Chéquia: o guia
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EURO-2024 Chéquia: o guia

INTERNACIONAL28.05.202401:18

Expectativas

Eram 3 da manhã em Olomouc, dois dias antes do decisivo jogo de qualificação para o EURO 2024, frente à Moldávia. O treinador-adjunto da seleção, Jiri Chytry, teve insónias. Saiu do seu quarto de hotel e andou pelos corredores. Ouviu vozes familiares. Não sabia exatamente quem eram, mas sentiu que tinham estado fora.

Quando, na manhã seguinte, saíram as notícias de que Jakub Brabec, Vladimir Coufal e Jan Kuchta (um trio bastante incompatível, verdade seja dita) tinham ido para uma discoteca chamada Belmondo, que na altura estava cheia de jogadores de divisões inferiores a celebrar o fim da época de outono, era óbvio que iam rolar cabeças. Os jogadores foram dispensados, mas, depois de assegurada a qualificação para o EURO, o selecionador Jaroslav Silhavy também saiu.

O treinador de 62 anos tinha feito um excelente trabalho durante cinco anos. A Chéquia tinha derrotado a Inglaterra e empatado frente a Bélgica e Espanha. Mais importante que tudo: tinha chegado aos quartos de final do último EURO. Contudo, o estilo de jogo tinha-se tornado gradualmente mais insosso e previsível, com os seus princípios algo perdidos. Perto do fim, as convocatórias começaram a levantar algumas críticas.

Depois de assegurar a qualificação para o EURO, saiu, significando isto que o seu substituto, Ivan Hasek, só tinha os encontros de preparação de março para observar mais de perto os jogadores antes de começar a preparação para o EURO. «Queremos ser imprevisíveis antes do Europeu.» Este é o mantra de Hasek e isso não deve ser muito difícil, dadas as circunstâncias. É pragmático de alma e coração («Não podemos jogar futebol ingénuo», diz), mas rodeou-se de uma equipa técnica jovem e talentosa cujos métodos são semelhantes ao gegenpressing de muitos treinador alemães.

Hasek quer construir uma base a partir do Slavia e do Sparta, o que faz sentido. Mas quem são exatamente esses jogadores? Vários dos do Slavia não estão no melhor momento de forma e a dupla de centrais do Sparta não tem provas dadas ao nível internacional. O onze inicial está longe de decidido, e o mesmo para o sistema. Uma linha de três ou quatro na defesa?

Esta é uma equipa que será porventura melhor contra adversários mais fortes, em situações em que podem ser reativos e causar problemas no contra-ataque. Contra adversários mais fracos os checos têm, por norma, dificuldades a seguir com ataques continuados para desbloquear blocos baixos. Pode-se esperar uma equipa trabalhadora e defensivamente coesa que vai correr muito e ser um portento nas bolas paradas – como muitas outras seleções checas no passado.

O selecionador

Ivan Hasek (IMAGO)

Que carreira e vida peculiar tem tido Ivan Hasek! Capturou os corações do país em 1989 quando, como capitão do Sparta e da seleção, falou durante a Revolução de Veludo numa praça Wenceslas cheia de gente, em Praga. Imediatamente após retirar-se levou o Sparta a títulos consecutivos como treinador, venceu o seu grupo na Liga dos Campeões de 99/00 e foi o último treinador checo com um cargo permanente numa liga do top 5, com o Estrasburgo. Não acabou aí. Eloquente e formado em direito, tornou-se num crítico em relação à corrupção na federação checa e no futebol checo antes de ganhar a corrida à presidência à federação, de forma miraculosa, em 2009. Comandou a federação por seis meses antes de abandonar inesperadamente o posto de presidente, ao perceber que não conseguia implementar qualquer mudança significativa. Passou uma década a treinar no Médio Oriente e é difícil perceber como essa experiência o pode ter moldado como treinador. Uma coisa não muda: o seu amor pelo futebol. «O fim-de-semana é algo lindo para mim», disse à Deník Sport. «Estou sentado a ver televisão, a mudar de um jogo de futebol para outro, a vê-los todos. Alguns dizem que sou louco, mas sinto-me ótimo na minha poltrona.»

O ícone

Tomas Soucek (Imago)

Tomas Soucek ou Patrik Schick? É o epítome do profissionalismo alguém que faz tudo bem, corre sem se cansar e contribui com um golo aqui e ali? Ou é o goleador de classe mundial que pode propagar a sua equipa à grandeza com um momento de génio? Simplesmente pela virtude de ubiquidade, tem de ser Soucek. É o capitão que junta tudo e lidera pelo exemplo com uma atitude positiva. Um jogador símbolo da sua era. Havia outros jogadores mais bem cotados pelos treinadores da formação, mas a inteligência, a capacidade física e o caráter são de classe mundial. Não é o único jogador assim no plantel checo. A sua ascensão até ao topo serve de conto de fadas para contar às crianças.

Para ter debaixo de olho

IMAGO / CTK Photo Matej Jurasek of Slavia Praha celebrates a goal during the Slavia Praha vs AC Milan football return match of the Europa League semi-final on March 14, 2024, Prague, Czech Republic

Oh, tantos desses que tivemos! Um talento geracional que nunca corresponde às expectativas. Será que eram bons, para começar? Não somos capazes de explorar melhor as suas capacidades técnicas? Ou será que exigimos demasiados a jovens de tenra idade? Essas são perguntas existenciais e infinitas no futebol checo, sendo o último sujeito Matej Jurasek, o extremo de 20 anos do Slavia que tem imenso potencial. É hipnotizante quando faz o seu movimento de marca, usando o rápido jogo de pés para passar por um defesa e desferir uma bala no canto superior da baliza. Espera-se que tenha a oportunidade e a liberdade de fazer algo especial este verão.

Espírito rebelde

Ladislav Krejci, médio de 25 anos e capitão do Sparta de Praga (IMAGO / Michal Fajt)

Um penálti decisivo ao minuto 90 ou uma expulsão por falta desnecessária sobre estrela da equipa adversária? Ladislav Krejci é capaz de ambos. Foi expulso três vezes esta época – só o português Pepe iguala esse registo –, mas uma transferência para o Betis ou o Girona está iminente e o jogador está determinado a deixar uma boa impressão no EURO. É um líder comunicativo com uma personalidade distinta, versátil e um goleador frequente. Quando está em boa forma e a pressão está nos seus ombros, assume a responsabilidade e produz momentos especiais. E também alguma confusão.

A espinha dorsal

A espinha dorsal? É mais meia-espinha-dorsal. É difícil prever o onze inicial neste momento, mas o guarda-redes do Slavia, Jindrich Stanek, e Tomas Soucek são dois indiscutíveis que serão certamente titulares. Podemos adicionar Patrik Schick caso esteja apto – e tem estado, recentemente. No que toca à defesa, Tomas Holes é o principal central e a sua calma, experiência e confiança com a bola devem fazer dele, de novo, um jogador-chave.

Onze provável (3-4-1-2)

Stanek - Hranác, Holes, Krejcí - Coufal, Sadílek, Soucek, Zeleny - Provod - Kuchta, Schick

Adepto famoso

Verdade seja dita, não há muitas celebridades de alto perfil para associar à seleção como se pode fazer com os clubes. No Slavia as câmaras estão sempre voltadas para Petra Kvitova. Daniel Kretínsky, o bilionário e coproprietário do West Ham, é um grande adepto do Sparta, do qual também é dono. Os adeptos da seleção, por outro lado, têm uma apreciação mais modesta, por isso é que fez sentido ter o célebre chef Jiri Babica na recente apresentação de equipamentos. É alguém que encapsula a sua simplicidade e é mais bem sumarizado pela sua agora imortal tirada: «Se não tens limões, podes usar limas. Se não tens limas, não tens nada para usar.»

Petisco

«No klobasa (salsicha), no party», diz o slogan do Blansko Klobasa, um adorado grupo de adeptos, nascidos em Inglaterra, da sua equipa local adotada, que joga na terceira divisão numa cidade pequena perto de Brno. E não há um jogo de futebol, em qualquer lado da Chéquia, sem o cheiro de relva aparada e o icónico fumo das salsichas na grelha. Servidas num prato de papel com mostarda, fatias de pão e, acima de tudo, uma cerveja num copo de plástico com um bocado de espuma no topo – herança cultural checa.