ENTREVISTA A BOLA «Sérgio Conceição estava completamente transtornado»

NACIONAL05.01.202511:30

Memórias de João Henriques de episódio marcante no Paços, após bater o FC Porto por 1-0. E ainda duas histórias curiosas vividas no Santa Clara e no Vitória de Guimarães

– No Paços de Ferreira, tem um episódio marcante, em março de 2018, quando vence o FC Porto e vê Sérgio Conceição a dirigir-se furioso na sua direção após o apito final… O que aconteceu?

– Antes de mais, quero sublinhar que eu e o Sérgio temos, hoje, uma relação normal de dois colegas de profissão, completamente apaziguada, pacífica e tranquila, porque, no fundo, aquilo que se passou foi uma má interpretação do Sérgio de um momento do jogo em que ele me acusa de anti-jogo, porque eu fiz um sinal para a equipa, e o sinal foi com as mãos, para irmos com calma, porque estávamos a levar um aperto gigante, bolas no poste, um penálti que o nosso guarda-redes defendeu… Era a equipa que acabou por ser campeã esse ano, estava muito bem, e nós estávamos em vantagem no marcador, e estávamos a levar aquele aperto. E eu disse calma, para a equipa respirar. Mas quando eu digo «calma!», logo a seguir, o guarda-redes Mário Felgueiras caiu no chão e o Sérgio olhou para mim, começou a falar, e eu não liguei, continuei focado no jogo.

Sérgio Conceição e João Henriques acabaram por fazer as pazes (foto A BOLA)

– E quando o jogo acabou?

– Aí, dirigi-me a ele para o cumprimentar e ele já vinha em ebulição máxima, porque não gosta nem sequer de empatar, quanto mais perder. Ele vinha completamente transtornado com aquela imagem que ele tinha e eu estendi-lhe a mão para cumprimentar. Na altura, se calhar era melhor não o ter feito, foi interpretado como uma provocação, e pronto, há a reação. Houve umas palavras que ele me dirigiu, ele faz um movimento de agressividade. Mas eram palavras normais no final do jogo, em que às vezes há uns insultos, e que o melhor é fingir que não ouvimos, para não criar mais problemas. Fomos realmente bastante insultados, mas não passou disso.

João Henriques em entrevista a A BOLA nos nossos estúdios (foto A BOLA)

– E como fizeram as pazes?

– Na época seguinte, quando defrontei pela primeira vez o Sérgio Conceição após esse episódio, eu estava no Santa Clara, e foi um jogo nos Açores, ele dirigiu-se ao banco, cumprimentou-me antes do jogo, e no final do jogo, um dos seus colaboradores veio falar comigo, perguntou se eu podia ter uma conversa com ele, em privado, os dois, e eu claro que acedi a isso, e tivemos os dois a conversar sobre o que tinha passado, e ficou tudo esclarecido naquele momento, e a partir daí nunca mais se tocou no assunto.

João Henriques em entrevista a A BOLA

«Pensei que iam despedir-me e… convidam-me a renovar»

– O Santa Clara foi o clube em que esteve mais tempo. E que agora tem o Vasco Matos, também num projeto estável. Qual o segredo?

– Foi um projeto que não é começado do zero, porque o Diogo Boa Alma e o presidente já estavam a construir esse projeto. Mas, quando cheguei, éramos provavelmente a equipa com menos condições de trabalho na Liga, com os orçamentos mais baixos, com 16 anos sem estar na 1.ª Liga, sem ter noção daquilo que era a 1.ª Liga. Não as pessoas que estavam, o Diogo e o presidente, mas toda uma estrutura que não estava preparada e foi começar quase do zero. E isso foi muito gratificante.

– E com resultados que também ficam na sua história, no seu currículo, jogos como o Benfica, com vitória por 4-3…

– Sem dúvida. Fizemos época muito equilibrada, com duas voltas iguais em pontos, 21+21, 42 pontos, com vendas de jogadores: logo em janeiro vendemos Fernando Andrade para o FC Porto. Mais tarde, vencemos o SC Braga por 3-2 e, depois, fomos ao Estádio da Luz vencer 4-3, que é a cereja no topo do bolo de uma época fantástica.

João Henriques em 2020, quando treinava o Santa Clara (foto A BOLA)

– Mas há algum segredo por trás desse sucesso?

– Mais do que um segredo, há momentos-chave. Como um em que a equipa tem ali alguma oscilação de resultados, vimos de mais uma derrota em casa e o presidente tem esta ação de me convidar para jantar depois do jogo. E eu pensei, olha, ok, vou ser despedidos. E, mesmo antes de jantar, o presidente chamou-me à varanda do restaurante, lá em Ponta Delgada, e ele disse: «Olha, eu vou dizer-te já, antes que penses outras coisas, aquilo que é o motivo desta reunião, que é propor a renovação de contrato, porque nós vemos o trabalho que está a ser feito diariamente, acreditamos nas coisas que estão a ser feitas.» Devia ser novembro, eu só assino e renovo em janeiro. Portanto, havia muita confiança entre as partes, não era preciso assinar o papel imediatamente… Foi um aperto de mão, está feito, está realizado. Existia esta confiança.

«Percebi que foi um erro, não podia ter dito aquilo..»

– Falemos da sua passagem por Guimarães, terra de adeptos fervorosos, mas que na fase aguda da pandemia não podiam ir ao estádio…

– Nunca tive do meu lado os adeptos, porque eles não podiam estar lá. E isso foi um ponto negativo. Eu entro à 4.ª jornada, fomos ao Bessa ganhar 1-0. Depois, temos três derrotas, com o Sporting, FC Porto e SC Braga. Na Luz, empatámos e segue-se uma série de bons resultados que fez uma pontuação na primeira volta fantástica. Estávamos ali muito perto do Benfica, no 3.º lugar. Acredito que, com o apoio dos adeptos, haveria ‘match’. Mas , internamente, houve alguma instabilidade, jogos menos bons em que a equipa adormecia – com adeptos, isso era impossível… E também cometi um erro de comunicação.

João Henriques treinou o Vitória de Guimarães em 2020/2021 (foto A BOLA)

– Que erro foi esse?

– Vínhamos de alguns resultados negativos  e havia havido jogadores que tinham sido ameaçados de morte pelas redes sociais, havia jogadores a ficarem perturbados com ameaças à família, etc. E eu, quando ganhámos ao Boavista, disse que esperava que naquele dia que em ganhámos, que não falhasse a internet em Guimarães. Sentiram que era para a massa toda, e não, foi para meia dúzia de pessoas que se acobarda atrás de um telemóvel. Percebi que tinha sido um erro, não devia ter dito aquilo, até porque as pessoas de Guimarães não são assim, estamos a falar, lá está a tal meia dúzia de pessoas para 20, 30, 40 mil pessoas que são apaixonados e que estão constantemente no estádio.