Vasco Botelho da Costa «Senti que o meu ciclo na UD Leiria estava a terminar»
A BOLA falou com Vasco Botelho da Costa (Foto: A BOLA)

ENTREVISTA A BOLA Vasco Botelho da Costa «Senti que o meu ciclo na UD Leiria estava a terminar»

NACIONAL10.06.202409:00

Outrora aspirante a engenheiro mecânico, descobriu o «bichinho» do futebol na casa da avó; cresceu como treinador na distrital, o que projetou o sucesso que teve no Estoril e na UD Leiria

- Qual é a memória mais antiga que tem do futebol?

- Vou-lhe confessar. É uma memória que tenho com uma das minhas avós, que por acaso faleceu muito cedo, quando eu tinha 10 anos, mas eu nunca mais me esqueço que ia a casa dela aos finais do dia e nós fazíamos uma bolinha de papel enrolada com fita cola à volta, porque em casa não se podia jogar com bolas verdadeiras, então andava a jogar com a minha avó. Era muito engraçado e é uma memória que me marca e que foi transportada na minha infância. Entrei aos 8 anos no clube da minha terra para jogar com o meu grupo de amigos, a um patamar distrital, mas foi daí que veio o bichinho.

Diz-se que o nível distrital pode ser mais fácil, mas não é. Naquele nível é o treinador quem trata dos equipamentos, das fichas de jogo e que conduz as carrinhas.

- E aos 18 anos começou logo a treinar. Foi ao perceber que esse bichinho, como se calhar não se ia rever a uma carreira ao mais alto nível como jogador, que seguiu muito cedo o caminho do treinador?

- Quando me convidaram para treinar ainda achava que ia ser engenheiro mecânico. Eu gosto muito de carros, de Fórmula 1, mas depois percebi que podia estar ali o que gostaria de fazer e deram-me a oportunidade de crescer naquele clube, o Dramático de Cascais, que tem todos os escalões e que ao longo dos 12 anos que lá passei treinei todos os escalões e acabou por ser muito enriquecedor. O clube é conhecido pelo râguebi e pelo hóquei em patins e isso fazia com que o futebol não fosse a prioridade, apenas se treinava a três dias da semana e como é que aquilo se organizava?

As equipas mais jovens treinavam às 17.00 horas, depois das 18.00horas entravam as equipas de futebol de 7 e às 20.00 horas eram as de futebol de 11. E na altura eu treinava três equipas ao mesmo tempo, uma de cada faixa etária. Isto deu-me uma bagagem muito grande ao longo de 10 anos. Às vezes diz-se que o nível distrital pode ser mais fácil, mas não é. Nós naquele nível temos de treinar sub-19 em terços de campo, o treinador trata dos equipamentos, das fichas de jogo, conduz as carrinhas, vai buscar os atletas a casa… tudo isto acaba por nos fortalecer e este é um momento muito marcante no meu percurso.

- Passando à sua experiência mais recente, na UD Leira, vence a Liga 3, coloca o clube num patamar onde este não estava há 11 anos, e esta época na Liga 2 mantém-se afastado da luta pela manutenção até à sua saída em março. Primeiro, como é que avalia a sua passagem na Cidade do Lis?

- Com muito orgulho e satisfação. A UD Leiria é um gigante adormecido, um clube com história e pergaminhos no futebol português, jogou competições europeias, tem uma final da Taça de Portugal, portanto não falamos de um clube qualquer. Fica numa capital de distrito, tem muitos adeptos e isso ficou provado na época da subida. Conseguimos sentir a fome que as pessoas tinham em conseguir aquela subida que escapava há tantos anos. O jogo contra o SC Braga B, jamais vou esquecer. 23 mil adeptos no estádio, o árbitro apita e nós sentimos que conseguimos.

De facto, foi a minha primeira experiência no futebol sénior, se bem que eu considero que os sub-23 são seniores, são homens. Mas foi a primeira vez em que me pediram rendimentos, disseram: “não estamos aqui para valorizar jogadores, estamos aqui para ganhar e para subir”. Ver nos olhos das pessoas a felicidade é muito marcante.

Vasco Botelho da Costa e os seus adjuntos nos festejos da conquista da Liga 3 (Foto: UDL)

Esta época, considero que foi um trabalho extremamente positivo porque não é fácil, ao fim de tanto tempo, darmos uma resposta como demos. Na Liga 2, o que muda menos é o jogo, agora tudo aquilo que envolve, uma estrutura muito mais profissional, departamentos com mais áreas de apoio, isso leva tempo a construir. E a UD Leiria está no caminho certo para o fazer e considero que a nossa passagem ajudou muito a isso.

Não tenho a mínima dúvida que, no curto-médio prazo, a UD Leiria vai voltar à Primeira Liga.

 - Em relação à sua saída da UD Leiria, deveu-se com eventuais expectativas desmedidas tanto dos adeptos como da direção?

- Não, com toda a honestidade, a saída está muito mais relacionada com o futuro. Com o passar do tempo, senti que o meu ciclo na UD Leiria estava a terminar. E com o início de algumas conversas relativamente à próxima época, pela minha forma de ser, tive que transmitir que a minha ideia estava mais a ir no sentido oposto. O campeonato estava praticamente feito, aliás, se a equipa não tivesse feito mais nenhum ponto depois da nossa saída, tinha-se mantido na mesma, senti que tinha a obrigação moral de transmitir isso às pessoas. E achámos que era um bom timing para seguirmos em frente, com os interesse de todos salvaguardados, e sobretudo do clube que pôde preparar-se para o futuro da melhor forma.

- Esta época, talvez um dos jogos mais marcantes foi contra o Sporting, nos quartos de final da Taça de Portugal. Como é que preparou esse jogo contra aquela que foi a equipa mais consistente em Portugal ao longo da época?

- Vou-lhe explicar porque é que foi uma preparação diferente. Nesse mês vamos à Madeira, jogamos campeonato, depois temos Sporting e depois campeonato. Foi a experiência que tivemos de semanas curtas, com jogo a meio da semana. Só diferiu aí. Na Liga Revelação já tínhamos tido essa experiência, mas para grande parte daquele grupo de trabalho era algo novo. Estas semanas envolvem bastantes diferenças na preparação e até na forma como analisamos o adversário. Nas semanas curtas analisamos e agimos muito mais por vídeo, por feedback, do que propriamente pelo exercício. A grande dificuldade foi só, que não é só, a grande qualidade do adversário, mas foi mais um momento marcante na nossa passagem pela UD Leiria, até porque a equipa não atingia os quartos de final há mais de 20 anos.

- A UD Leiria tem a capacidade para, num futuro próximo, construir a estrutura necessária para atacar a subida à Liga?

- Não tenho a mínima dúvida que, no curto-médio prazo, A UD Leiria vai voltar à Primeira Liga. É notável o trabalho que está a ser feito com o qual nós, enquanto equipa técnica, fomos sempre muito envolvidos, o que nos deixa satisfeitos de sentir parte deste reerguer do clube. O trabalho de aproximação à comunidade é notável e que serve de muito bom exemplo para praticamente todo os clubes em solo nacional. Seguindo neste registo, independentemente de quem sejam as pessoas, o clube vai atingir o patamar mais alto do futebol português.