Daniel Sousa e um admirável mundo novo para o SC Braga
Daniel Sousa (Foto: JOSÉ COELHO/LUSA)

Daniel Sousa e um admirável mundo novo para o SC Braga

NACIONAL10.04.202410:00

O retrato do futuro treinador dos arsenalistas; triunfo de sábado foi afirmação de uma ideia; Arouca tem jogado como ‘grande’ com bons resultados

O SC Braga-Arouca era um dos encontros mais aguardados da 28.ª jornada. Os arsenalistas estreavam o interino Rui Duarte depois da saída de Artur Jorge e defrontavam o futuro chefe, Daniel Sousa, ainda ao comando do Arouca. O triunfo dos visitantes, por 3-0, significou mais do que três pontos. Venceu a melhor ideia e quem nesta acredita.

O novo SC Braga destroçou o velho SC Braga na Pedreira. Poderia ser essa a leitura do embate do passado sábado entre os arsenalistas, liderados interinamente por Rui Duarte, e o Arouca, orientado por Daniel Sousa, que se irá mudar para a cidade dos arcebispos depois do verão. Os arouquenses venceram com toda a justiça e adeptos e jogadores da casa puderam ver em ação algumas das ideias que, provavelmente, vão fazer parte da sua nova identidade.

É fácil perceber porque o jovem técnico de 39 anos é a nova aposta de António Salvador, que levou nomes como Jorge Jesus, Domingos Paciência, Leonardo Jardim, Sérgio Conceição ou Rúben Amorim ao banco bracarense. O trabalho de assinatura, a experiência que transporta após passagem por grandes clubes e os resultados conseguidos desde que assumiu o risco de aceitar o então último e agora impensável sétimo classificado da Liga destacam-se de imediato. Não engana.

Foi Daniel Ramos quem começou a época em Arouca, na sequência da não renovação de contrato de Armando Evangelista, que seguiu para o Brasil. Só que, com um único triunfo e apenas 9 golos marcados em 11 encontros, rescindiu em dezembro, após derrota com o… SC Braga. Surgiu em cena Daniel Sousa, que contava apenas com uma experiência como chefe de equipa: levara o Gil Vicente, na temporada anterior, ao 13.º posto do campeonato depois de um início periclitante. Para trás, estão experiências como analista de jogo na Académica, FC Porto, Chelsea, Tottenham e Zenit e adjunto, no Shangai SIPG e no Marselha, sempre ao lado de André Villas-Boas. Portugal, Inglaterra, Rússia, China e França foram assim riquíssimos palcos de aprendizagem, com jogadores de qualidade, contexto e culturas bem diferentes.

O Arouca cresceu rapidamente. De 9 golos marcados em 11 jogos (0,8 em média) passou a ter 48 em 28 (1,7 no total, 2,3 com o novo técnico). No caminho, penalizou o FC Porto com a perda de 4 pontos e agora o SC Braga em mais 3, vingando a derrota do antecessor na primeira volta em pleno Municipal.

Rafa Mujica festeja o seu segundo golo ao SC Braga (HUGO DELGADO/LUSA)

Primeira parte fantástica

A exibição diante do futuro clube fica como excelente cartão de visita, sobretudo pela primeira parte conseguida. O 4x2x3x1 em que normalmente se apresenta – o antecessor fez alinhar em várias ocasiões um sistema com três centrais – conseguiu pressionar alto, recuperar rapidamente a bola e saltar em transição imediata. Protegeu ainda o corredor interior e libertou, ao mesmo tempo, a última linha de grandes trabalhos defensivos. Os arouquenses apresentaram-se personalizados, a querer ter a bola e a verticalizá-la sempre que possível, e vulgarizaram o ataque do rival, que nada produziu. Jogaram como equipa grande, como tem sido habitual.

Por norma, Daniel Sousa procura construir a partir da sua baliza, embora em progressão rápida. A média de passes por posse é inferior a quatro. Nesse momentos, os laterais estão próximos para ajudar. Sobem ou descem ligeiramente consoante o lado onde esteja a bola.

As movimentações dos elementos sem bola proporcionam sempre várias opções ao portador e, com isso, fluidez natural no jogo, porém a ideia não é encostar e sim perfurar. Um dos médios, por norma David Simão, coloca-se no bloco do adversário, de frente para a sua baliza, para servir de apoio e libertar apenas com um toque, geralmente para um dos flancos. Há algum risco associado, todavia a experiência e capacidade técnica de Simão, permitem-lhe encontrar uma boa solução.

Rui Duarte e Daniel Sousa cumprimentam-se no SC Braga-Arouca (Foto: HUGO DELGADO/LUSA)

Na partida de Braga, um canto estudado aos 29 minutos forçou o autogolo de Serdar e, aos 34 minutos, após uma recuperação nas imediações da sua área, o Arouca saiu uma vez mais em velocidade. A bola chegou a Cristo González e este isolou Mujica. O guarda-redes Matheus foi ultrapassado quando saiu dos postes e o espanhol atirou para o 2-0.

A brutal influência da armada espanhola

Numa zona mais adiantada do terreno e em fase de ataque posicional, Daniel Sousa procura que a equipa se estenda em largura, agora sim com uma agressiva projeção dos laterais. A forma passa do 4x2x3x1 inicial para um 2x1x4x3 bastante dinâmico com bola, e para o comum 4x4x2 sem esta.

Os extremos vêm para dentro, embora com funções diferentes. Sylla deixa a esquerda e aproxima-se do meio-campo, enquanto o outro, o irreverente Jason (6 golos, 7 no total), ganha metros na direção do ponta de lança Rafa Mujica, que leva 18 golos na Liga, 21 em todas as competições. A partir daí, provoca a linha defensiva com movimentações, a fim de que esta recue e conceda espaços não só ao 9 como a outro dos compatriotas, Cristo (12 golos, 15 em todas as provas), que tanto assume as funções de 10 como de segundo avançado, assume o transporte e o drible, uma das suas principais virtudes, ou faz o passe de rotura. Também Mujica liberta espaço, com movimentações de falso 9, baixando no terreno, ou caindo nas alas, para os compatriotas.

SC Braga-Arouca (Foto: HUGO DELGADO/LUSA)

O extremo posicionado por dentro atrai a atenção do lateral contrário, que se acerca para o controlar melhor, abrindo-se a faixa para o lateral projetado, que, se bem servido, pode atacar rapidamente a profundidade.

O tridente espanhol apresenta química própria, entende-se às mil maravilhas e é imprescindível para o sucesso dos arouquenses. Na Pedreira, em menos de 30 minutos de jogo já cada um deles tinha atirado pelo menos uma vez à baliza, por vezes de longa distância. E muitos mais fizeram durante toda a partida.

O bloco médio

A pressão alta é usada estrategicamente, de acordo com o momento, muitas vezes no início de cada parte. Essas boas entradas nos jogos permitem à equipa de Daniel Sousa ganhar vantagens que pode depois gerir, além de aproveitar desequilíbrios assumidos por parte do rival na ânsia de corrigir o resultado.

Quando não aperta a primeira fase de construção dos adversários, a ideia é recuperar a bola no bloco médio e capitalizar, na transição rápida, os espaços deixados pelos rivais. Com 5 unidades no corredor central, a reação à perda está sempre mais potenciada.

No arranque da segunda parte no Minho, a pressão alta perdeu eficácia e a equipa assentou num bloco médio. Se é verdade que consentiu várias finalizações a um conjunto dinamizado com as entradas de Ricardo Horta e Álvaro Djaló (nos lugares de Abel Ruiz e Joe Mendes), e o crescimento de Bruma durante a partida, o Arouca também não se perdeu na corrente dos bracarenses e somou as próprias oportunidades. Foi dessa forma que acabou por chegar ao terceiro golo, perto do fim. Jason, que andava a fazer estragos pela direita, fletiu para o meio, rematou com o pé esquerdo e o compatriota Rafa Mujica, que antes já desperdiçara algumas boas oportunidades para marcar, desviou para a baliza, desta vez sem intenção.

Daniel Sousa (Foto: HUGO DELGADO/LUSA)

A linha defensiva subida

Comum às situações de pressão mais alta ou no bloco médio, é a altura da linha defensiva, que procura comprimir o espaço em que os rivais tentam construir. Se ajuda, com a proximidade dos vários setores, a uma mais efetiva recuperação da posse, também é verdade que o vazio deixado nas costas tem sido com frequência explorado pelos opositores.

A equipa é apanhada várias vezes em bolas diagonais longas que procuram os extremos e até em passes de rotura.

Mesmo assim, o registo defensivo melhorou. À 11.ª jornada, a última de Daniel Ramos no clube, o Arouca tinha 17 golos sofridos (1,54 por jogo de média). Hoje, tem 38 (1,35). Se isolarmos apenas o período de Daniel Sousa são 21 golos concedidos (1,23 de média).

Arruabarrena a mostrar a sua importância no SC Braga-Arouca (Foto: HUGO DELGADO/LUSA)

O ‘novo SC Braga’

É redutor dizer que o novo SC Braga venceu o velho no sábado. Os jogadores não são os mesmos e é preciso ter sempre em atenção o impacto daquele tridente ofensivo no conjunto arouquense. A sua influência é tremenda.

No entanto, a ideia, sobretudo aquela que vingou na Pedreira durante a primeira parte, e que mostrou uma equipa organizada, a querer dominar com bola e a pressionar e saltar em transição sem esta, tentando agredir sempre um adversário em teoria mais forte, ficou claramente vincada. Mesmo o segundo tempo, em que os arsenalistas cresceram a nível ofensivo, apresentou um conjunto visitante sem nunca perder o rumo, não se deixando abafar.

A exigência subirá para Daniel Sousa assim que entrar para trabalhar pela primeira vez no novo clube. Terá mais massa crítica para poder lutar por objetivos bem mais ambiciosos, porém perceberá também de uma forma rápida que o grupo continua com lacunas não resolvidas há anos, sobretudo a nível dos centrais. Essa deve ser uma preocupação imediata.

Daniel Sousa e Pedro Santos, um dos médios-centro da equipa de Arouca (HUGO DELGADO/LUSA)

A uma distância ainda grande do início do mercado, acredito que o técnico até possa reforçar-se em Arouca face à qualidade e escola de alguns jogadores, porém seria um desperdício não aproveitar igualmente o relacionamento com o Paris Saint-Germain para encontrar no país que mais centrais de topo forma por metro quadrado alguns que acrescentem qualidade ao plantel.

O desafio promete ser enorme, mesmo a nível do lidar com futebolistas com egos maiores. Contudo, aí entrará toda a experiência adquirida ao lado de André Villas-Boas.

O primeiro passo para o sucesso foi manter a identidade no sábado. Faltam os restantes.