lo no Benfica?

— Essa é uma gigantesca pergunta. Estive no estrangeiro, a minha experiência internacional foram quase cinco anos fora, e tratou-se de um investimento na vida profissional/desportiva. Tive que optar nessa altura e regressar a Portugal. Ser convidado para trabalhar no Olivais e Coimbra, atravessava uma fase difícil, mas não deixa de ser um clube histórico, foi um desafio. Pensei: vamos agora perceber até que ponto é que cresci lá fora e perceber como é que me posso posicionar aqui em Portugal. Até porque já tinha um trajeto longo no país, na altura estava ainda com as seleções.

Ser campeão pelo Olivais com aquela falange de apoio pequena mas que é sobretudo bairrista, foi algo único. Senti o calor de pessoas que não conhecia de lado nenhum e me cumprimentavam na rua.

Mas esse convite foi um desafio gigantesco. Vencemos todas as competições ao longo desse ano e meio. Foi um afirmar da minha posição, sobretudo como treinador de rendimento sénior, pois já tinha tido um trajeto extenso na formação. Ser campeão pelo Olivais com aquela falange de apoio pequena mas que é sobretudo bairrista, foi algo único. Senti o calor de pessoas que não conhecia de lado nenhum e me cumprimentavam na rua. Então no final, quando fomos campeões nacionais, abeiraram-me e fizeram -me sentir coisas incríveis. Agora, ser campeão pelo Benfica é todo um mundo completamente diferente. Não tem nada a ver e não só pelo meu clubismo, toda a gente sabe que sou benfiquista, não é segredo nenhum...

Fotografia FPB

Eu é que tenho que agradecer porque nessa altura, quando ganhei o título, percebi o que é ser campeão pelo Benfica. E isso foi completamente diferente de tudo o que tinha vivenciado. Aí entramos no campo dos adjetivos e do léxico que não tenho.

— E que até chora pelo Benfica.

— E que choro pelo Benfica, exato. Tenho mesmo que me controlar nas outras modalidades, aí sou adepto. Registo uma frase quando vim para cá, pela mão do Rui Lança e da Maria Pardelhas. Na altura o Rui disse-me: ‘Eugénio, obrigado por vires, por teres aceite o nosso convite. Vens porque queremos que ajudes o Benfica a ser campeão’. Depois já tive a oportunidade de lhe dizer, até publicamente: ‘Estavam errados. Eu é que tenho que agradecer porque nessa altura, quando ganhei o título, percebi o que é ser campeão pelo Benfica. E isso foi completamente diferente de tudo o que tinha vivenciado. Aí entramos no campo dos adjetivos e do léxico que não tenho. Não conheço palavras para explicar. Algumas consigo definir, outras ficam no plano dos sentimentos. Não querendo desrespeitar o Olivais, onde venci o meu primeiro título nacional na Liga feminina, mas ganhar com a equipa do meu coração é diferente.

«Três ligas em quatro épocas não estava nos meus sonhos quando vim para o Benfica»

20 setembro 2024, 11:15

«Três ligas em quatro épocas não estava nos meus sonhos quando vim para o Benfica»

PARTE 1 - Com a temporada de basquetebol feminino quase a começar, A BOLA conversou com o treinador das campeãs Eugénio Rodrigues. Um ferrenho benfiquista que, aos 54 anos, está a viver muito além do que imaginou quando o convidaram. Contou qual a sua ideia de jogo e o que procura quando constrói uma equipa, como analisa cada um dos três títulos ganhos, o que gostaria ver modificado de imediato na competição para a evolução desta e a possibilidade de um maior equilíbrio.

Precisava era de algo diferente e a perspetiva de experimentar o basquetebol fora de Portugal, perceber o que é com outras culturas, campeonatos e mentalidades foi um desafio pessoal grande que me atraiu.

— Já falou um bocadinho no assunto mas, quando foi para fora mais de quatro anos, passou por três países, o que é que foi à procura?

— De algo mais. Estava em Portugal há mais ou menos 25 anos, e estava um pouco, não diria farto do mesmo, mas os projetos em que me inseria já não eram desafiantes. Não no sentido de que ganhava tudo, nada disso, precisava era de algo diferente e a perspetiva de experimentar o basquetebol fora de Portugal, perceber o que é com outras culturas, campeonatos e mentalidades foi um desafio pessoal grande que me atraiu. Na altura também me encontrava a finalizar o FIBA European Coaching Certificate e isso permitiu-me ter uma ligação com pessoas de todos os cantos da Europa que me aguçou a curiosidade. Sempre fui alguém que foi à procura dessas coisas.

Chegar à Roménia e ter o oposto: o lado exclusivamente profissional. Não me preocupar com mais nada além de dar o treino, ganhar jogos e ter a capacidade de gerir. É toda uma máquina que tinha comigo num só sentido: vencer.

Depois arrisquei sair da zona de conforto. Tinha o meu escritório montado, era advogado e exercia  advocacia, portanto, pendurei o fato e a gravata, fechei o escritório e fui de malas aviadas para fora. Tive então oportunidade de trabalhar sobretudo em dois países completamente diferentes: um nórdico e outro de leste. No nórdico trouxe-me o lado humano, de controle emocional que não tinha. Era alguém bem mais impulsivo do que sou hoje. Não tenho dúvidas. Houve a necessidade de olhar para determinados aspetos que por estar em Portugal não reparava. 

Fotografia Miguel Nunes/A BOLA

E depois passar do 8 para o 80. Chegar à Roménia e ter o oposto: o lado exclusivamente profissional. Não me preocupar com mais nada além de dar o treino, ganhar jogos e ter a capacidade de gerir. É toda uma máquina que tinha comigo num só sentido: vencer. Esse lado profissional e o lado humano foram dois aspectos que me vieram complementar bastante. Isso também me deu maior conhecimento do jogo e vivência com basquetes de outras realidades como a Sérvia, norte da Europa, Rússia… A possibilidade de vivenciar com vários treinadores de outras escolas deu-me aportes técnicos que hoje em dia reconheço serem muito importantes e que não os tinha até emigrar.

Um treinador de futebol português é um treinador que tem passaporte, toda a gente sabe quem é Portugal no futebol. No basquetebol não. Tive que quebrar algumas barreiras.

«É preciso não ter medo que a pedrada que se atira ao charco tenha várias ondas de choque»

20 setembro 2024, 11:20

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PARTE 2 - Com a temporada de basquetebol feminino quase a começar, A BOLA conversou com o treinador das campeãs Eugénio Rodrigues. Um ferrenho benfiquista que, aos 54 anos, está a viver muito além do que imaginou quando o convidaram. Contou qual a sua ideia de jogo e o que procura quando constrói uma equipa, como analisa cada um dos três títulos ganhos, o que gostaria ver modificado de imediato na competição para a evolução desta e a possibilidade de um maior equilíbrio.

— Uma vez que não está no mundo do futebol mas do basquetebol, foi fácil ser um treinador português e chegar ao estrangeiro? 

— Não! Um treinador de futebol português é um treinador que tem passaporte, toda a gente sabe quem é Portugal no futebol. No basquetebol não. Tive que quebrar algumas barreiras. Fui para um clube na Roménia [Phoenix Galati] e o treinador anterior era grego. A Grécia é uma das escolas do basquete europeu, portanto, tive que lidar com muita desconfiança. Português? Mas quem é o português? Um português vem substituir um grego? Está tudo doido, o que é isto? Felizmente as coisas correram sempre bem, mas não foi fácil. Tive de quebrar muitas fronteiras e preconceitos que infelizmente ainda continuam a existir. Afortunadamente já temos mais gente no estrangeiro hoje em dia. Já o tínhamos e não fui eu quem abriu essa porta, não é isso, mas ajudei um bocadinho a abri-la para outras pessoas que, entretanto, também estão fora.

«Ser treinador ou advogado não era sequer a escolha entre dois amores»

20 setembro 2024, 12:50

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PARTE 4 - Quando surgiu a hipótese de ir para o estrangeiro à procura de novos desafios no basquetebol Eugénio Rodrigues teve que fechar o escritório de advocacia, mas conta que teve sempre o apoio da mãe, o seu modelo de vida, que procura acompanhar todos os seus jogos, quando possível ao vivo, e até lhe dá umas dicas táticas, mas que nunca o viu jogar quando era mais novo.

O romeno bastante mais competitivo, profissional, com maior investimento e mediatismo. A noção que tinha do meu anonimato desapareceu completamente. Foi uma das coisas também me fez crescer.

— E os campeonatos nesses países são diferentes do português?

— Sim, sobretudo o dinamarquês e o romeno, que são aqueles com quem trabalhei mais. O romeno bastante mais competitivo, profissional, com maior investimento e mediatismo. A noção que tinha do meu anonimato desapareceu completamente. Foi uma das coisas também me fez crescer. Ao vir para  o Benfica já tinha isso na bagagem. Na Dinamarca é uma questão completamente diferente. A necessidade era de vencer, levar os meus objectivos avante e manter o grupo unido porque a questão do profissionalismo era totalmente diferente. Portanto, foram duas realidades bastante  distintas nesses dois campeonatos que trabalhei.

«É difícil termos outra Ticha Penicheiro»

20 setembro 2024, 13:30

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PARTE 5 - Eugénio Rodrigues, treinador do Benfica, elogia as jogadoras nacionais que vão surguindo cada vez mais em campeonato no estrangeiro, mas considera que não será fácil voltar a ter outra jogadora de grande nível na WNBA como a antiga base portuguesa. Com tudo ganho em Portugal, não afasta a hipótese de voltar a partir, mas por enquanto não porque as razões familiares que o fizeram voltar ao país mantêm-se.