Ciclismo Entrevista A BOLA: «Arranjo espaço para esta medalha nem que desvie as duas de campeão europeu»
A camisola arco-íris e a medalha de ouro passaram a noite penduradas no espelho da cómoda do quarto de hotel em Glasgow, merecendo uma storie de João Martins que competiu ontem no Velódromo Sri Chris Hoy naquela cidade escocesa, longe, porém, do brilho que Iuri Leitão, o dono dos precisos objetos, chamou a si, este domingo, quando se sagrou campeão no concurso de omnium olímpico dos Campeonatos do Mundo que, pela primeira vez, unificam todas as disciplinas do ciclismo.
«Por acaso ainda não pensei onde vou colocar a medalha e a camisola lá em casa, mas seguramente arranjo espaço para esta, nem que tenha de afastar as duas de campeão da Europa», afiançou a A BOLA o corredor da Caja Rural, de 25 anos, bem-disposto, mas admitindo-se «cansado». E não porque tenha havido tempo para folia para celebrar os 187 pontos totalizados que lhe renderam o mais alto lugar do pódio de sempre de um português na elite da pista, à frente do francês Benjamin Thomas e do japonês Shunsuke Imamura, segundo e terceiro classificados, respetivamente.
«Estou cansado porque venho acabadinho de treinar. Foi uma horinha na pista para manter a forma», tratou de explicar o atleta de Viana do Castelo, ainda com a cabeça no mundo dos sonhos tal como na véspera. «Confesso que ainda não acordei muito bem desse sonho. Aliás, acordei várias vezes de noite. Não sabia se tinha sido mesmo campeão mundial e procurava pela medalha e pela camisola para ver se estavam mesmo ali. Ainda é uma sensação indescritível», resumiu Iuri Leitão que soube impor-se no scratch, a primeira prova pontuável, atacou logo no início na corrida por pontos, foi segundo na eliminação, mas soube gerir os pontos para amealhar os suficientes durante os 25 quilómetros finais e manter vivo o sonho de ser campeão mundial.
Sendo a pista ainda um parente pobre do ciclismo em Portugal, onde a tradição da estrada move multidões, Leitão viveu o seu grande momento de glória – no jovem currículo registam-se outros, mas nenhum desta dimensão – e espera com ele contagiar o público para os feitos nacionais da pista. «É uma disciplina ainda com pouca tradição em Portugal, mas a Seleção Nacional tem evoluído muito nos últimos dez anos e obtido resultados. Competir com atletas com décadas de aprendizado e conseguir conquistar uma medalha de ouro é muito bom, um motivo de orgulho e satisfação para todos e para mim, claro», exultou, lembrando de que o Mundial «é a prova que mais pontos dá para a qualificação olímpica» para os Jogos de Paris, daí o feito ter sido vivido com tudo ao máximo».
Com «muito respeito» pelos adversários, Iuri Leitão só deixou extravasar as emoções quando terminou a prova, apesar da margem que foi granjeando ao longo da competição. Com a bandeira portuguesa na mão e um turbilhão de emoções na cabeça, o campeão foi claro nos pensamentos que lhe povoaram a mente. «Pensei em tudo o que passei até chegar àquele momento, pelo muito trabalho que fiz, pelas privações, pensei na família, na minha namorada que me atura todos os dias [risos] e que sempre acreditaram numa boa classificação. Esta é uma medalha de ouro e numa oportunidade única, pois é a única prova em que ia participar neste Mundial. Havia pressão e, naquele momento, senti um alívio imenso. Foi uma sensação muito boa!», recordou.
Apesar de ser o seu nome a surgir na lista dos campeões, o campeão partilha o prémio. «Na pista estou eu, é verdade, mas há um treinador, uma equipa, uma Seleção e um selecionador por trás. Eu sou o rosto, mas o trabalho é dessas pessoas todas também. Nunca me deixam nos bons, nem nos maus momentos. Foi com eles que contei quando sofri uma queda há um ano e me impediu de competir no Europeu», evidenciou, explicando que só regressa na quinta-feira, dia 10, pois há compatriotas ainda a competir e «precisar de apoio».