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ENTREVISTA A BOLA José Luís Arnaut: «Tentámos fazer o Euro-2004 com menos dois ou três estádios»

NACIONAL14.02.202511:20

Grande entrevista de José Luís Arnaut a A BOLA no momento em que deixa o cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol

José Luís Arnaut, 61 anos, advogado, atual presidente do Conselho de Administração da ANA, Aeroportos, cessa hoje funções, que vem a exercer desde 2011, como presidente da Mesa da Assembleia Geral (AG) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), tendo antes assumido funções idênticas na Liga de Clubes, presidida por Fernando Gomes, com quem manteve contacto institucional direto durante década e meia. Num momento marcante não só para o futebol nacional como para a nossa sociedade em geral, o Euro-2004, José Luís Arnaut, à altura ministro da Presidência no Governo de Durão Barroso, teve a tutela do Desporto e coube-lhe coordenar, na parte portuguesa, a construção do edifício do primeiro Campeonato da Europa de Futebol do século XXI. Na primeira entrevista que concede em doze anos de presidência da AG da FPF, Arnaut fala como testemunha privilegiada do salto quântico dado pela FPF na liderança de Fernando Gomes, que gostava de ver como presidente do Comité Olímpico de Portugal.

— Seja bem-vindo ao universo de A BOLA e a estas novas instalações nas Torres de Lisboa, e deixe que lhe pergunte qual é a sensação de estar à beira do adeus a uma presença federativa que já devia fazer parte dos seus hábitos quotidianos?

— Muito obrigado a A BOLA por este convite e deixe-me felicitá-los pelas instalações fantásticas que têm e que traduzem a fase evolutiva que vivem. Sem A BOLA o país ficaria muito mais pobre. Quanto ao fim de mandato na FPF, um adeus, é um adeus. Foram 15 anos entre Liga e FPF, com Fernando Gomes, mas acredito que não nos devemos perpetuar nos lugares, e há que dar espaço aos outros. Saio de consciência tranquila, essencialmente por três razões: primeiro, porque fiz parte de uma grande equipa, e a minha relação com Fernando Gomes foi irrepreensível do ponto de vista institucional e pessoal. Trata-se de alguém excecional, a quem todos muito devemos; depois, porque vivemos um momento de grande transformação e foi um privilégio ter sido testemunha viva da mudança, na FPF, do ponto de vista desportivo, infraestrutural e organizacional; finamente, porque creio ter dado o meu contributo para a paz institucional na FPF. Lembra-se, seguramente, das Assembleias Gerais da Federação Portuguesa de Futebol que eram uma tourada, com o devido respeito, prolongavam-se por dias inteiros de permanente discussão e confrontação. Quando cheguei à FPF deparei-me com essa realidade e percebi que era preciso criar, entre os atores, que eram associações profissionais, associações distritais, os próprios clubes, um diálogo preparatório das AG, com maior proximidade, que permitisse perceber as diferentes realidades. Dediquei muito do meu tempo a fazer essas pontes, e as AG’s da Federação Portuguesa de Futebol deixaram de ser notícia. Foi então que percebi que tinha cumprido a minha missão. Nestes 14 anos de exercício, praticamente 90 por cento das decisões em AG foram por unanimidade, e isso deixa-me bastante satisfeito, após um histórico dos últimos 30 anos de confrontos e até litígios judiciais.

— Enquanto presidente da AG, as eleições a que presidiu foram pacíficas, já que Fernando Gomes ganhou sempre sem grande oposição. Estas, entre Nuno Lobo e Pedro Proença, vão ser mais difíceis de controlar...

— Vou continuar a utilizar a metodologia que sempre usei na minha vida e que faz parte da minha maneira de ser. Sou uma pessoa que gosta de fazer pontes, perceber as preocupações, e encontrar soluções. Estas eleições inserem-se num processo democrático e transparente, que poderá ser mais difícil que os anteriores, porque há uma contenda entre dois candidatos. Mas uma coisa que é certa, nenhum dos candidatos pôs em causa a independência da Comissão Eleitoral a que presido, ou a metodologia usada na forma como conduzi o processo eleitoral. Este é um sinal de paz institucional e respeito pelas instituições e pelos valores da transparência, da democracia e da igualdade entre os candidatos. Todas as atas da Comissão Eleitoral estão num site especial dentro do site da FPF, onde podem ser consultadas todas as decisões do processo. Temos que credibilizar o futebol, essa é uma das minhas metas e acho que tenho cumprido.

— Mas a lista de Nuno Lobo questionou o uso de telemóveis nas cabinas de voto...

— O processo eleitoral correu com toda a transparência, serenidade e liberdade, tendo sido um processo verdadeiramente democrático. Espero e desejo que o dia de da eleição [hoje] também corra com toda a normalidade, tal como a campanha, e que todos votem livremente e em consciência com a sua opção.

Euro-2004 e estádios

— Era ministro da Presidência com a tutela do Desporto e viveu o Euro-2004 por dentro e por fora, diria. Que importância teve esse evento que ocorreu 6 anos depois da Expo-98, que foi outro momento marcante para Portugal, para a vida dos portugueses, e para a mentalidade, até, da sociedade portuguesa?

— Olhe, vamos falar um bocadinho de história, e vai ser primeira vez que vou revelar algumas situações, porque já passaram anos suficientes. Nós [Governo liderado por Durão Barroso] herdámos o Euro-2004 do PS, e na altura denunciei-o no Parlamento, como ministro, recebemos um dossiê que estava no zero. Tive a sorte de ter uma boa equipa, com o Hermínio Loureiro como bom secretário de Estado, o António Laranjo no terreno, a equipa da UEFA, com o Gianni Infantino, o próprio Tiago Craveiro, então assessor de imprensa e Vasco Lynce, que tinha sido secretário de Estado do PS. O estádio do FC Porto nem sequer tinha sido começado a ser construído, por razões políticas, e nem se tinha iniciado a demolição das Antas.

— E havia os berbicachos de Leiria, Aveiro e Algarve...

— Sim, já lá vamos. Curiosamente foi nessa altura que conheci Fernando Gomes, vice-presidente do FC Porto, uma pessoa de enorme competência e seriedade de palavra, e conseguimos ultrapassar as dificuldades que havia com a Câmara Municipal do Porto. É evidente que quando cheguei ao processo percebi que havia estádios a mais, e disse-o várias vezes, ao então presidente da FPF, Gilberto Madail, e foi nesse contexto que tentei, juntamente com a Dra. Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças, falar com alguns autarcas e tentar dissuadi-los de construir os estádios, com o argumento de que o custo total seria grande e o dinheiro comunitário estaria sempre garantido para outras infraestruturas desportivas. Não interessa referir nomes, mas falei com dois ou três presidentes de câmara, até do PSD, e quase que me queriam matar [em sentido figurado, claro está...].

— Mas naquela altura o argumento do Dr. Madail não era que Leonard Johansson e a UEFA não concediam o Euro a Portugal se não houvesse dez estádios?

— Na candidatura, sim, mas era um exagero, e estou convencido de que se tivéssemos apenas oito tínhamos realizado o Euro na mesma. Esse era o argumento formal, mas depois de nos estar adjudicada a competição, se conseguíssemos provar que fazíamos a prova com oito estádios, acredito que ninguém voltava atrás. Na altura fiz vir a Portugal Gerard Aigner, secretário-geral da UEFA, que era um indivíduo fantástico, mas que estava habituado a que fosse o Governo português a ir falar com ele e não o contrário, e que me disse que iam analisar a situação. Mas para que as coisas não ficassem só pelas palavras, combinei com a Dra. Manuela Ferreira Leite colocar tudo por escrito, para memória futura, e enviaram-se cartas a três presidentes de Câmara, com a nossa posição. A verdade é que não tínhamos condições para decidir unilateralmente, fizeram-se todos os estádios, e alguns estão como estão: o tempo infelizmente provou que tínhamos razão. Esse, para mim, foi o único erro do Euro-2004.

— Mas o Euro-2004 acabou por mudar Portugal de muitas maneiras...

— Foi uma grande experiência e um grande desafio. Eu não era uma pessoa muito ligada, até então, ao mundo do desporto, razão pelo qual Durão Barroso me disse: «'Ficas com este dossiê porque não estás alinhado com ninguém, é dificílimo, mas por ser transversal tem de ficar sob a alçada da Presidência do Conselho de Ministros, e tem de correr bem.'»

Clubisticamente agnóstico

— Lembro-me de tê-lo entrevistado em 2004, e em relação ao futebol me ter dito que era quase cristão-novo...

— Mais propriamente, era clubisticamente agnóstico, sempre torci pela Seleção Nacional, e isso deu-me mais liberdade para coordenar os transportes, a segurança interna, as infraestruturas, afinal tudo o que estava por fazer. Não se esqueça que o Euro-2004 foi considerado o melhor Euro que a UEFA já tinha organizado até então, e serviu de padrão, desde o ponto de vista da organização, das infraestruturas, das acessibilidades, e até da legislação a muitos outros eventos. Foi, de facto, um projeto fantástico, que correu muito bem, também porque, depois, os portugueses aderiram em massa.

— Como foi a projeção internacional do País?

— Fez-se uma campanha também bem pensada, com a AICEP, para projetar o nome de Portugal no estrangeiro. Disse à Dra. Manuela Ferreira Leite e ao Dr. Carlos Tavares que tinham as pastas das Finanças e da Economia, que já que estávamos a gastar aquele dinheiro, valia a pena termos verbas para realizarmos uma campanha internacional como deve ser, em todas as capitais onde jogávamos, que acabou por ajudar muito no relançamento do turismo em Portugal. Foi uma semente que foi deixada...

— São os lucros intangíveis que os detratores não consideram.

— Mas isso, meu caro, quando se está na vida política, tudo o que acontece de bem é o vento, tudo o que acontece de mal é por causa do responsável político. Vivo com isso bem, importante é o que me dita a consciência. Não houve problemas de segurança de maior, resolveu-se a questão do aeroporto, que era complicadíssima, ao usar-se o Figo Maduro, ad-hoc, para os hooligans, que quando chegavam entravam logo ali nos autocarros, iam aos jogos e regressavam aos aviões. Tudo foi feito com as melhores práticas, com as melhores equipas, e depois teve um retorno económico importante. Houve uma curva de crescimento económico muito positiva, e nos anos seguintes criou-se uma atração do turismo e de projeção do país muito positiva, que teve um valor intangível tremendo, e abriu portas a que Portugal tivesse três finais das Champions, culminando com a nossa candidatura ao 2030, que Fernando Gomes encabeçou e liderou, com a Espanha e com Marrocos, e que teve a semente em 2004.