«Últimos meses do Isaac Nader foram absurdos!»

Atletismo «Últimos meses do Isaac Nader foram absurdos!»

ATLETISMO22.08.202319:43

Isaac Nader corre amanhã, quarta-feira, a final dos 1500 metros do Campeonato do Mundo de atletismo ao ar livre que se realiza em Budapeste, Hungria. Em 1987, Domingos Castro foi o primeiro homem a conquistar uma medalha para Portugal em Mundiais. Poderá, amanhã, quarta-feira, ser a vez de Nader brilhar? Fique a saber o que pensa e espera Domingos Castro.

- Há quase 36 anos, em Roma, a 6 de setembro de 1987, ganhou a medalha de prata nos 5000 metros do Mundial de Roma e entrou em definitivo na história do atletismo nacional e até internacional. Rosa Mota, uma semana antes vencera a maratona, mas você é primeiro português a ganhar uma medalha em Mundiais de atletismo. Sabia desta curiosidade?

- Não, não sabia. Mas, claro, é um orgulho imenso saber que sou o primeiro homem a ganhar uma medalha por Portugal em Campeonatos do Mundo de atletismo.

- Quando foi para Roma acreditava ser possível voltar com uma medalha?

- Sinceramente, nem pensava nisso. Só o professor Moniz Pereira acreditava na possibilidade de eu ficar entre os três primeiros nos 5 mil metros. Aliás, no aquecimento para a prova, na pista anexa ao estádio olímpico, ele foi falar comigo e com o meu irmão e disse-nos: «Vou para aquela zona da bancada para tirar os tempos de passagem e para vos dar uma palavrinha». E foi-se embora. Recomeçámos a aquecer, mas ele voltou atrás e disse-me: «Domingos, hoje é o teu dia: tomates no sítio, hem!».

- Que sentiu?

- Pensei: se o professor me disse isto, é porque acha que tenho algumas hipóteses. E se ele acha que tenho hipóteses é porque tenho mesmo. E depois saiu aquele resultadão. Quando me coloquei bem na última volta, só pensava: «Estou na luta! Estou na luta!». E só perdi com o grande Said Aouita. Aliás, estava tão relaxado e sem pensar em medalhas, que nem fato de treino levei para a prova. E fui receber a medalha de prata com o fato de treino da Conceição Ferreira! Não estava mesmo à espera de ganhar medalhas.

- Que lhe disse Moniz Pereira após a prova?

- «Eu disse, não disse?!»

- Trinta e seis anos depois, como olha para aquela medalha?

- Talvez seja o ponto o ponto mais alto da minha carreira. Poderia ter sido um ano depois, em Seul, quando a 30 metros do final dos 5 mil metros estava em 2.º lugar, mas acabei, infelizmente, por ficar em quarto. Fiz grande marcas em 5 mil, 10 mil e maratona, ganhei provas um pouco por todo o lado, mas a prata de Roma é talvez o momento mais marcante da minha carreira.

- De 1987 para cá, embora Portugal tenha ganho diversas medalhas em Campeonatos do Mundo, nenhum fundista fez melhor do que você e apenas mais um ganhou, em provas de pista, medalhas para Portugal: Rui Silva com o 3.º lugar nos 1500 metros, em 2005. Que se tem passado, na última década, com o meio-fundo português?

- Haverá vários fatores que ajudam a explicar a crise que atravessámos. O primeiro dos quais, claro, é a forma como se treina e, sobretudo, o método de treino. Antigamente havia grupos de treino muito fortes, como no Sporting, que é o que conheço melhor. Agora, a maioria dos atletas treina-se sozinho ou com mais um ou dois atletas. Nunca saberão qual o verdadeiro limite. Depois aparecem as condições de treino. Os portugueses têm de ter condições iguais às dos estrangeiros! Há muita coisa a fazer para que possamos fazer aquilo que, na Europa, fizeram Noruega, Espanha, Itália e Inglaterra. Como, por exemplo, implementar cada vez mais as novas tecnologias, desde a Federação Portuguesa de Atletismo até às diversas associações.

- Há uma crise e há agora uma estrela emergente chamada Isaac Nader, apurado para a final dos 1500 metros de amanhã, quarta-feira.

- Os últimos dois meses dele foram absurdos. Tinha 3.36 aos 1500 metros e era apenas uma boa promessa e de repente arrancou cinco marcas abaixo de 3.35 e duas na casa dos 3.31. Começa a ameaçar o recorde nacional do Rui Silva!

- Acredita que ele pode trazer uma medalha de Budapeste?

- Não é favorito. Esse é, de forma clara, o norueguês [Jakob Ingebrigtsen]. Há depois mais meia dúzia de atletas que já correram abaixo dos 3.30 e, por isso, no papel, o Isaac não é favorito a entrar nas medalhas. O que é muito bom, pois tem muito menos pressão. Não é favorito, mas não me espantaria mesmo nada que ele regressasse a Portugal com uma medalha. Inacessível só, como lhe disse, o norueguês. Há depois os sempre perigosos africanos, alguns deles já abaixo dos 3.30, tal como os britânicos, por exemplo. Mas, pelo que vi na eliminatória e na meia-final, em que correu com grande facilidade, acredito que o Isaac possa entrar nos cinco primeiros e, se tudo lhe correr como a mim em 1987, talvez mesmo uma medalha. E se a prova for para menos de 3.30, ele tem capacidade para baixar dessa marca. Força, Isaac! Acredita!