Entrevista a Frederico Morais: «O que interessa é como te levantas, não como cais»
Frederico Morais assegurou a qualificação para o Circuito Mundial. É a terceira vez entre a elite do surf, o segundo regresso. Agradeceu a ele mesmo e à equipa que o acompanha.
Frederico Morais está de regresso ao Championship Tour (CT), circuito de elite da Liga Mundial de Surf (World Surf League). Um retorno que acontece uma época depois de ter caído no Challenger Series (CS), prova de qualificação para o CT.
É a terceira vez que Kikas estará na 1.ª divisão do surf mundial após a queda no cut da temporada passada (2022), um modelo competitivo, em estreia, e no qual uma linha dividia os surfistas que seguiriam para a disputa do título nas WSL Finals, entre os cinco melhores do ranking e os que lutariam pela requalificação via Challenger Series.
O surfista português pendeu para o segundo grupo e caiu para o lado da luta pelo regresso onde estava um ano depois de ter feito a melhor classificação: 10.º do ranking WSL, em 2021.
A frustração tomou de assalto o pensamento. «Não era segredo. Sempre fui contra o cut e muitos surfistas sofreram com isso», assinala 24 horas depois de ter assegurado um lugar entre os 10 primeiros do ranking CS ao ter passado para os oitavos de final do Saquarema Pro, última etapa do circuito de qualificação para o CT, prova a decorrer no Rio de Janeiro, Brasil.
«Mas é isso mesmo que os surfistas são feitos, canalizar a frustração para momentos bons e foi o que fiz este ano e consegui», confessa A BOLA, em conversa telefónica, a partir do litoral do Rio de Janeiro.
Uma questão de confiança e agradecimentos na primeira pessoa
Na hora dos festejos e em plena praia de Itaúna direcionou agradecimentos sui generis a ele mesmo. «Agradecer a mim, por acreditar em mim, e se acreditas em ti tudo é possível», exclamou na curta entrevista ao site da WSL.
«Às vezes esquecemos de valorizar-nos a nós mesmos e isso acho que é o mais importante ao fim do dia», sustenta. «Se eu não acreditar, todos os outros podem acreditar, mas não vai acontecer, mas se ninguém acreditar e eu acreditar, vai acontecer», assegura A BOLA.
Agarra na palavra confiança, as oito letras que o ajudaram a consumar o regresso à elite. «Nós, atletas, e no surf, desporto individual em que dependemos só de nós e não temos uma equipa a surfar connosco, isto é, quando fazemos uma má onda não dá para ser substituída por outra, isso não existe, ora, ou eu tenho essa confiança, querer e força de vontade ou é complicado», assinala. «Às vezes as pessoas esquecem-se de se valorizar a elas mesmas. Acreditar nelas e nas capacidades que têm e que um momento menos bom não define o que fizeram ou vão fazer», continua. «Daí esse agradecimento e soube-me bem colocar esse desafio a mim mesmo, acreditar nele, saber que conseguia e fazê-lo», remata.
Prossegue no tema e divaga sobre estado de espírito que o caraterizou nesta temporada que antecede a qualificação olímpica (Paris 2024). «Não foi ganhar mais confiança em mim mesmo, mas se calhar levar as coisas com outro andamento, outra leveza. Se calhar, aproveitar as coisas que antigamente não dávamos tanto valor, pequenas coisas, pequenas vitórias nas minhas rotinas que me fizeram acreditar e que estava no caminho certo, que estava a fazer o trabalho e o que me podia levar à requalificação», detalha. «E quando conseguimos canalizar as coisas todas num só objetivo acaba por ser muito mais fácil brilhar, conseguir bons resultados e mostrar aquilo que realmente vales», frisa.
As sete vidas de Kikas
Frederico Morais parece ter sete vidas. Esta é a terceira qualificação para o Circuito Mundial. Qualificou-se, pela primeira vez, em 2017. Desde então viveu duas ressacas na sequência de duas despromoções, sempre nas segundas épocas entre a elite.
O caminho resume-se a entrar, sair, cair, levantar e regressar. «É como tudo na vida, altos e baixos, não estamos sempre bem na vida e a vida de um atleta é assim mesmo, temos momentos bons, trabalhamos para melhorar, aparecemos mais forte e há percalços», atesta Kikas.
«No surf dependemos do mar e temos muitos fatores que não dependem só de nós apesar de trabalharmos e fazermos tudo certinho», exclama. «A única mensagem que retiro disso é uma frase clichê: o que interessa é como se levanta, não é como se cai. É cliché, mas é isso que penso e tenho gravado na minha cabeça para ultrapassar bons e maus momentos, viver os bons com alegria, ultrapassar os maus para voltar a vingar», confessa.
Apesar dos muitos anos na alta-roda, a paixão pelo surf e competição permanece na mente de Frederico Morais. «Adoro o que faço, adoro o surf e sou viciado em competição. Mais que competir adoro surfar, mas sou um competidor nato, adoro o desafio de competir», resume.
«Será um ano cheio»
Aos 31 anos admite não ser «tão frio» na gestão da carreira como é, muitas das vezes, dentro de água.
Na primeira etapa da próxima temporada terá 32 anos. Cumprirá um pouco mais de 20 anos desde que partiu para a Austrália em busca de fazer do surf um modo de vida.
Não faz planos racionais nem pega na folha Excel para planear o futuro. Este, é desenhado «dia a dia, ano a ano», um caminho no qual «há muito ainda pela frente», começa por dizer. «Sinto que tenho muito para dar, tanto fisicamente como mentalmente. Sinto-me completamente tranquilo para competir durante mais alguns anos. Até quando? Não sei. Depende da vontade e do que for acontecendo. É uma pergunta para a qual não tenho resposta imediata. É ir vendo...», antecipa.
A evolução faz da modalidade e das manobras dentro de água não retiram a crença e a fé no seu estilo mais clássico, vintage, atual e eficaz há 10 anos, hoje e daqui a 10 temporadas continuará a ser pontuado. «Acredito muito nisso (na pontuação ao estio clássico)», realça. «Há sempre espaço para todos os estilos de surf, o que não impede que não possa trabalhar outras áreas do surf», diz. «Felizmente passei já vários heats com aerials e apesar de não dar todos os dias tenho sempre guardado na manga e consigo sacar o coelho da cartola», conta.
A evolução é um caminho natural. «Isso não impede que queiramos trabalhar mais e evoluir e esse é o truque», assinala. «Ir acompanhando a evolução e sair da zona de conforto é o mais importante. Sinto que faço isso com o Richard, tentamos trabalhar muitos outros aspetos que se calhar a olho nu um surfista do dia-a-dia não consegue perceber tecnicamente as diferenças, mas um juiz consegue e os treinadores conseguem ver a evolução que há e nós estamos sempre a procurar isso», atesta.
As etapas de 2024 estão definidas e a pergunta é óbvia. «A única etapa que vou ter saudades e infelizmente saiu é Jefferey´s Bay. Etapa que adoro e um lugar que adoro, mas como vou prolongar-me no tour pode ser que ela volte», sorri. «E terei sempre o Havai, onde fui e quero continuar feliz. Será um ano cheio», promete.
Por detrás de um grande surfista, há uma equipa que ajuda ao sucesso
É outro clichê: por detrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Frederico Morais, surfista nascido em Cascais, é um dos grandes nomes do surf mundial e referência para todos os surfistas nacionais.
Está de regresso aos “grandes”. Apesar da individualidade do desporto que pratica, não esquece a teia de complexidades que o ajudou e ajuda ao seu sucesso.
Por isso, não é de estranhar que partilhe os louros com a equipa que o acompanha e reconheça o papel determinante desempenhado pelos homens e mulheres que vivem na sua sombra. Uma base mantida há largos anos, do qual o nome mais falado é Richard “Dog” Marshal, treinador que mereceu o abraço da qualificação na ronda 32 do Saquarema Pro, considerado como «um segundo pai».
«Parte do segredo, foi a equipa com quem cresci, sempre acreditei e sempre acreditaram em mim, nunca me viraram as costas e eu também nunca o faria em relação a eles por estar a passar um momento menos bom», assume. «Em vez de nos afastarmos, serviu e serve para nos reunirmos, arranjar formas de organizar e voltar mais fortes e foi sempre isso que procurei com a minha equipa», sublinha. Uma equipa que «vai desde a minha mulher, amigos, família, treinador, psicólogo, mentor, agente e à minha agente, muitas pessoas que estão por detrás do sucesso todo que não sou eu», enumera. «E que tenho muita sorte, sempre ficaram comigo, sempre me apoiaram e sempre acreditaram», recorda. «E mesmo quando duvidei, tropecei, acreditaram e fizeram-me acreditar em mim mesmo. É de muito valor e são coisas em que não há como pagar», finaliza.
Números: Temporada 2023
Boost Mobile Gold Coast Pro, Austrália – 25. º (1,700 pontos)
GWM Sydney Surf Pro, Austrália, 5. º (4,745 pts)
Ballito Pro, África do Sul, 2.º (7,800 pts)
Wallex US Open of Surfing, EUA, 33.º (700 pts)
EDP Vissla Ericeira Pro, Portugal, 9. º (3,320 pts)
Corona Saquarema Pro, Brasil, a decorrer
Percurso: Kikas no CT
Após terminar o World Qualifying Series (WQS) em 3.º do ranking, Frederico Morais qualificou-se para o WCT em 2016. Em 2017 terminou em 14.º. Na temporada seguinte foi 23.º. A pandemia do COVID-19 suspendeu todas as provas da Liga Mundial de Surf. O ano de 2021 ficará sempre marcado na carreira: terminou em 10.º e atinge a melhor posição do ranking. 2022 (29.º) cai para o Challenger Series e não consegue a requalificação. Esta temporada alcança a terceira promoção à elite.