Entrevista A BOLA «Na Guiné-Bissau tive paludismo, continuei a trabalhar e fiquei em coma»

Na 2.ª parte da entrevista a Guilherme Farinha, o experiente técnico recorda as passagens pelo Irão e pela Guiné-Bissau, onde quase deu a vida pelo futebol - porque se há algo constante é o seu amor pelo jogo

— Como foi a experiência de cinco anos no Foolad FC, no Irão?

— Gostei muito. Diferenças para a América? O calor, tempestades de areia, muita humidade, a temperatura chegou a atingir 52.ºC, mas eu adapto-me muito facilmente a qualquer país e circunstância. Fui muito feliz no Irão, trataram-me muito bem e respeitaram-me sempre. Era preparador físico, coordenador, depois treinador principal, depois de novo coordenador e foram cinco épocas.

«Puseram-me uma pistola à frente para jogarmos à roleta russa»

23 novembro 2024, 11:19

«Puseram-me uma pistola à frente para jogarmos à roleta russa»

Na 1.ª parte desta entrevista, Guilherme Farinha, treinador português com quase 40 anos de experiência, fala das aventuras que teve na América, onde foi campeão, foi convidado a ser selecionador no Mundial 2002, perdeu títulos devido a corrupção e ainda temeu pela vida

— Com menos situações de vida ou de morte, pelo menos, do que na Guatemala.

— Sim e no Irão há muito respeito, não se pode fazer barulho, tem de haver um silêncio total, o tempo do Ramadão é tremendo e temos de ter bastante cuidado. Fiz lá um grande trabalho, tanto que muitos preparadores físicos de outras equipas iam aos nossos treinos para verem e aprenderem a maneira como eu atuava como preparador físico.

«O meu pai morreu em 1993, eu estava em África e não fui ao funeral do meu pai. E o Dr. Bernardo Vasconcelos disse-me: “Eu fui ao funeral do teu pai e agora vou ao teu, porque tu estás a zero."»

— Já falámos da maioria dos continentes por onde passou, falta apena falar de África e da Guiné-Bissau, onde passou pelas seleções jovens nos anos 90 e agora voltou lá recentemente, em 2021 – fê-lo devido à tal gratidão de que já aqui falou, porque também teve segundas passagens pelo Cerro Corá, Alajuelense e no Foolad?

— Falas muito bem, quando um treinador volta a vários clubes por onde trabalhou, significa que deixou uma marca positiva. Gosto sempre de sair pela porta por onde entrei, tenho sempre esse cuidado. Há três premissas de vida, que é o saber, saber fazer e saber estar. O saber todos sabem mais ou menos fazer, saber fazer também, agora o complicado, hoje em dia e mais do que nunca, e vemos pelo mundo ao nosso redor, é o saber estar. Muito pouca gente não sabe estar e eu tenho tido esse critério de saber estar, de respeitar as pessoas porque tu só és respeitado se respeitares.

Estive de 1990 a 1994 na Guiné-Bissau, quem me enviou foi o professor Mirandela da Costa da Direção-Geral dos Desportos, com o Major Valentim Loureiro que era o cônsul da Guiné-Bissau, com o sim do presidente da FPF [João Rodrigues], que morreu infelizmente há pouco tempo, e também Associação Nacional de Treinadores de Futebol. Fiz lá muito trabalho, foram quatro anos em que eu quase morri. Ao quarto ano tive paludismo, continuei a trabalhar, desmaiei, fiquei em coma, mais tarde quis trabalhar mesmo com febre. Tinha a seleção sub-17, sub-20, a olímpica e a principal para treinar. Tinha o Centro Nacional de Formação de Futebolistas, que fora montado por mim, as escolas de futebol, percorria todo o país... Fui para os primeiros Jogos da Francofonia em Paris com uma anemia, quando me levantava, os meus assistentes agarravam-me nos braços para me aguentarem, porque se me largassem eu caía. Ia bastante mal, de tal maneira que na Guiné-Bissau, o Presidente da República e todos me diziam que tinha de ir para Portugal. Quem me salvou foi o Dr. Bernardo Vasconcelos, que foi jogador e médico do Benfica. A minha mãe morreu em 1997 e eu não fui ao funeral. Mas o meu pai morreu em 1993, eu estava em África e não fui ao funeral do meu pai. E o Dr. disse-me: “Eu fui ao funeral do teu pai e agora vou ao teu, porque tu estás a zero, isto é para acabar.” Mas consegui reagir e cá estou.

— Fale-nos do seu trabalho mais recente com o Vancouver FC, do Canadá.

— O Vancouver FC convidou-me para sair do Carmelita, da Costa Rica, para fazer o seguinte: eles têm vários clubes e academias pelo mundo, querem abrir mais e querem abrir mais. Na Guiné-Bissau temos um clube que vai subir à 2.ª divisão, vão ser agora campeões da 3.ª e vão subir. Fui convidado para ser treinador e o responsável da metodologia de treino de todas as academias, porque querem uma homogeneidade muito grande no método de trabalho. Temos todos os escalões de formação, dois oito aos 20 anos, as bases metodológicas de treino para cada escalão etário de formação, e todas têm de trabalhar na mesma metodologia de treino, diferenciadas por cada escalão de formação. Em breve irei para a Guiné-Bissau para felicitar a equipa. Fazemos isto para continuar a ajudar o futebol da Guiné-Bissau, um país que muito admiro e onde fui muito bem tratado, e depois, fazemos isto a prol do futebol, porque amamos o futebol.