Como na Serie A: o Lago, Clooney, duas bancarrotas e acusações de ‘sportswashing’

A vista para as águas é bela, mas nem tudo é perfeito no agora primodivisionário, que conta com o apoio de Thierry Henry, Dennis Wise, Cesc Fàbregas e da indústria de tabaco da Indonésia

Ao fim de duas bancarrotas e dois regressos ao ponto de partida na Serie D, a última em 2017/18, o Como está de volta ao primeiro escalão italiano, onde passou apenas 14 dos 117 anos da sua existência, com um sexto lugar como melhor registo em 1950, logo na primeira participação.

I Lariani sofreram o primeiro revés financeiro em 2004, pouco depois de terem voltado à elite ao fim de 13 anos, com jogadores como Nicola Amoruso, Fabrizio Ferron, Benoît Cauet, Benito Carbone e ainda Fabio Pecchia, curiosamente hoje treinador do Parma, que também garantiu agora a promoção à Serie A. O avançado brasileiro e futuramente internacional belga Luis Oliveira, que muitos lembram hoje por ter sido companheiro de equipa de Rui Costa na Fiorentina, tinha sido o melhor marcador e saído para o Catania. De volta às contas, nenhum investidor apareceu e, para cúmulo, descobriu-se que o anterior presidente, Enrico Preziozi, ao não ver a sua proposta de compra ser aceite por questões legais, tinha transferido os passes de alguns jogadores para o seu próximo destino, o Génova, causando a insolvência do Calcio Como S.p.A.

O regresso aos relvados foi feito debaixo de outra denominação, Calcio Como S.r.l, de novo no primeiro escalão não profissional, a Serie D. Em 2016, nova bancarrota provocou um leilão, com a mulher do ganês Michael Essien, Akosua Puni, a ganhar com o projeto FC Como S.r.l, que, no entanto, seria recusado na Serie C por não reunir todos os pressupostos necessários pela federação italiana. Voltaria sim enquanto Como 1907 S.r.l., outra vez no quarto escalão, em 2017/18.

Em 2019, entram em cena como donos os irmãos indonésios Bartono, Michael Bambang e Robert Budi, proprietários do Grupo Djarum, cuja fortuna conjunta ascendia recentemente a 44 mil milhões de euros. Os dois herdaram do pai, com a morte deste em 1963, o império do tabaco kretek (cigarros de cravo, menos agressivos ao paladar e, como tal, também mais atrativos aos jovens), que se tornou tão popular que se enraizou profundamente na cultura do país, através das marcas Black e L.A.

Apesar dos elevados índices de tabagismo e das mais de 200 mil mortes por ano derivadas de doenças provocadas pelo seu consumo, a Indonésia é o único país onde a publicidade ao fenómeno ainda é permitida, o que revela bem o poder da indústria e da influência da família no seu país natal. Além disso, a produção de tabaco é uma das mais vezes conotada com a brutal desflorestação que aí se regista. Com todas estas implicações, são poucos aqueles que não relacionam a presença no clube transalpino com o sportswashing, a lavagem da imagem através do desporto.

Localizada a cerca de 40 quilómetros a norte de Milão, Como é historicamente uma cidade aristocrática. Atraídos pela sua beleza natural, a região do Lago é refúgio para os mais ricos desde a Roma antiga. Napoleão Bonaparte morou aí algum tempo, tal como agora o ator George Clooney e a cantora Madonna, além de muitos outros visitantes ilustres que aí chegam. O lendário jornalista Gianni Brera escreveu que o Como jogava no «estádio mais bonito do mundo», mas esse potencial nunca se converteu em sucesso desportivo.

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Com os irmãos indonésios, chegaram também o antigo avançado francês Thierry Henry e o médio espanhol Cesc Fàbregas como acionistas minoritários, e Dennis Wise, antigo capitão do Chelsea, primeiro como conselheiro e depois como CEO.

Em 2022, o bicampeão europeu e campeão mundial pendurou aí as chuteiras depois de uma última época como jogador, e iniciou a carreira de técnico, e no fim do ano seguinte assumiu interinamente a equipa mesmo sem ter a licença da UEFA. Devido a essa questão burocrática, os lombardos nomearam o galês Osian Roberts como interino até ao final da época, com o espanhol a manter-se na equipa técnica e a ser responsável pela primeira equipa. Somou 15 triunfos, seis empates e quatro derrotas em 25 jogos, subiu de divisão como segundo classificado e vai agora cumprir a promessa de levar todos a Ibiza.

Além da injeção de dinheiro, o projeto passa também por valorizar os futebolistas da região, como Patrick Cutrone, nascido e criado na cidade. O avançado, que vestiu uma única vez a azzurra depois de todo um percurso pelas seleções jovens transalpinas, não conseguiu afirmar-se no Milan, onde terminou a formação, e posteriormente também não foi feliz no Wolverhampton, que o foi cedendo a outros emblemas, como Fiorentina e Valência e Empoli, antes de, em agosto de 2022, assinar pelo Como. Nesta temporada, aos 26 anos, assinou 14 golos e 5 assistências em 32 encontros. Foi o melhor marcador da sua equipa, ainda assim longe do capocannoniere, o finlandês Joel Pohjanpalo, do Veneza, que apontou 22.

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«As pessoas agora sabem que não é apenas um lago, e era o que eu queria. Com o tempo, mais pessoas saberão que é um clube de futebol. Não é apenas um sítio onde vai George Clooney», sublinhou Wise.

21 anos depois, os adeptos vão poder voltar a ver a sua equipa entre as melhores do seu país. O belo Giuseppe Sinigaglia seria o cenário ideal para receber os melhores futebolistas do país, porém há dúvidas de que consiga reunir a tempo todos os requisitos impostos pela Liga para a primeira divisão. No entanto, não é a única dúvida.

«Gostava muito de continuar no Como. Sinto-me em casa, mas logo veremos. Creio que numa semana ou duas teremos novidades», garantiu entretanto Fàbregas.

O verão será certamente animado e não deverá haver grandes problemas de investimento, mas mesmo assim o desafio estará longe de ser fácil. As expetativas serão, contudo, maiores do que das outras vezes, em que a resistência quebrou cedo demais.