JOGOS OLÍMPICOS O campeão olímpico que ninguém sabe quem é
Identidade de um dos elementos que venceu o ouro numa prova de remo em 1900 nunca foi conhecida. Dupla neerlandesa levou como timoneiro uma criança que ‘convocou’ na margem e que no final da prova… desapareceu
A edição de 1900 dos Jogos Olímpicos ficou na história como uma das (talvez ‘a’) piores de sempre.
Isto, apesar de se ter realizado em Paris, cidade natal do conde Pierre de Coubertin, considerado o pai das Olimpíadas da Era Moderna, que quatro anos antes tinham tido a edição inaugural em Atenas.
A justificação histórica para o fracasso é simples de explicar: sem cerimónia de abertura nem de encerramento, a competição durou mais de cinco meses, entre maio e outubro, mas foi tido como um evento paralelo à Exposição Universal que nesse ano também decorreu na capital francesa.
De tal forma que muitos dos cerca de 1200 atletas oriundos de 26 países que integraram o evento… nem sabiam que estavam a participar nuns Jogos Olímpicos.
Mas foi também nessa edição que nasceu o maior mistério da história dos Jogos Olímpicos: o campeão olímpico que ninguém sabe quem é.
Um enigma que, 124 anos depois, continua por resolver e que, com o passar dos anos será cada vez mais difícil de solucionar.
Sem nome, idade ou nacionalidade: só cara
Os contornos da história daquele que ficou eternizado como «unknown french boy», o miúdo francês desconhecido, só são compreensíveis se nos conseguirmos transportar para a realidade de 1900. Porque até à vista das regras da atualidade seria impossível de acontecer.
Considerada favorita à conquista da medalha de ouro, a dupla de remadores neerlandeses François Brandt e Roelof Klein foi surpreendida nas eliminatórias, tendo sido superada por uma embarcação francesa. E o segredo estava… no timoneiro gaulês.
«Remámos o melhor que conseguíamos, éramos mais fortes do que os nossos adversários, tínhamos ambos muitos anos de experiência e nunca tínhamos perdido uma corrida no nosso país. Mas as circunstâncias não eram iguais, porque as equipa francesas tinham como timoneiros crianças com cerca de 25 kg, enquanto nós tínhamos de puxar 60 quilos», explicou, anos mais tarde, François Brandt.
De resto, a prova de que a estratégia dos franceses era vencedora, é que cinco das sete embarcações que participaram na final eram gaulesas, além da dupla neerlandesa e de uma belga.
E lá diz o povo (ou podia dizer): para males pesados… leves remédios.
Brandt e Klein abdicaram do timoneiro que tinham inscrito, Hermanus Brockmann, após as eliminatórias e foram à pesca de alternativa nas margens do Sena.
«Depois de ter sido confirmado o nosso apuramento como os vencidos mais rápidos, o nosso treinador decidiu, com a nossa concordância, que devíamos procurar uma criança. Rapidamente encontrámos um miúdo que tinha sido timoneiro de uma das equipas francesas eliminadas, e que pesava 33 quilos», recorda Brandt, revelando como tiveram de recorrer a um peso extra para a embarcação competir nas condições ideais.
«Mesmo com ele no lugar de timoneiro, o leme ficava acima da superfície da água, por isso tivemos de acrescentar um peso de cinco quilos, para fazer baixar o leme. Mesmo assim, comparando com as eliminatórias, ganhámos 22 quilos», orgulha-se.
Certo é que a receita funcionou e, na final, a dupla dos Países Baixos venceu os franceses Lucien Martinet e René Waleff por dois décimos de segundo, atirando para o último lugar do pódio os também gauleses Carlos Deltour e Antoine Védrenne.
No final da prova, Brandt e Klein ainda tiraram uma fotografia com o jovem e improvisado companheiro que os ajudou a sagrarem-se campeões olímpicos e que, cumprido o seu papel… desapareceu sem que o seu nome, idade ou nacionalidade ficasse registado.
Como prova da sua existência, apenas uma fotografia de baixa qualidade.
Francês? O mais novo de sempre? Quem sabe…
Desapareceu o miúdo, ficou o mistério.
A história foi revelada pela primeira vez na segunda metade da década de 1960 pelo neerlandês Tony Bijkerk, membro da Sociedade Internacional de Historiadores Olímpicos.
Mas na altura como agora, com muito mais dúvidas do que certezas.
Muitos jornalistas e historiadores que tentaram deslindar o mistério ao longo dos anos, mas o melhor que conseguiram foi fazer crescer a lenda.
Por exemplo, o «miúdo desconhecido» já foi apontado como «o mais novo campeão olímpico de sempre»; como sendo georgiano e não francês, como isto e como aquilo. Mas todas as teorias esbarram na falta de provas.
E no regresso dos Jogos Olímpicos a Paris, vai permanecer o mistério sobre quem era aquele miúdo que guiou Brandt e Klein até ao ouro na prova que decorreu no Sena, entre as pontes de Courbevoie e Asnières.