Estádio do Bolhão: um certo verão quente
Quinito, mestre Pedroto e Pinto da Costa, na década de 1980 (FOTO: ASF)

OPINIÃO Estádio do Bolhão: um certo verão quente

NACIONAL23.06.202409:00

Nunca mais haverá uma revolução assim no FC Porto, mas o verão de 2024, que apareceu carrancudo, avisa-nos que nem todas as mudanças são pacíficas

Este ano o verão apareceu carrancudo, mas quando aparece faz-me viajar a 1980, tinha oito anos. Eu e os meus amigos só pensávamos em bola. Com dose de ousadia, entrávamos clandestinamente no pelado de Os Lusitanos, clube de Santa Cruz do Bispo, de onde éramos irremediavelmente corridos pelo zelador. No largo da Igreja principal, o padre depressa vinha à porta, alertado por meia dúzia de carpideiras, para nos escorraçar.  Jogar à bola em sossego era possível longe dali, pedalando até ao Monte São Brás, de preferência numa bicicleta sem travões – travar era para os fraquinhos. Nesse verão vimos o nosso espaço secreto ocupado por mais de uma dezena de jogadores do FC Porto. Dissidentes, relatavam os jornais, que ali treinavam em solidariedade com Pedroto e Pinto da Costa, chefe do departamento de futebol que fora exonerado por Américo Sá. Só conhecia Pedroto.

Eu e ao meu grupinho pouco nos importava quem eram. Queríamos era que – por assim dizer – fossem pregar para outra freguesia. Fazíamos muito barulho. Tenho a memória fresca de Hernâni Gonçalves, o Bitaites, a puxar pelo físico dos jogadores e de Oliveira, de bigode farto, a dar o berro da ordem: «Calem-se, pá!». Cala-te tu, respondíamos baixinho. Hoje rio-me do nosso atrevimento. Estava longe de imaginar que me cruzaria com António Oliveira mais tarde.

Remate da história: nesse ano comprei uma caderneta de cromos. Sai-me o Oliveira a cores a dar toques numa bola, vestido à Penafiel. Que pinta. Penafiel é longe, meditei. Ao São Brás não volta de certeza. Não antevejo outro verão quente igual a este, nem no FC Porto nem em clube nenhum do palco profissional. Mas o verão de 2024 anuncia que nem todas as mudanças são pacíficas. É o que o presente nos vai dizendo...