Entrevista A BOLA: «Este era o meu sonho desde criança e é realidade»

Natação Entrevista A BOLA: «Este era o meu sonho desde criança e é realidade»

NATAÇÃO31.07.202308:51

Concretização do objetivo que levou ao Japão, convites das universidades americanas, a família que atravessa meio mundo para o apoiar, o que faltou realizar, Covid... o nadador do Benfica, 18 anos, falou com A BOLA sobre a semana que viveu em Fukuoka e na qual ganhou a prata aos 50 mariposa, primeira medalha de Portugal em Mundiais.

À partida para o Japão contou que levava um objetivo para o Mundial, forte, até porque é exigente, mas não o podia revelar. Agora já pode?

— Sim claro… [risos]. Tinha um objetivo na cabeça, mas era também um sonho. Declarei aquilo porque, se naquela altura o dissesse, muita gente poderia começar a colocar pressão, a enviar mensagens ou gozar de que não era possível. Mas. no meu pensamento, já ia para a medalha nos 50 mariposa. Era esse o objetivo. Não o revelei para me salvaguardar, mas era o que queria. É aquela meta que os atletas estabelecem e ao mesmo tempo é um sonho. Pode acontecer, mas ainda é mais para menos do que para o mais. Percebe?

— Sim, claro.

— Quando na final toquei na parede, foi um sonho tornado realidade. Não esperava porque a eliminatória, em que fui 6.º empatado com o [Thomas] Ceccon [italiano que veio a ser campeão], e a meia-final, na qual passei à rasca em 7.º, haviam corrido mal. É a verdade. Na eliminatória falhei a chegada, acabei quase a bater com a cabeça na parede. E na semifinal, ao partir, saí mal e fiquei logo um corpo atrasado. De tal forma que quando cheguei junto da equipa disse: ‘Deve ter sido a minha melhor prova de sempre’. Dei o coração, dei tudo dentro de água para recuperar o atraso. Por isso, antes da final, ao conversar com o presidente da federação [António José Silva], quando me perguntou o que é que achava de dava para fazer, respondi: ‘Se correr tudo bem faço 22,80s’. Foi mesmo assim. ‘Mas se correr otimamente bem, 22,70’. Correu tudo bem e consegui 22,80. Foi a comprovação de que, mais uma vez, tinha razão e sabia o que podia realizar.

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— O que significa para si esta medalha de prata nos 50 mariposa na estreia num Mundial absoluto? Apenas a concretização desse sonho?

— O que é que posso dizer, ainda tenho 18 anos, não é? Acabei de entrar num mundo absoluto, sénior, por isso estou a viver esse sonho na modalidade que pratico. Estar a conseguir atingir medalhas, como a do Europeu de Roma no ano passado [bronze aos 50 livres], só me faz desejar mais e tentar perceber na cabeça o que poderá acontecer nos Jogos [Paris-2024]. Tenho treinado bem para isso e estive 100 por cento empenhado no Mundial. Houve a infelicidade de ter ficado uma semana parado há um mês [Covid] e penso que isso mexeu um bocado com os 100 mariposa em termos da segunda metade da prova, mas está tudo bem. Consegui a medalha nos primeiros campeonatos. O objetivo está mais do que cumprido. Ter sido prata é mesmo espetacular.

— Mas pensa que já lhe caiu a ficha da importância que tem essa medalha?

— Eh… acho que não. Acredito que quando um atleta, mesmo no geral, alcança um resultado destes nunca percebe bem o que acabou de realizar. Se ficar a pensar nisso sozinho dez minutos chego à conclusão: ‘Fogo! Sou o segundo melhor do mundo. E agora não é nos juniores, é mesmo nos seniores. Já não sou aquele menino que no ano passado ganhou três ouros [50 livres, 50 e 100 mariposa]. Provavelmente isto estava programado para terminar em 10.º ou se tudo corresse bem, passar à final. Mas fui o segundo melhor do mundo. Para mim anda é irreal. Mas tenho de me ir habituando. É muito bom!

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Regressando aquando bateu na parede na final dos 50 mariposa, teve logo a sensação de que havia sido muito bom? Ficou surpreendido ao olhar para o quadro? Como foi essa reação?

— Quando toquei na parede já sabia que tinha ido para a medalha, só não sabia qual. Isto porque, debaixo de água nos 50 mariposa, por volta dos 35m, tento olhar pelo canto do olho, se estou numa linha, à frente dessa linha, ou atrás. Nesse momento só consegui ver uma pessoa ao meu lado [Diogo nadou na pista 1], mais ou menos na pista 6, era o Ceccon. Os outros via-os atrás. Aliás, logo na saída pensei: ‘Parti bem, agora só tenho de me preocupar em dar o máximo como fiz na meia-final. E a chegada tem de correr bem’. Não sabia se havia terminado em 2.º ou 3.º, mas não andaria longe disso. Apenas depois é que percebia que só tinham sido 2 centésimos de diferença [para o francês Maxime Grousset, bronze]. Pensava que era mais.

— Então emocionou-se?

— Sim, tive aquela reação em que até comecei a chorar, mas não por não ter sido 1.º classificado. Fiquei foi contente. Finalmente consegui que tudo desse certo quando era preciso e melhorei o que tinha falhado. Foi só por isso.

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Mas, se o conheço bem, apesar desse ar calado e tranquilo, queria mais neste Mundial. Nadou quatro provas individuais [50, 100 livres, 50 e 100 mariposa], chegou às meias-finais em todas, disputou uma final, bateu o recorde nacional e ganhou a medalha de prata. O que é que faltou?

— Queria ter melhorado todos os meus recordes nacionais. Por exemplo, gostava de ter feito 50s aos 100 mariposa [51,54, 13.º], nadado abaixo dos 47,98 aos 100 livres [48,13, 10.ª] que já fiz em abril. Houve uma série de coisas que acabaram por não correr bem. Não sei se foi por causa de ter tido logo à medalha na primeira prova. Fiquei demasiado feliz, digamos. Mas dei sempre o máximo que podia.

— Está a dizer que as emoções da prata lhe afetaram um bocado a concentração?

— Sim, completamente. Até porque quando se ganha uma medalha deste nível é difícil dormir à noite. Estamos sempre a pensar no que aconteceu, no que se estará a pensar em Portugal — não faço a mínima ideia —, comecei também e lembrar-me da imprensa, também foi muito tempo sem falar com eles… Tive de começar a libertar-me de tudo isso. Por isso é procurei afastar-me um bocado, isolar-me mais [redes sociais] para focar-me nas outras provas. Há demasiadas ideias e começamos a raciocinar demasiado, mas de uma maneia geral correu bem. Agora estou focado é nas férias [risos]. Depois é voltar a trabalhar mais e melhor, de maneira que faça uns Jogos Olímpicos históricos também para Portugal.

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Se tivesse de escolher uma, qual era a outra final que gostaria de ter disputado?

— … Dos 100 mariposa [13.º, 51,54]. Foi uma final bastante forte. Depois estive lá sentado a vê-la. Acho que o meu tempo ficou aquém do que esperava. Aliás, logo na eliminatória pensava que tinha feito 50s [51,57], sou sincero, mas depois percebi que havia passado [aos 50m] devagar, 24,00. Agora é melhorar isso seguido sem parar. Creio que também chegarei bem aos Jogos nos 100 mariposa [em Paris vai competir ainda nos 50 e 100 livres. Os 50 mariposa não são prova olímpica].

— Há pouco recordou que esteve parado na parte final da preparação. Foi devido à Covid. Em algum momento sentiu ou ficou-lhe na ideia que tal ter acontecido um mês antes e ter ficado impedido de treinar uma semana pode ter feito a diferença quando se procura melhorar ao milésimo?

— Não vou dar desculpas por ter tido Covid ou ter parado, não sou um atleta desses. Mas, para qualquer nadador, ficar uma semana sem treinar a um mês de uma competição desta dimensão mexe com a resistência. Provavelmente não tanto com a velocidade, uma semana pode ser considerado taper para um velocista — comecei foi demasiado cedo —, mas afetou-me. Percebi logo ao parar aquela semana. Quando vamos de férias são três semanas e notamos quando voltamos. Mas depois procurei-me focar ao máximo. Diria até que não sei se outro atleta conseguiria dar a volta e concentrar-se no Mundial sem pensar que esteve sete dias sem treinar.

— Há uma prova sobre a qual ainda não falámos, a estafeta dos 4x100 estilos de ontem. Como é que foi também bater esse recorde [16.º, 3.35,63m]?

— Espetacular! O João [Costa, 54,13s] entrou muito forte [a costas]. Não foi o melhor dele, mas estava concentrado. Sim, chegou em primeiro, mas se calhar até pensava que ia mais rápido. Depois o Gabriel [Lopes, a bruços] fez com certeza o melhor parcial da estafeta. 1.00,57 será o seu melhor em estafetas e até nas provas individuais. Eu [a mariposa] fiz 51,76, mas queria 50s. E no fim o Miguel [Nascimento, a crawl] conseguiu 49,17. Diria que eu e o Mike temos de melhorar cerca de 1s e o João pequenas décimas. O Gabriel está perfeito. Se trabalharmos esta estafeta temos margem de progressão e se tudo correr bem não duvido nos iremos qualificar para os Jogos.

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Mas dá-lhe gozo nadar na estafeta?

— Claro que sim. Já tinha comentado isso com o Igor [Silveira, preparado físico] e o resto da equipa técnica. É estranho porque quando estamos na estafeta parece que vamos com mais cabeça e ao mesmo tempo mais descontraídos por sermos quatro. Sabemos que o trabalho é de todos. E por vezes os tempos são melhores quando não espetávamos. Além disso, na esteta penso sempre mais nos colegas do que em mim, é engraçado. Foi uma prova muito boa, diverti-me imenso e ainda tirámos cerca de 2s ao anterior recorde.

— Regressando às emoções do dia da medalha, estar no pódio, ver a bandeira nacional, dar a volta de honra à piscina…, como contou, isso mexe muito com a pessoa. Houve alguma diferença entre agora e quando passou pelo mesmo há um ano, no Mundial de juniores de Lima?

— Quando fui para o Campeonato do Mundo júnior [setembro de 2022] já sabia os meus tempos [vinha do Europeu absoluto], assim como o dos outros. Não ganhar lá medalha é que teria sido estranho. Esperava chegar ao pódio. Aqui no Japão não havia tanto essa confiança, por isso digo que fui apanhado um bocado de surpresa. Foi superbom dar aquela volta com o Thomas Ceccon e o Maxime Grousset [pódio igual ao do Euro 2022, mas com o português e o francês a trocarem de lugares]. É um orgulho estar com esses atletas top mundial. Era esse o meu sonho desde criança e que se está a tornar realidade.

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Após regressar do Mundial júnior contou que havia vários adversários que face aos seus resultados queriam vir treinar consigo a Portugal e com a equipa técnica liderada por Alberto Silva no CAR Jamor. Agora que já compete ao nível máximo isso também aconteceu? Houve muita curiosidade, convites?

— Não, o que há é bastantes convites das universidades americanas para ir para lá. Muitos treinadores vieram ter comigo a convidar-me, mas já lhes disse que estou focado neste ciclo olímpico, está a correr bem, e vou continuar em Portugal. Não tenho interesse em mudar, quero continuar a trabalhar com o Alberto Silva. Quanto aos adversários, agora é diferente. No máximo dão-me os parabéns e pedem para tirar fotografias e dar autógrafos. Mas quando saía da zona reservada aos nadadores e com a quantidade de pessoas no Japão que adoram a natação, não podia andar dois metros que vinham logo pedir autógrafos. Vem um, aparecem logo uma data deles atrás. Isso aqui é engraçado.

— Sentiu-se uma estela nesses momentos?

— Não... Ainda posso dizer que continua a ser estranho. Acho até que nunca me habituarei a isso. Digamos que penso que não sou uma pessoa para estar à frente da câmaras. Gosto mais de fazer estes resultados e não aparecer tanto. Mas sei que vai ser complicado.

Fotografia FPN

— Já cumpriu o ritual de dormir com a medalha depois de a ter ganho?

— Já! Até tenho uma fotografia a acordar com a medalha, mas essa fica entre a equipa. É o momento de acordar… [risos].

— Quem é que ficou com o dorsal com o seu nome que levou quando foi à final dos 50 mariposa e o que depois levou ao pódio? Por vezes costumam ser cobiçados e esses são históricos.

— Distribuí todos. Creio que nem fique com nenhum. Nem os das meias-finais. Dei todos: ao Igor, ao Samie [Elias, biomecânico], ao Alberto [Silva, selecionador], ao Daniel [Moedas, fisioterapeuta]… Já nem sei, mas acho que não tenho nenhum. Acho que o da medalha foi para o Alberto.

Fotografia FPN

— Como foi, uma vez mais, poder festejar tudo com a família?

— Para mim é incrível. O que é que posso fazer, já lhes disse para não gastarem dinheiro para virem ver-me, mas é claro que me dão uma forcita. Saber que estão ali a assistir e apoiar-me e que praticamente deram a volta a meio mundo — principalmente um dos meus tios que vive no Panamá —, só lhes posso agradecer porque não é fácil estar sempre a viajar. Mas, para mim é muito importante e eles sabem-no.

— Além da sua mãe, irmã e tio estava aí mais alguém?

— Bem, estava: a minha mãe, a minha irmã e o namorado, o meu tio, tia, o meu primo e o outro tio. É uma comitiva maior que a portuguesa…

Fotografia Luís Filipe Nunes/FPN

— E agora férias! Têm de ser mais curtas porque no início de fevereiro há outro Mundial em Doha?

— Não, vão ser três semanas. Recomeçamos a 21 de agosto. Será como no ano passado. Dá margem para descansar e regressar porque há um ano comecei no final de setembro. Vamos ter mais do que a tempo para preparar a época.

— Antes de partir para o Japão falou um pouco da sua religiosidade e já ter ido a Fátima várias vezes, como aconteceu depois do Europeu de Roma e Mundial júnior de Lima. Após este resultado, esta medalha e este campeonato coloca a hipótese e regressar brevemente a Fátima?

— Claro que sim. Quando voltar a Coimbra [onde vive a família, Diogo está integrado no CAR Jamor] pretendo ir lá agradecer.