ENTREVISTA Taís Pina: «Há meses nem me imaginava na corrida aos Jogos»

JUDO14.05.202407:35

Judoca entrou nas quotas para os Olímpicos

Até há pouco fora das principais contas da equipa olímpica de Portugal, a partir do Grand Slam de Paris, a judoca do Algés entrou na corrida aos Jogos Paris-2024 e agora, ao ganhar o Grand Slam do Cazaquistão está com o pé na capital francesa ao figurar nas quotas continentais. O Mundial de Abu Dhabi decidirá tudo, mas, aos 19 anos, Taís Pina parece ser uma certeza do judo nacional.

— O que é que significou para si a conquista da medalha de ouro no Grand Slam (GS) do Cazaquistão no passado sábado depois de já ter sido prata no GS de Antalya?

— Fiquei muito contente por ser a minha primeira medalha de ouro num grand slam e por ainda ser júnior. Estar a conquistar estas coisas nos campeonatos tem sido muito especial.

— Está a dizer: «eu ainda sou júnior». Surpreende-a não só chegar a uma final do grand slam, mas estar a ganhar uma final do grand slam?

— Sim, é verdade que não estou à espera de ganhar a todas, porque estou a lutar com pessoas muito mais experientes e velhas do que eu, e como o nível é muito elevado, não esperava.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Mas as ambições que tinha eram estas? Tinha traçado o que está a acontecer nas suas aspirações?

— Tão rápido assim não, mas fico contente que esteja a concretizar-se.

— Começou a praticar judo, salvo erro, num projeto social da Escola de Judo Nuno Delgado, na Amadora, com que idade?

— Oito anos, acho eu…

— Quais eram então os seus sonhos quando foi para o judo, se gostou logo e se era a única modalidade que a atraía ou havia outras?

—Não gostava muito de judo, sou sincera. Antes jogava e gostava de voleibol muito mais do que judo, mas pronto, escolhi o judo. Começou por ser uma diversão, acho. Tinha pessoas da minha turma que já andavam. O judo abriu como uma modalidade extracurricular e fomos para lá.

— E era só por pura diversão, nunca pensou: vou ser uma judoca que vai andar a competir em Europeus e Mundiais?

— Isso nunca pensei. Só apareceu agora, há pouco tempo.

— Como é que alguém que é tão reservada e até um pouco tímida se transforma na judoca que é dentro do tapete, e no passado fim de semana foi impressionante a pressão que fez sobre as adversárias?

— Não sei. Acho que não penso assim tanto ao meu redor. Quando tenho de falar com as pessoas fico um bocado mais nervosa, mas quando estou no tapete, a lutar, só tenho de mostrar aquilo de que sou capaz. É mais fácil.

Mas acha que se transforma? Que mesmo como atleta é outra pessoa dentro daquele tapete de competição do que é no dia-a-dia?

— Penso que sim, mostro mais atitude. Acho que é isso.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Foi a sua sétima prova no Circuito Mundial, seis delas aconteceram este ano, mas é a terceira vez que já lutou por uma medalha, o que é que mudou desde janeiro?

—Não sei... [risos]. Depois do Grand Slam de Paris [a minha prestação] abriu-me portas para acreditar mais em mim.

— Quando foi 5.ª classificada?

— Sim. Pensei: «se calhar, até consigo mostrar que sou capaz e o que tenho de trabalhar».

— Mas, vá lá, àquele ‘animal combativo’ que é em cima dos tapetes, ficou-lhe um bocado atravessado ter sido 5.ª classificada? Ter terminado a uma vitória da medalha em Paris mexeu consigo?

— Sim, apesar de ter sido o meu primeiro grand slam não ambicionava chegar aos blocos finais e ganhar os combates que consegui. Só desejava adquirir experiência e ir combate após combate, mas não pensava chegar tão longe.

— E existe uma grande diferença da Taís do Grand Slam de Paris para esta do Cazaquistão? Passou a ir: eu vou lá para chegar às medalhas?

— Agora [já vou] um bocadinho mais, mas continuo a ser mesma pessoa, sempre com a mesma garra. Desde o início ao fim.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Recordo-me que depois, quando ganhou a medalha de prata no Grand Slam Antalya, disse-me: «acho que também tive sorte porque que elas não me conheciam bem». Mas, agora, começa a ser difícil não a conhecerem, não é?

— Sim, provavelmente vai ser mais complicado.

— Sente isso, que quando está em cada combate, que elas já se colocam de maneira que não possa aplicar as suas pegas, fazer aquilo em que é mais forte? Sentiu essa mudança?

— Acho que não… Não sei… 

— Continua a ser tudo...

— Não faço isso de forma fácil, elas também querem ganhar.

— Sei também que gosta de música. Que tipo de música é que gosta e se há alguma que prefira ouvir antes de entrar em combate, porque às vezes, há prolongamentos, e estão ali muitos minutos à espera?

 — Gosto muito de uma banda chamada Maneskin, que é italiana e venceu a Eurovisão. Aprecio muito as músicas deles, mas agora, ultimamente, tenho ouvido mais músicas portuguesas como o Slow J, Van Zee. Música da atualidade que me deixa mais calma.

— A música é algo que a acompanha no dia-a-dia?

— Sim, sempre. Para ir para a escola, para o treino….

— Sabe tocar algum instrumento?

— Não.

— E para quem gosta tanto de comer, a categoria de -70 kg em que compete devia ser era de -75 kg?

— Aiiiii…. [risos]. Não! Bem, gosto muito de comer, mas gosto muito [de competir] nos -70 kg, portanto, é um sacrifício que faço bem.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Se não é indiscrição, atualmente tem de perder quanto para estar a combater nos -70 kg?

— Não gosto muito de revelar isso. Prefiro guardar para mim.

— Nunca pensou: vou é meter-me nos -78 kg?

— Não quero pensar, é mais isso.

— Lá para a frente da carreira se verá, é isso?

— Não. Enquanto conseguir fazer -70 kg, é onde irei competir.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

É treinada pelo Pedro Jacinto e pelo Miguel Santos. Creio que foram os dois internacionais, o Pedro Jacinto foi ainda mais longe. Quais são as diferenças entre eles. Eles não vão ouvir?

[risos e alguma vergonha em falar]

Como é que é o Pedro Jacinto como treinador?

— É um bom treinador. Tal como o Miguel também é um bom treinador.

Há algum que goste mais de falar? Por exemplo: amanhã não vou conseguir chegar a horas ao treino. Qual deles é que escolhia para dizer?

— Ponho no grupo de treinadores. Não vou conseguir chegar cedo. Provavelmente seria isso.

Gostava de aprender uma nova técnica que viu e com qual deles é que iria primeiro abordar?

— Provavelmente falaria com o Miguel, porque também já conheço há mais tempo. Mas seriam os dois.

Para a semana tenho um campeonato do Mundo que pode decidir muita coisa da minha vida. Estou com algum receio. Com qual dos dois é que falava primeiro?

— Com os dois, lá está, escrevia no grupo.

— Há três anos mudou da Escola de Judo Nuno Delgado para o Algés. O que é que veio à procura no Algés?

— Vim para o Algés porque o Miguel [Santos, treinador no clube com Pedro Jacinto] também veio. Foi aqui que senti bastante mais o espírito de equipa e que tinha pessoas que me apoiam. Para além das outras pessoas que também passaram da EJ Nuno Delgado para o Algés.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Tem algum ídolo no judo?

— … Acho que não.

— Nem a nível nacional? Alguém que que veja e diga: gostava de ser como aquele judoca.

— Claro que há sempre referências: Telma Monteiro, o Jorge Fonseca... São pessoas que inspiram os outros.

— Uma vez que falou no Jorge Fonseca, que também começou e veio da Amadora, sabe que ele tem uma grande admiração pelo teu percurso?

— A sério? Acho que também será pelo facto de sermos os dois da Amadora. Deve ser por isso.

— Com a medalha de ouro no Cazaquistão passou a figurar no apuramento para os Jogos Olímpicos Paris-2024, daqui a três meses. É a primeira vez que sente realmente que a qualificação é possível?

— Após o Grand Prix da Áustria, que me tinha corrido muito mal, pensei: já não dá mesmo. Mas depois, na semana seguinte, consegui a medalha de prata em Antalya, e raciocinei: «OK, se calhar até dá.» Seguiu-se o GP do Tajiquistão e disse: não vai dar. Esta agora, no Cazaquistão,  deu-me, não quero dizer esperanças, nem expectativas, mas mais confiança para dar tudo no Mundial.

— Vai ser um Mundial que decidirá se vai ou não Jogos. E nos últimos dias têm lhe dito para estar sem pressão disto, sem pressão daquilo... É mais fácil dizer do que estar a sentir isso?

— Sim, mas é ir como tenho feito sempre: tranquila e pensar combate após combate.

— É fácil para si, quando entra para esses combates, e sabendo destas contas todas que têm acontecido nos últimos meses, deixar tudo fora do tapete e pensar só no combate? Não pensar: tenho que chegar até aos quartos de final… É fácil alhear-se disso?

— Acho que nessas provas, pelo menos nesta última, tem sido mais fácil abstrair-me porque, para além de tudo isso, também ainda tenho de pensar em divertir-me e tentar fazer um bom resultado sem estar a preocupar-me com pontos, mas só no meu percurso.

Fotografia Miguel Nunes/A Bola

— Pode ir aos Jogos Olímpicos de Paris-2024. Se o conseguir competirá com 19 anos e será a judoca mais nova desde Telma Monteiro em Atenas-2004, que foi com 18. O que é que isso lhe diz?

— Não sei, há poucos meses nem me imaginava estar nesta corrida, portanto, é muito fixe. Será engraçado se marcar presença em Jogos Olímpicos.

Cinco para dois lugares de quota

Não vale a pena fazer muitas contas tais são as variáveis. É simples: quem quiser estar nos Jogos de Paris-2024 tem de ir o mais longe possível no Mundial de Abu Dhabi, que começa domingo. Com Catarina Costa (-48 kg, 6.ª do ranking), Bárbara Timo (-63 kg, 13.ª), Patrícia Sampaio (-78 kg, 9.ª), Rochele Nunes (+78 kg, 7.ª) e Jorge Fonseca (-100 kg, 9.º) qualificados, ainda que não oficialmente, a vitória de Taís Pina (-70 kg) no Cazaquistão e o facto de João Fernando (-81 kg) não ter ganho qualquer combate, assim com Telma Monteiro (-57 kg), fez com que a judoca do Algés passasse a ter virtualmente direito à quota continental, se Fernando caísse para a quota que deriva se outro continente, Oceânia, por não terem atletas suficientes, e Telma ficasse fora da qualificação quando falta uma prova que dá tantos pontos que tudo pode mudar. Assim, e juntando Rodrigo Lopes (-60 kg) e Maria Siderot (-52 kg), se ninguém subir aos lugares de apuramento direto, Portugal tem cinco judocas para duas possíveis quotas.

— Neste momento, ajudou a baralhar todas as contas da Seleção por causa das quotas de qualificação uma vez que passou à frente de uma série de gente. Uma das que pode ficar de fora, devido aos seus bons resultados, é a Telma Monteiro, que é uma das pessoas que admira pela carreira e que está à procura dos sextos Jogos. Isso é algo em que pensa, ou neste mundo não dá, só dá para pensar em nós?

— Sinceramente, antes não tinha pensado muito nisso, mas acho que continuo igual.

— Se for a Paris-2024 será a nona judoca do Algés a participar nuns Jogos Olímpicos. Houve três que conseguiram-no duas vezes, um deles o Nuno Delgado, medalhado de bronze em Sidney-2000, e o último foi em Pequim-2008, mas será a primeira mulher do Algés, no judo, a ser olímpica. Como é que vê isso?

— Acho que será especial, ainda por cima por ser uma mulher. Se tal acontecer será bom.

Taís virtualmente qualificada para os Jogos, Telma deixa de figurar nas quotas

13 maio 2024, 12:33

Taís virtualmente qualificada para os Jogos, Telma deixa de figurar nas quotas

Vitória no Grande Slam do Cazaquistão colocou a júnior do Algés (-70 kg) com um pé em Paris-2024 e ajudou a baralhar as contas da Seleção que também envolvem João Fernando (-81 kg), Telma (-57 kg), Rodrigo Lopes (-60 kg) e Maria Siderot (-48 kg) e que só o Mundial da próxima semana, última prova de qualificação, esclarecerá.