JOGOS OLÍMPICOS O presidente do Benfica que andou ao Tiro em Paris
Félix Bermudes foi atleta olímpico antes e depois de presidir ao clube das águias; despediu-se há 100 anos em Paris e é uma figura cheia de história e de histórias… como a do Leão da Estrela
«O senhor Félix Bermudes concorda em parte com o projeto (…) para nome do clube alvitra que se denomine “Sport Lisboa e Benfica”. (…) É este nome o que mais convém aos dois clubes, pois um é vulgarmente conhecido por Sport Lisboa, e o outro por Sport Benfica».
Está em ata. Ainda que possa não dizer muito à grande maioria dos benfiquistas, o nome de Félix Bermudes é fundamental na história do Benfica. Com tudo o que fundamental quer dizer.
Porque no momento de fundação da união entre os dois clubes que formaram o que é desde 4 de setembro de 1908 o Sport Lisboa e Benfica, foi por proposta de Félix Bermudes, em representação de Cosme Damião, que surgiu a denominação que tem trilhado o caminho na história do desporto no último século.
E escrito na história daquela personalidade de múltiplas facetas também estão duas participações em Jogos Olímpicos. A primeira em Antuérpia (1920) e a segunda, a cumprir agora 100 anos, em 1924, em Paris.
E o que tem ele a ver com o Leão da Estrela? Tem tudo! E com a Sociedade Portuguesa de Autores? É figura fundadora.
Mas já lá vamos. Haja alguma ordem na história desta personalidade olímpica nascida no Porto e que se definia como «rigorosamente tripeiro, com muita honra».
Comecemos precisamente por aí. Félix Redondo Adães Bermudes nasceu a 4 de julho 1874, no Porto. Foi o infortúnio de ter ficado órfão de pai e mãe ainda muito novo, com cerca de seis anos, que o fez rumar a Lisboa, onde estava já o seu irmão mais velho a trabalhar como arquiteto.
«Campeão? Só de futebol, tiro, esgrima e atletismo»
Na capital, Félix Bermudes fez o Curso Superior de Comércio, mas essa foi uma área na qual não trabalhou, a avaliar pelo que o próprio disse numa entrevista dada em 1958 à Rádio Clube Português, na qual admitia que «a única atividade remunerada» que teve foi a de dramaturgo.
Não obstante ter tido o que atualmente se poderia considerar uma carreira de atleta de elite. «Campeão só fui de futebol, de tiro, de esgrima e de atletismo», como brincou na mesma entrevista.
O nome de Félix Bermudes não faz parte do lote de 24 fundadores do Benfica, mas os relatos da época colocam-no desde muito cedo na história do clube. Ainda assim, terá sido dos primeiros a juntar-se, tendo tido particular importância na escolha do lema.
A águia que escreveu o Leão da Estrela
Apesar do vasto currículo desportivo, foi às letras que Félix Bernardes dedicou a maior parte da sua vida. Ao todo, escreveu 105 peças de teatro, entre as mais famosas, o «Leão da Estrela», que assinou, como muitas outras, com Ernesto Rodrigues e Arthur Duarte, e que depois viria a ser adaptada ao cinema.
Com a fama de dar-se bem com toda a gente, Félix Bermudes foi durante muito tempo sócio do Sporting, e escreveu aquela peça estreada em 1925 no Teatro Politeama, centrada num adepto fanático dos leões e que relata peripécias familiares de uma viagem para o Porto para um Clássico entre Sporting e FC Porto.
No currículo do presidente-olímpico-dramaturgo consta ainda a fundação da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, antecessora da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), à qual presidiu entre 1926 até à sua morte, em 1960.
Mas primeiro o lado desportivo. Com 29 anos à data da fundação do clube, terá sido um dos primeiros «tripeiros» a vestir a camisola do clube que muito contribuiu para que ainda seja conhecido como Glorioso.
Em 1906, num momento conturbado dos primórdios do clube, provocado pela saída de oito jogadores e algumas dezenas de associados para o Sporting, além de ter contribuído financeiramente para a sustentação do jovem clube, Félix Bermudes jogou e foi capitão do Benfica, ele que jogava a extremo direito.
No mesmo ano, em dezembro de 1906, representou o Benfica na primeira competição de atletismo em que o clube participou, fazendo as provas de 100 metros, 300 metros obstáculos, salto em comprimento e 1800 metros.
Mas seria no tiro que atingiria o estatuto de atleta olímpico, quando isso tinha um significado bem distinto daquele que tem hoje, e todos os participantes dos Jogos Olímpicos tinham de ser atletas amadores.
A estreia de Félix Bermudes em palcos olímpicos aconteceu na Bélgica, em 1920, e repetiu-se em Paris, quando ele já se aproximava dos 50 anos de uma vida que durou 85.
Se em 1920 integrou a equipa de Portugal em cinco provas de tiro – arma livre a 300 e a 600m, deitado; arma livre a 300m, em pé; e arma livre 300 a 600m; - na capital francesa, participou apenas na competição de tiro arma livre por equipas, numa prova na qual Portugal foi 17.º classificado, em 18 países.
Sem que os resultados sejam particularmente entusiasmantes, aquilo que mais chama a atenção na participação de Félix Bermudes é que quando foi atleta olímpico ele já era… ex-presidente do Benfica.
Quatro anos antes da estreia olímpica, 15 de julho de 1916, Bermudes foi eleito presidente e ficou no cargo por… 83 dias. Isto porque aquele mandato tinha como objetivo ultimar a integração do “Desportos de Benfica”, para que o Sport Lisboa e Benfica deixasse de ser um clube exclusivamente de futebol, para passar a ter vários desportos.
Esse acordo permitiu ao Benfica ganhar «uma magnífica sede com campo para futebol, rinque de patinagem, campos de ténis e carreira de tiro», conforme se lê no site das águias.
Bermudes voltou a ser eleito em 1930, mas recusou tomar posse, voltando a ser eleito mais de 30 anos depois da primeira passagem pelo cargo, em janeiro de 1945, mantendo-se na presidência durante um ano, período no qual o clube celebrou um título de campeão nacional (1944/45).
É ainda da autoria o hino «Avante, Avante P'lo Benfica».