ENTREVISTA A BOLA «O FC Porto fala em vingança e eu entendo: estavam habituados a ganhar tudo»

ANDEBOL10.09.202409:30

Ricardo Costa, treinador do Sporting fala sobre o recente domínio que os leões construíram e que resultou na conquista dos últimos cinco títulos em Portugal

Nesta primeira parte da entrevista a A BOLA, Ricardo Costa, treinador do Sporting, fala sobre o domínio que a sua equipa conseguiu nos tempos mais recentes e que se traduziu na conquista dos últimos cinco títulos nacionais: o campeonato, duas Taças e duas Supertaças. Além disso, aborda o regresso do clube à Liga dos Campeões e da estratégia de mercado que introduziu nos leões.

- Tem repetido a ideia de que o Sporting quer marcar uma era no andebol nacional. O que é preciso fazer para o conseguir?

 - Isso é uma das coisas de que falámos muito internamente com o grupo. Não digo que o Sporting ganhasse só de vez em quando, mas quando eu abracei este projeto disse que era importante incutir nesses atletas que nós queríamos ganhar mais vezes que aquelas que perdemos. Perspetivámos o futuro nesse sentido e julgo que o nosso começo tem sido isso mesmo. A conquista dos últimos cinco títulos é uma mostra inegável do nosso valor e daquilo que nós temos feito para tentar dominar e replicar aquilo que outros clubes, como a ABC e o FC Porto já fizeram.

 O Sporting acabou precisamente com o mais recente domínio do FC Porto.

Sim. Eles até falam muitas vezes em vingança, e eu entendo. Estavam habituados a ganhar e nós também queremos estar habituados a ganhar e que perder seja só muito de vez em quando. Sabemos que não vamos ganhar sempre. Todas as equipas querem vencer, mas nós queremos marcar uma era, o que não quer dizer que os outros não tenham uma palavra. Nós acreditamos muito em nós, naquilo que fazemos, e acho que estes cinco títulos consecutivos são o começo de algo importante no andebol português.

Na época passada o Sporting teve apenas cinco derrotas em 54 jogos, conquistou os três títulos nacionais, chegou aos quartos de final da Liga Europeia, meias finais da Supertaça Ibérica. Há margem para melhorar?

Há sempre margem para melhorar. E nós começamos esta época com quatro atletas novos, que vêm acrescentar muito ao que temos. Mas eu passo a responsabilidade para os meus atletas de que os nossos grandes reforços são os atletas que cá estão e que têm que, obrigatoriamente, de ser cada dia melhores. Nós não podemos pensar que um atleta de 19 anos, três de 21 e outros dois ou três de 22, estão no fim de linha. Ou que por termos vencido estas cinco provas, que está tudo feito. E eu acredito que nós podemos fazer ainda muito mais. E por isso há a responsabilidade de aqueles que vêm de fora acrescentarem qualidade. Mas aqueles que já estão comigo aqui há quatro anos têm de ter esse sentimento de melhora contínua. Isso pode vir a ser muito útil no futuro, por exemplo, nas competições europeias…

Ricardo Costa, treinador da equipa de andebol do Sporting, na redação de A BOLA (Miguel Nunes)

Onde no ano passado já se viu um Sporting forte.

Sim. Como fizemos no ano passado em que estivemos à porta da [final four] da Liga Europeia. E queríamos vencê-la! Não era uma utopia. E acho que demonstrámos mesmo que queríamos ganhar. Claro que não é proibido perder, em 54 jogos perdemos quatro ou cinco, mas saímos sempre com a mentalidade de querer ganhar.

Este ano começou com a conquista da Supertaça e a derrota na final da Supertaça Ibérica... 

Aí está. Nós ganhámos ao Benfica [na final da Supertaça] de uma forma que não é real [por 16 golos]. E nos dois jogos a seguir, acho que não fomos o Sporting que devíamos ser. Há muitos fatores que podem servir de desculpa: a viagem, o cansaço, o facto de não termos treinado, termos celebrado mais do que devíamos… perdemos ali dois ou três dias, em que se tivéssemos perdido a azia era muito grande.  E provavelmente tínhamo-nos apresentado ainda melhor na Supertaça Ibérica. Não aconteceu.

 E num clube como o Sporting a exigência está sempre presente. 

E também temos a pressão que dizem: esta época tem de ser igual ou melhor do que a do ano passado. Também sentimos o peso da responsabilidade. Por isso digo que temos um caminho de melhoria e todos têm de se agarrar a isso. E eu, enquanto treinador, também! Se quero que eles sejam melhores, eu também tenho de ser capaz de acompanhar o nível e a exigência dos melhores do mundo. Se acho que temos os melhores jogadores do mundo, eu também tenho de me pôr ao nível dos melhores do mundo. É para isso que eu trabalho, porque tenho essa ambição. E acho que essa sinergia nos pode fazer chegar a outros patamares.

Olhando para o Sporting que encontrou quando chegou, qual é a principal diferença? 

Acima de tudo, a estabilidade. Acho que isso é fundamental, tanto em termos de diretores, da forma como trabalhamos… Eu não ganhei nada no primeiro e no segundo ano, estivemos ali quase a ganhar, mas sabíamos que era um projeto de médio/longo prazo. As pessoas tiveram a paciência para esperar pelos resultados e muitas vezes não se tem. E julgo que o facto de sermos todos conscientes de onde queríamos chegar é que está a trazer os frutos de um projeto que não é meu, é de muita gente, como o Miguel Afonso, o Carlos Carneiro. Também tem de se dar os méritos também a quem os tem.

O Sporting parte como principal favorito ao título?

Sim. Para nós não é muito importante quem é que parte como favorito. Nós preparamo-nos jogo a jogo, cada batalha é importante e temos muita confiança. Antes vencer o campeonato tínhamos tido dois anos em que o podíamos ter conquistado. Perdemos por um, a bola bateu no poste, há aquele lance em que o Salvador fica agarrado à bola… Podíamos ter ganhado ali e quase que ditávamos a sentença no segundo ano. Não conseguimos, mas aprendemos com isso e nós hoje somos muito mais experientes, muito mais capazes, crescemos muito enquanto grupo, conseguimos manter a nossa estrutura e temos a máxima confiança na nossa equipa. Acredito que do outro lado, no FC Porto e no Benfica, haverá uma resposta muito forte, também quererão ter o seu papel neste campeonato. A nós compete ter a ambição de continuar a ganhar. Muitas vezes quem mais quer ganhar, ganha. E não se trata só de no início olhar para os planteis: é a fome de ganhar que normalmente dá em título. E espero que nós tenhamos essa fome.

Uma das notas de destaque desta época é o regresso de Magnus Andersson ao FC Porto, ele que ganhou todos os campeonatos que disputou em Portugal. Isso torna a tarefa do Sporting mais complicada?

Aquilo que eu sei, é que disputei os jogos com a equipa do Magnus, nós ganhámos várias taças de Portugal, ganhámos alguns jogos, perdemos outros. E no ano passado também tivemos o mesmo grau de dificuldade. Não acho que a equipa do Carlos Resende jogasse menos que as equipas do Magnus. Agora, é facto: nós ainda não conseguimos ganhar um campeonato ao Magnus. Vamos fazer por ganhar! Na Supertaça, ele voltou a apostar na situação de 7x6, sabemos mais ou menos aquilo que podemos esperar pelos anos em que cá esteve, com enorme sucesso. Para nós também é um desafio e uma motivação poder ganhar pela primeira vez.

Este ano o Sporting regressa à Liga dos Campeões, e no plantel só há quatro jogadores que já jogaram a prova. Quão importante vai ser esse fator na competição?

Acho que é decisivo. Se olharmos para o nosso trajeto na EHF, vemos que no primeiro ano era muito difícil ganhar um jogo fora; no ano seguinte já conseguimos estar um pouco mais à vontade e ganhar alguns jogos fora; e no terceiro ano dominámos praticamente os jogos todos. Ganhámos ao Dínamo Bucareste, ganhámos lá e cá ao Fuchse Berlim, e acredito que a experiência é decisiva nesta prova.

 E como se joga contra as equipas que estão há muitos anos na Champions? 

Temos de saber jogar de outra forma os jogos contra equipas que são superiores a nós. Não podemos jogar da mesma maneira que jogamos contra o Benfica ou contra o FC Porto, e achar que podemos ganhar ao Veszprém ou ao Barcelona. Temos de jogar de forma mais consciente, valorizar mais a posse de bola, ser mais audazes, mais equilibrados, prepararmos ainda melhor… Agora, eu acredito que a experiência é muito importante, mas acho que o João Rocha pode ajudar-nos naqueles momentos em que nós podemos fraquejar um pouco. O nosso público tem essa capacidade de nos ajudar e nós confiamos nisso.

As contratações deste ano tiveram um padrão diferente dos anos anteriores. Foram contratados jogadores experientes, principalmente o Aly e o Diogo Branquinho. Foi para dar essa experiência extra para a Liga dos Campeões?

Sim, mas às vezes são oportunidades de mercado. O FC Porto descartou o Branquinho, um atleta de Seleção, com 30 anos, e nós mal tivemos a oportunidade de ficar com ele, não olhámos para trás. Acreditámos que é um atleta que nos podia dar experiência, e julgo que não nos enganámos. Com alguns meses também pudemos perceber que o Aly podia ser uma solução para nós. Depois, ele confirmou ao fazer uns Jogos Olímpicos de nível muito alto.

Surpreendeu-o aquilo que ele fez?

Era esse feedback que nós tínhamos: era um atleta que praticamente ninguém conhecia aqui, nós fomos em busca dessa informação, e acabámos por contratar um guarda-redes experiente, e que cresceu muito nestes Jogos Olímpicos. Nas conversas que tive com o treinador do Bietigheim, onde ele estava na Alemanha, ele sempre me falou muito bem do Aly. Nós não queríamos ter dois guarda-redes jovens, achamos que é importante que o André [Kristensen] tenha alguém mais experiente. E também para o Aly é boa a ajuda de alguém mais novo, que possa ter mais minutos de jogo e aguentar mais tempo. Este equilíbrio entre os dois é fundamental.

Depois dos Jogos Olímpicos seria muito mais difícil de contratar o Aly? 

Era impossível. Não tínhamos hipótese absolutamente nenhuma.

Desde que o Ricardo está no Sporting, a aposta tem passado por contratar jovens para potenciá-los. O André, o Edy Silva, o Guri… Isso contraria a tendência que existia em Portugal, de contratar jogadores consagrados já a caminhar para o fim de carreira. 

Nós olhando para o mercado, se tivéssemos 12 ou 14 milhões como têm os clubes alemães, e pudéssemos ir ao catálogo, e comprar os primeiros que aparecem, comprávamos. É uma forma de construir plantéis. Nós temos outra, que passa por procurar jogadores que já tenham muita experiência e que estejam na Seleção portuguesa. E a outra, que é olhar para jovens talentos fora daqui, para quem ainda ninguém olhou, e que nós identificamos neles potencial para jogar e para melhorar. Não é o segredo que a nossa forma de trabalhar é tentar não olhar para onde todos estão a olhar. É muito fácil eu dizer que o Karabatic é um grande jogador, é unânime, só que eu não tenho dinheiro para o contratar, por isso não vale a pena olhar para ele.

Dá mais trabalho…

Dá muito mais trabalho. Temos de fazer um trabalho de análise, perceber como é que ele é como pessoa, ir a várias fontes. Mas depois tiramos os frutos dessa pesquisa profunda.

E quem são os responsáveis por esse trabalho?

Eu, o Carlos [Carneiro], o [Ricardo] Candeias. Somos os três que falamos diariamente e que vamos discutindo aquilo de que precisamos, as características necessárias para o nosso modelo de jogo. Falar com muitos empresários, com muitos treinadores, ver muitos jogos, ir a competições, tentar falar com muita gente que nos possa ajudar. Não só falar com empresários, porque eles vão vender aquilo que têm e nós não queremos comprar aquilo que eles têm. Muitas vezes temos de surpreendê-los e ir ao contrário.

O facto de o Ricardo ter jogado tantos anos no estrangeiro e conhecer muita gente facilita esse processo?

Facilita porque eu tenho contacto direto com os treinadores e eles convivem diariamente com os jogadores e que me dizem-me. Porque ninguém quer mentir. Se me perguntam por um atleta que foi meu e eu sou o mais sincero possível, porque também não quero que me façam o contrário. Por isso, essa relação estreita que nós temos com as pessoas, a nossa confiança, ajuda muito.

Ricardo Costa, treinador do Sporting, na redação de A BOLA (Miguel Nunes)