O ex-dragão que vem da neve e «chorou» quando lhe saiu o Benfica
Adversário do Benfica na Taça Europa de andebol feminino viaja da Ilhas Faroé e tem treinador português
Aos nove anos, quando teve de deixar o andebol porque o clube da terra acabou com a modalidade, Ricardo já sabia que não se tratava de uma despedida, mas um ‘até já’. Tinham sido três apenas três anos a jogar, mas mais do que suficientes para criar uma paixão para a vida.
Os anos passaram. A prática do andebol foi substituída pela do futsal e, apesar de «péssimo com os pés», Ricardo chegou a jogar na primeira divisão, na baliza do Miramar. Mas quando chegou ao curso de Desporto só havia uma hipótese na cabeça de Ricardo: especializar-se em andebol.
O objetivo cumpriu-se, seguiu-se um estágio que se transformou em emprego na formação do FC Porto e que deu as bases para Ricardo Oliveira tornar-se treinador de andebol. Por isso, quando o sonho de seguir essa carreira começou a parecer miragem em Portugal, o jovem técnico fez o que não teve possibilidade de fazer aos nove anos: alargou horizontes. Alargou-os tanto que chegou às Ilhas Faroé.
É desse território perdido no Atlântico Norte que chega o Neistin, adversário do Benfica nos 16 avos de final da Taça Europa feminina. E é nesse clube que Ricardo Oliveira teve a oportunidade de se tornar treinador profissional de andebol.
«Estava a ponderar deixar de ser treinador porque o meu trabalho não estava a ser valorizado em termos financeiros», introduz, ele que na altura era adjunto do Colégio de Gaia, equipa do topo do campeonato feminino.
«Soube que um clube nas Ilhas Faroé estava a precisar de um treinador, dois amigos desafiaram-me a enviar currículo, mas eu achava que iriam escolher um treinador nórdico», admite.
A premonição do ‘regresso’ a Portugal
A verdade é que Ricardo Oliveira foi mesmo o escolhido para assumir o cargo e depois de uma época a orientar a equipa masculina deu o desejado salto para a vertente feminina, que lhe possibilita agora o regresso a Portugal.
«Vim com contrato para os masculinos, mas eu adoro treinar feminino. A época correu muito bem, superámos bastante as expectativas, e neste ano surgiu a hipótese de migrar para o feminino e iniciar um projeto para ter sucesso interno e nas competições europeias», refere, numa conversa mantida com A BOLA na primeira de duas escalas da viagem de mais de 15 horas entre as Ilhas Faroé e Lisboa.
«As viagens são sempre uma saga, mas já estamos habituados. Sabemos que temos de ir sempre a Copenhaga e desta vez ainda vamos fazer outra escala em Munique».
Mas vai valer a pena. E um sabor especial para o técnico luso que até teve uma premonição pouco antes do sorteio ditar o confronto com as águias.
«A primeira coisa que eu fiz foi rir! Três minutos antes tinha enviado uma mensagem à minha capitã a dizer que estava a sentir que nos ia sair o Benfica. Tenho essa mensagem, posso provar», revela sorridente... ainda que a mensagem diga precisamente o contrário.
Mas se Ricardo sorriu, não foi por achar que o sorteio tinha sido positivo para a sua equipa.
«Havia adversários mais acessíveis nos quais estávamos de olho. Mas para o nosso crescimento pode ser importante defrontar um adversário da qualidade do Benfica. Começou por ser um pequeno choque, mas vamos tentar causar uma surpresa. Mas o Benfica é claramente favorito, toda a gente o sabe», reconhece.
«Nós chegamos aqui como ‘underdog’, mas para lutar. A única garantia é que vamos entrar em campo como a equipa irreverente que somos e iremos lutar até ao fim para dar alegria aos nossos adeptos e provocar uma surpresa europeia», avisa.
No pavilhão da Luz, às 12h deste sábado, vai entrar em campo para defrontar o Benfica a equipa que lidera o campeonato das Ilhas Faroé. Uma equipa que, apesar da juventude, tem surpreendido nas competições internas, depois do quarto lugar da época passada.
«Estamos em primeiro lugar, somos o melhor ataque e a melhor defesa. Em oito jornadas, temos sete vitórias. Perdemos na quarta-feira o primeiro jogo. Somos uma equipa que é a base da seleção de sub-20, com apenas duas atletas com mais 21 anos», revela o treinador que admite também que internamente o objetivo traçado passa pela conquista do campeonato que foge à equipa há oito anos.
«Às vezes está tanto frio que acho que me vou arrepender»
Seja qual for o resultado da eliminatória frente ao Benfica – a segunda mão está marcada para domingo, também na Luz – nada afetará a convicção de que emigrar para as Ilhas Faroé foi a melhor opção que tomou.
«O balanço é muito positivo. Tenho todas as condições de que preciso para trabalhar. Desde logo, sou profissional, algo inédito no meu percurso como treinador e que dificilmente conseguiria se continuasse em Portugal», lamenta, ele que conciliava o treino com um trabalho de preparador físico e reabilitação numa clínica de fisioterapia.
Por vezes, o jovem técnico de 29 anos ainda acha que se pode arrepender. Mas é só naqueles primeiros minutos quando mete o pé fora de casa.
«Senti que se queria ter a oportunidade de ser profissional, este teria de ser o passo e não me arrependi. Às vezes de manhã acho que me vou arrepender porque está muito frio, mas depois passa», brinca, numa gargalhada. «Posso confessar que detesto neve. Não detestava, mas agora detesto. As pessoas não têm noção do trabalho que dá tirar a neve do carro de manhã. E ficar preso na neve é muito chato! Mas é um sacrifício que faço pelo andebol», acrescenta.
Sobre o futuro, Ricardo Oliveira admite ter objetivos altos. Com tempo, mas sonha com o topo.
«Para já, estou muito focado no trabalho que estou a fazer nas Ilhas Faroé. Já fui abordado por outros clubes nórdicos, mas sinto que ainda tenho trabalho a fazer aqui. Gostaria muito de ser campeão nacional cá em breve. E, como qualquer treinador, gostava de um dia ganhar a Liga dos Campeões feminina. Um dia!», atira, sonhador.
Mas se o Ricardo de nove anos não desistiu do andebol mesmo ficando anos sem contacto com a modalidade, certamente que o Ricardo adulto não vai abdicar de lutar por todos os sonhos.