Peter Schmeichel «Gosto de Ronaldo, tem o direito de dizer o que quer, mas não ajudou o Man. Utd»

Peter Schmeichel esteve em Lisboa para a SBC Summit. No Sports Stage do evento, A BOLA entrevistou o antigo guarda-redes, campeão pelo Sporting em 1999/2000 e uma das grandes figuras do Manchester United. Na conversa, ocorrida no dia a seguir ao empate do ManUtd com o Twente e antes do Sporting-Estoril, o dinamarquês recordou o primeiro jogo oficial, nas Antas, os tempos de Sporting e ainda a atualidade dos clubes que marcaram a sua vida: Manchester United e Sporting.

O Manchester United jogou com o Twente [na primeira jornada da Liga Europa, dia anterior à realização desta entrevista] e empatou, como vê o clube em geral? Qual é a sua opinião sobre como as coisas estão?

Não é segredo que o clube está sendo descrito como estando numa bagunça, e tem sido assim há já algum tempo. Houve um monte de dinheiro investido, mas o dinheiro por si só não ajuda. É preciso uma boa liderança, boas ideias, execução, tudo o que se faz num negócio normal. Tudo isso tem de se fazer num clube de futebol também. O Jim [Ratcliffe] entrou, agarrou a liderança do clube, e há imensas coisas para fazer. Começou num ponto e não está sequer perto do fim. Há esta situação em que o estádio está gasto, já não é um estádio moderno. Eu acho que eles já decidiram construir um novo, mas o problema aqui é como financiar isso sem endividar o clube ainda mais. Essa é a próxima fase, temos de encontrar finanças para isso. Há muitas pessoas que deixaram o clube, 250 pessoas foram despedidas para reduzir custos, mas também aumentar a eficiência. É uma grande coisa no clube, que é difícil, porque há muitas pessoas com quem trabalhei, muitas pessoas que conheço, muitas pessoas as quais associo com o Manchester United. É um período difícil. O clube não está consistente e bom o suficiente. Ontem vencia 1-0 em Old Trafford. Se se está a vencer 1-0 em Old Trafford contra uma equipa como o Twente na Europa, tem de se ganhar por 2,3. 4. Isso é o que o Manchester United deve ser. Mas empataram 1-1.

Há uma entrevista muito controversa de Ronaldo quando ele deixou o clube. Ele tinha razão?
Eu gosto do Ronaldo. Para mim, ele é o melhor jogador de todos os tempos. As suas estatísticas são incríveis. E eu entendo que, naquele momento da sua vida, ele está a passar por algo que nunca experimentou antes. A adversidade. Não estar na equipa, não ser o número um. E senti que ao dar essa entrevista ao Piers Morgan ele não ajudou o clube. Havia um pouco de raiva que ele tinha para exprimir. Senti que não foi em boa altura. Senti que muitas das coisas que ele disse, não se pode discordar. Mas não era esse o seu trabalho e isso não ajudou o clube. Agora, quando se é ele, tens um ponto de vista, dizes o que queres e tem de se aceitar isso. A verdade é que não ajudou o clube. O que acontece quando alguém sai e diz as coisas que ele disse… De cada vez que o treinador tem uma conferência de imprensa, é sobre isso que vai falar. Não vai falar sobre a equipa ou sobre o progresso da equipa. Vai falar sobre o que alguém disse. Ainda há uma semana, Ronaldo disse outra coisa e a semana inteira foi sobre isso. Isso não ajuda o Manchester United. O trabalho de Ronaldo não é ajudar o Manchester United, pode dizer o que quer, mas é um pouco infeliz porque precisamos de ajuda e apoio. Não precisamos de adversidade e pessoas a não dizer boas coisas sobre nós.

O formato da Champions, o VAR e as queixas dos jogadores: «Há futebol a mais»

Falando um pouco sobre o que o Peter Schmeichel está a fazer agora, comentando a Liga dos Campeões. Gosta do novo formato? Ou prefere os antigos tempos?
Estou um pouco confuso. Estava um pouco confuso quando vi pela primeira vez. Mas os clubes de futebol, mesmo os clubes de topo, parecem gostar. E o grupo seguinte, até ao 24.º classificado, e eu conheço o CEO do Celtic, também gostam muito, porque têm uma oportunidade de continuar na Liga dos Campeões para lá da fase de grupos. E eu percebo o ponto de vista deles. É difícil dizer o que vai acontecer com um jogo feito. Nós temos uma pessoa na nossa equipa - eu faço a Liga dos Campeões para a CBS - de estatística e ele fez uma previsão de todos os resultados, para ver como iria parecer. E é realmente interessante. Acho que quando entendermos um pouco melhor, é uma coisa muito boa para a competição. A única coisa que tenho um pouco de dúvidas é a Liga dos Campeões em janeiro. Porque quando se pensa em certos países, há um período de duas semanas de descanso. Como vai ser? Será que isso vai ser mais perigoso para os jogadores? Ainda vão ter essa pequena pausa? Eu estou curioso e interessado em como isso vai acontecer.

Tinha uma outra pergunta, mas você abriu aí uma porta. Estamos a ter demasiados jogos? Estamos a ver jogadores a queixarem-se cada vez mais.
É um debate que tem de ser feito. Acho que são muitos jogos. Se se joga numa equipa de topo e pela seleção. Veja-se o Manchester City, que joga do mesmo modo literalmente todos os jogos. Olhe-se para um jogador como o Rodri, que infelizmente teve uma lesão ligamentar e está fora um ano. Se o tivermos como exemplo, ele volta do campeonato europeu, esteve na final, volta direto, começa a Premier League, depois a Champions League, e ele tem de jogar todos os jogos, porque ele é o melhor jogador do Manchester City. Jogou 61 jogos no Manchester City na última época e perdeu um, no último encontro da temporada. Perdeu um jogo, o que significa que ele ganha jogos. Então o treinador quer que ele jogue sempre. Olhando para a temporada, para o Mundial de Clubes, se ele jogar tanto quanto jogou na época anterior, ele poderia acabar com 85 jogos.  85 jogos é muito. E o futebol não é como qualquer outro desporto. Os jogadores fazem muitos movimentos, de um lado, para o outro, não se fica parado num sítio. O desgaste no corpo faz com que a recuperação seja longa. São dois, três dias. Se não se conseguir, leva-se um corpo que não está recuperado para o próximo jogo. Isso retira algo de um jogador. Eu acho que há muitos jogos. Os jogadores precisam de períodos em que não podem jogar futebol. Uma garantia de um certo número de dias de descanso. Mas eu também acho que é demasiado para os adeptos de futebol. Os fãs gostam de assistir futebol na televisão, mas hoje pode assistir-se um jogo de futebol, até dois jogos, todos os dias. Isso é uma vida inteira. É muito. E eu acho que, no final, isso tira entusiasmo ao futebol. Não sei se há muita gente aqui dos EUA ou se alguém já visitou os EUA. Mas entra-se num bar e eles têm sempre baseball a dar. Jogam-no o tempo todo. Algumas pessoas vão e assistem jogos, sim, mas de repente, aquilo faz apenas parte da mobília. Eu não quero que o futebol acabe assim. Quero que o futebol seja emocionante, interessante.

Vou saltar uma pergunta para o fim, porque você estava a falar sobre o jogo e as emoções do jogo, o que me leva à tecnologia e ao VAR. Sei que tem algumas críticas sobre o VAR.
Eu não sou o maior fã do VAR. Tenho de dizer isso. Quando foi introduzido, estava num think tank na UEFA. Havia antigos treinadores, antigos jogadores, e nós tínhamos de dar a nossa opinião. E a forma como nos foi apresentado foi que ia passar-se de 91% de decisões corretas para, com a introdução do VAR, 98% corretas. Com este sistema ou esta tecnologia, queremos parar todas as discussões sobre se o árbitro cometeu um erro. Eu acho que estamos a falar de uma maior quantidade de erros.  Vou dar um exemplo do Europeu. A Dinamarca jogou contra a Alemanha. E o que aconteceu com o VAR foi que nós passamos muito tempo a tentar encontrar algo de errado com um golo. E de repente, dá sinal e é literalmente meio centímetro. Vai colocar linhas em cima do lance. Como se sabe que essa linha é realmente um centímetro? Como sabe ele que parou no frame certo? Cada segundo são 35 frames, se usar um frame anterior, não é mais um centímetro. Não validou o golo e no próximo minuto dá penálti para a Alemanha. Alguém chutou a bola contra a mão de alguém e, 60 segundos depois, ele pediu ao árbitro para parar o jogo e dar penálti. Isso para mim é errado. Temos de nos sentar nos estádios e perguntar o que está acontecer aqui. Depois, isso não é o espírito do jogo. Eu, como jogador, aceito um árbitro que comete um erro. Porque as coisas acontecem demasiado rápidas. Mas eu já não aceito quando se tem a oportunidade de rever uma e outra vez. Não aceito que se procure o erro em vez de dar o benefício da dúvida. Isso só tira algo do futebol. Considero que ainda estamos numa fase inicial e, por isso, devíamos livrar-nos do VAR. Formar os árbitros e torná-los mais fortes. Com isso, acho que vamos conseguir melhorar.

A tecnologia no futebol não é só na arbitragem. Também ajuda jogadores e treinadores. Quão diferente é do seu tempo?
O futebol mudou muito. Tudo o que um jogador faz hoje no treino, nos jogos, tudo é medido. Eles sabem tudo o que aconteceu. Sabem quanto correram, todos os seus números. Nós nunca tivemos isso.