97 minutos a olhar para Simone Biles e ver história. Beijo! Beijo!
Simone Biles após a qualificação do all-around nos Jogos Olímpicos (IMAGO)
Foto: IMAGO

97 minutos a olhar para Simone Biles e ver história. Beijo! Beijo!

JOGOS OLÍMPICOS28.07.202415:10

A BOLA assistiu à qualificação de All-around da ginasta norte-americana, que acrescentou dois momentos históricos ao seu pecúlio impar

PARIS - 11h29, Arena de Bercy.

O público começa a agitar-se nas bancadas.

U-S-A! U-S-A! U-S-A!

Nem era preciso saber a hora da entrada das norte-americanas, no segundo grupo da ginástica artística para perceber que o momento se aproximava. O despertador na bancada estava a ecoar estridente. Não havia nada que enganar.

Já depois de as outras três equipas entrarem, os EUA surgem no canto da arena, com Simone Biles, com um ligeiro sorriso e alguns acenos para a bancada, como quarta no grupo de cinco ginastas, que se dirigem à trave, o aparelho mais próximo da entrada da arena, onde vão iniciar a competição.

Escusado será dizer que o barulho nas bancadas, com mais de 20.000 pessoas, torna-se ensurdecedor.

Então quando Biles se junta às companheiras para o aquecimento… Os instantes em que a atleta está a executar os seus movimentos na trave são mais aplaudidos do que qualquer exercício feito no grupo anterior, na qual competiram mais 16 atletas.

Simone Biles é especial. E nem é só pelas quatro medalhas de ouro olímpico, num total de sete, que detém. É por tudo o que representa e que ganhou eco universal com os feitos desportivos que tem somado e que já a tornaram na mais medalhada da história da ginástica.

História, para começar

Biles sabe que tem todos os olhos sobre ela. E talvez por isso, fecha o foco de tudo aquilo que a rodeia.

Missão impossível? Podíamos jurar que não. Pelo menos, aparentemente. É impossível saber o que vai na cabeça da ginasta de 27 anos que, em Tóquio, surpreendeu o mundo ao abdicar de participar em várias das provas na qual era favorita ao ouro e colocar no pódio das preocupações a saúde mental.

Para assistir ao seu regresso olímpico, na bancada estão vários nomes grandes da cultura e do desporto norte-americano. Tom Cruise. Lady Gaga. Ariana Grande. Snoop Dog. Peyton Manning. Todos sofrem com Biles. E nem estamos ainda na final.

Mas para quem não conhecesse aquela que é considerada por muitos como a melhor ginasta de todos os tempos, quem ali estava era apenas uma miúda a ter mais um dia normal.

Durante o exercício de Jordan Chiles, a companheira que abriu a competição para os EUA na trave, Biles manteve-se serenamente sentada, com o pé esquerdo em cima da cadeira e sem tirar o casaco, ao contrário as suas companheiras, que já exibiam o com o fato de competição cheio de cristais.

Mas Biles estava a guardar aquele brilho que custou mais de 3.000 euros por fato. Para que precisa uma estrela de brilho artificial.

Levanta-se no fim da atuação de Chiles para cumprimentar a companheira com quem tem uma relação próxima, e voltou a sentar-se, afastada das companheiras que assistiam a tudo de pé junto às escadas de acesso à plataforma.

Só no final da apresentação de Hezly Rivera, a segunda norte-americana em ação, é que Biles despe o casaco e desfaz as dúvidas: vai, obviamente, participar. É o dorsal 391.

Mas de ação, pouco se vê. Apenas alguns pequenos exercícios de aquecimento, que vai intercalando com o regresso à cadeira, na qual, a dada altura se coloca com os dois pés no assento. Tal e qual uma criança em casa.

Depois, sim, levanta-se e dirige-se à plataforma. Ao contrário das companheiras anteriores, senta-se ali a aguardar pela sua vez de iniciar o exercício.

E na hora de subir, todas as competições nos outros aparelhos são interrompidos – não é a única com esse privilégio.

Mais de 40.000 olhos fixam-se naquela gigante de 1,42m. E parece magia aquilo que acontece nos segundos seguintes. Simone Biles faz numa trave com 10 centímetros de largura o que poucos conseguiriam fazer no solo. E tudo parece simples. E tudo é tão elegante e belo.

Até à saída perfeita. Muito pela forma como aterra, mas também pelo sorriso rasgado que exibe, pela primeira vez na manhã deste domingo.

Os fantasmas de Tóquio parecem, definitivamente afastados.

A pontuação não engana: 14.733. Biles acabara de se tornar na primeira ginasta a acertar um triplo mortal na saída da trave. História diante dos olhos de todos.

E primeiro lugar, num aparelho no qual terminaria a qualificação no segundo lugar, atrás da chinesa Yaquin Zhou (14.866), e com apuramento assegurado para a final.

Da descontração ao susto

Logo depois de olhar para o ecrã com a pontuação, regressa a compenetração para a primeira rotação, que leva a equipa dos EUA para o solo.

E é ali que se vê o primeiro sinal de descontração, sob a forma de uma dancinha junto das suas companheiras, antes de iniciarem o aquecimento.

De repente, o susto. Um esgar de dor após uma aterragem que a faz sair com um claro desconforto na perna esquerda.

Biles dirige-se ao médico e sai da vista da reportagem de A BOLA na Arena Bercy. Quando volta, tem uma ligadura na perna e entra imediatamente após a prova de Jade Carey, que caiu no último momento do seu exercício.

Talvez para não se deixar afetar, nem o olhar cruzou com a companheira que trazia um notório desalento na face.

E lá vai ela outra vez. Ready for it. É isso que cantava Taylor Swift nas colunas da Arena de Bercy. Simone está mesmo pronta. Lesão? Apenas um susto.

Solo. É assim que se chama o aparelho. Mas o que Biles faz é voar, levitar e deixar todos boquiabertos com o que é capaz de executar, num misto de potência e elegância inalcançável.

Após nova apresentação a roçar a perfeição, Biles volta a sentar-se. Nem espera por chegar à cadeira. Fica logo ali na escada superior da plataforma, onde é cumprimentada primeiro pela treinadora e depois pelo treinador, antes ficar mais uns segundos sentada, sozinha.

E é no 1.º lugar (14.600) que segue para nova rotação, quando surge um aceno mais efusivo para o público norte-americano.

No aquecimento do salto Biles dá sinais de ser humana. É que não raras vezes, as dúvidas são muitas!

Após fazer o primeiro exercício de aquecimento, sai claramente a coxear. No caminho de regresso à plataforma de corrida, um momento estranho: mete-se ‘de gatas’ e é assim que faz parte do percurso, erguendo-se com três saltos ao pé cochinho.

Do outro lado da bancada, no topo da Arena era impossível perceber, mas na transmissão vê-se que é de sorriso na face que Biles o faz.

Volta depois a fazer o salto, mas est novamente pouco confortável na aterragem. E à terceira tentativa, falha esse momento final e cai, escutando as correções do treinador, enquanto segue para o lugar.

Desta vez, Biles abdica da cadeira e senta-se no chão. É ali que fica até Jade Carey, que a antecede no exercício, subir para iniciar a prova.

Aproveita o tempo dos dois saltos da compatriota para se concentrar e arranca veloz para um salto que assusta pela altura que Biles atinge e pela forma como, apesar das piruetas que dá no ar, se mantém sempre no centro do eixo pintado no chão, onde aterra com um pequeno passo atrás, fruto da velocidade que atinge no movimento.

Mais umas palavras do treinador, um ok, e regressa à plataforma de corrida para novo salto.

E mais história!

A Arena de Bercy quase vem abaixo depois de a norte-americana aterrar um dos cinco movimentos que batizou. O Biles II que nunca tinha sido conseguido em Jogos Olímpicos e do qual volta a sair sorridente e com um gesto afirmativo.

Nesse momento, mais câmaras houvesse na Arena, mas a procuravam. Sobre ela estão três. E ainda assim, Biles está noutro sítio qualquer e não sentada novamente no chão de uma arena lotada nuns Jogos Olímpicos.

Antes da nova rotação, agarra na sua pochete preta com os anis olímpicos e o seu nome em lantejoulas douradas e segue para o último aparelho, precisamente aquele que era mais aguardado.

Porque Biles tinha aumentado a pressão sobre ele, ao inscrever um elemento que nunca antes tinha sido executado e que, a ser concluído com sucesso se tornaria no Biles VI. O sexto movimento com o nome da norte-americana.

Agora, Biles já não se volta a sentar. Está alguns momentos mais afastada do público e da zona das cadeiras, realizando pequenos exercícios de aquecimento junto do espaço que vai ter o aparelho de cavalo com argolas na vertente masculina, que por agora tem apenas um colchão.

Um ou outro aceno para o público antes de se dirigir ao aparelho, onde recebe com um aplauso Chiles, que lhe dirige uma dancinha à saída do aparelho e um high-five encorajador.

O embalo que lhe faltava, talvez, para executar um exercício que a deixa radiante. A pontuação, mostra, depois, que seria mais alívio pelo fim da qualificação, uma vez que Biles termina as paralelas assimétricas no 8.º lugar, que coloca seriamente em risco a qualificação para a final do aparelho.

Mas pela primeira vez desde que entrou na Arena, Simone está sem qualquer pressão. Corre de um lado para o outro. Acena para um lado da bancada. Acena para o outro. Sopra um beijo. Sopra outro beijo.

E se Simone Biles está feliz, todos ali estão felizes.

Ela está mesmo de volta. E tal como a crença americana divulgara, talvez venha melhor que nunca.

Beijo! Beijo!