«Academia do Seixal? Se não é a melhor do mundo...»
Jorginho jogou com João Félix na formação do Benfica DR

ENTREVISTA A BOLA «Academia do Seixal? Se não é a melhor do mundo...»

INTERNACIONAL28.12.202312:00

Jorginho, defesa de 25 anos, formou-se de águia ao peito e foi no Seixal que partilhou balneário com Gonçalo Ramos, Rúben Dias e João Félix, entre outros. Uma das maiores mágoas foi ter perdido a final da Youth League em 2016/17. Recuperou a alegria com a conquista da Taça da Finlândia e agora conta-nos como é a vida nesse país.

A conquista da Taça da Finlândia, a 30 de setembro último, vitória na final do Ilves Tampere sobre o Honka, por 2-1, foi o melhor momento da carreira?  «Sim, sem dúvida, porque nunca tinha ganho um troféu. Conseguiu projetar-me de alguma maneira porque vim para aqui como um jogador desconhecido. Ao longo da carreira tive muitas vitórias, já estive em finais, como da Youth League [2016/17, derrota com o Salzburgo, quando jogava no Benfica], mas não ganhei, deu-me aquela angústia e agora saber que tinha a oportunidade de conquistar um troféu tornou-se num momento de extrema felicidade.»

A permanência no principal escalão também foi alcançada. Objetivo cumprido?  «Na época passada seria, mas agora o clube quer elevar a fasquia e há uma equipa nova. Notam-se melhorias e disseram-nos que o objetivo nos próximos três anos é ser campeão da Finlândia. É mais uma razão para me motivar e saber que estamos no caminho certo.»

 — Vê com bons olhos a continuidade na Finlândia? «Sim, estou a discutir a renovação de contrato e está tudo bem encaminhado. As coisas correram-me muito bem na época passada. Vim para aqui como um desconhecido e já sinto que criei um bom nome. Começo a ter algumas abordagens e isso é um motivo de orgulho para mim. Quando vim para cá, queria relançar a carreira porque já não tinha muito espaço em Portugal.»

 — Por que razão decidiu deixar o futebol português?  «Desde muito novo sempre tive a ambição de querer ir jogar para fora do país. Muitos amigos meus sempre me disseram que lá fora é um bocado diferente, ia sentir-me valorizado. O ano em que joguei no Covilhã foi mau, tive uma descida de divisão e não é nada agradável. Sabia que a II Liga era um contexto diferente daqui, porque o futebol em Portugal é muito mais tático e cá tem uma vertente mais ofensiva, o que acaba por favorecer-nos mais. Outro motivo que me fez mudar para aqui foi o interesse do Ilves. Gostei muito da honestidade, foi um clube que me disse que ficou mesmo muito agradado com o que viu e o treinador depois ligava-me constantemente a dizer que queria que eu viesse para cá, notei um interesse que não sentia desde a minha lesão, o que mexeu comigo. Estou a sentir aqui uma coisa que nunca senti, o valor que me estão a reconhecer.»

 — Sente que em Portugal não se valoriza o jogador português? «Não tanto, porque agora o nosso futebol tem melhorado bastante em termos de competições europeias e seleções nacionais. O nosso Europeu conquistado em 2016 também teve um enorme impacto. Já se começa a dar valor a jogadores que estão em patamares diferentes, em países em que o futebol não é tão agradável. E é nesse sentido que falo no valor, as pessoas estão mais atentas.»

 — Tem contacto com jogadores portugueses na Finlândia ou conhecimento de alguma comunidade portuguesa? «Não muito. Eu também sou uma pessoa muito ligada à minha família, à minha namorada, aos meus amigos e estou o dia todo com o Facebook e o WhatsApp a bombar. Estou aqui sozinho mas consigo estar constantemente em chamada com eles. Tive também com o Bubacar Djaló que jogava no FC Lahti no ano passado e que apanhei na formação de Sporting e Benfica. Aqui no clube temos uma regra, só se fala inglês para familiarizar os jogadores estrangeiros.» 

— Por falar em línguas, já decidiu aprender finlandês? «Decidi e tentei, mas é uma coisa mesmo muito complicada. Nunca pensei que fosse tão complicada. Já sei algumas palavras, mas muito longe de saber falar.»

 — Qual foi o primeiro choque de realidade na chegada à Finlândia? «O impacto que tive até foi mais pela positiva. Já percorri meio mundo, estive em países como a Rússia e a Ucrânia e pensei que as pessoas fossem mais frias, mas são muito agradáveis. No clube, dão o máximo para ajudarem no que conseguirem e tentam que não nos falte nada. Fazem com que te sintas em casa. Nós treinamos num campo indoor para não termos de treinar ao ar livre. Se fosse agora, o choque seria a temperatura, está a rondar os menos 15 graus, menos 12... Estive em Portugal no último mês e havia dias que os meus familiares e amigos perguntavam-me se eu não tinha frio, eu honestamente não tenho, isto para mim é calor.»

Jorginho com a camisola do Ilves Tampere DR

 — Se lhe dissessem que no futuro iria viver na Finlândia, via isso com bons olhos? «Com muito bons olhos. Há muita qualidade de vida aqui, mas o problema é que é tudo mais caro, o que podia pesar na minha decisão.»

Na Finlândia, os adeptos só festejam mais golos e até me incomoda um bocado

 — Em Portugal, vemos atualmente um futebol muito de bastidores, com toxicidade entre as estruturas e os adeptos. Também é assim na Finlândia? «Não, porque aqui o desporto-rei é o hóquei no gelo e eles conseguem colocar mais adeptos num jogo de hóquei do que no futebol. Mesmo assim, há muita gente ligada ao futebol e agora nós também vamos estrear um novo estádio na próxima época, para oito mil pessoas, que será o melhor estádio do país. Aqui, os adeptos só festejam mais os golos e isso até me incomoda um bocado. Quando fazia um bom corte, em Portugal, via os meus companheiros a vir ter comigo e o estádio a sentir a vibração. Aqui já não sentem muito.»

 — Sente também que um jogador português no estrangeiro tem mais facilidade em dar entrevistas do que quando está cá? «Sem dúvida, porque eu lembro-me de no Benfica dar algumas entrevistas, mas sempre internas, do clube. Aqui já fiz muitas entrevistas e isso também é bom para a minha visibilidade.» 

— No futuro, um regresso a Portugal está fora de equação? «É difícil. A Finlândia foi uma surpresa muito positiva para mim. Se fosse um bom projeto veria com bons olhos, porque é sempre o meu país.»

 — A maior mágoa da carreira foi a derrota na final da Youth League em 2016/17?  «A maior foi mesmo a minha lesão que me afastou dos relvados durante um ano [primeiro ano de sénior na equipa B do Benfica]. Foi a maior luta e angústia que tive. Coloco a final da Youth League em segundo lugar.»

 — A lesão condicionou a afirmação no Benfica? «Sem dúvida, porque nessa altura já me tinha estreado pela equipa B com idade de júnior. Na altura, não era assim tão fácil, mas atrasou-me um bom período de tempo. Estamos a falar de muitos minutos que perdi por estar lesionado.»

 — Torce pelo Benfica? «Sem dúvida que sim. Tenho um grande carinho pelo Vitória Sport Clube, porque foi o primeiro jogo que fui ver oficial. É um sentimento repartido.» 

— E sobre o Benfica esta temporada, têm tudo para chegar ao bicampeonato? «Para mim, apesar do Sporting, o FC Porto e o SC Braga terem boas equipas, o Benfica tem melhor plantel. Costumo ver muitos jogos e até as equipas dos escalões mais inferiores têm jogadores com mais qualidade. Há uns anos era muito mais fácil dizer que os três grandes iam jogar fora e ganhar de forma relativamente fácil.»

Se me ligassem agora do Benfica não tinha muita dificuldade em aceitar

— Como avalia o trabalho de Roger Schmidt? «É um treinador que me surpreendeu muito na primeira época. Claro que a qualidade do plantel também ajuda. Eu, sendo um jogador que gosto mais de jogar e ter bola, só tenho a elogiar.»

 — E se lhe ligassem agora do Benfica, pensava em voltar? «Não tinha muita dificuldade em aceitar. Toda a gente sabe da dimensão do clube. Pela mística que tem, e que eu senti muitos anos, não podia rejeitar.» 

— E se fosse convidado por FC Porto ou Sporting?  «Sim, nunca vou rejeitar um grande. Sou português e gosto sempre do melhor futebol. São equipas muito boas e seria muito difícil dizer que não.»

— Partilhou balneário com nomes como Renato Sanches, Rúben Dias, João Félix e Gonçalo Ramos na formação. Já aí se perspetivava o talento e uma possível afirmação internacional? «Sem dúvida, já se notava que naquela idade tinham um perfume, estavam uns passos à frente e conseguiam jogar um nível acima. Aquela competitividade para eles já era uma coisa banal. Tínhamos ali um bom balneário com algumas brincadeiras.» 

— Aprendeu muito com eles? «Claro, quando treinas com melhores jogadores, também te vai obrigar a evoluir, pensar e executar mais rápido. Neste tipo de clubes, tens de executar mais rápido e na perfeição.» 

Jorginho também disputou a Youth League pelo Benfica junto a nomes como Florentino, João Félix, Rúben Dias e Gedson Fernandes DR

— Qual era o jogador da formação do Benfica que pensava que ia mais longe? «O João Carvalho e o Pedro Rodrigues. Apanhei-os muito tempo no Benfica e via-os como referências. O futebol para eles era sempre fácil.» 

— Também partilhou balneário com Samuel Soares. É o futuro dono da baliza do Benfica? «Sem dúvida. Tem uma coisa muito boa para o futebol hoje em dia. É muito bom com a bola nos pés.» 

— Veio da formação do Benfica, sabe melhor que ninguém o trabalho que se faz lá. É legítimo considerarmos a Academia do Seixal como a melhor do mundo? «Já estive em muitas e continuo a achar que sim. Todos os anos o Seixal tem melhorias e isso ajuda na progressão dos jogadores. Se não é a melhor, está entre as melhores do mundo.» 

— Na equipa B foi treinado por Bruno Lage. Surpreendeu-o a forma como se afirmou no comando técnico da equipa principal? «Honestamente até estava à espera dessa mudança. Se houver bom material dentro do clube não é preciso ir fora e notava-se que na II Liga tínhamos um bom futebol. Foi uma boa oportunidade que deram ao mister Bruno Lage.»

 — Ainda foi treinado por Nélson Veríssimo, que também passou pela equipa principal. Consegue traçar algumas diferenças entre os dois? «Não podemos dizer que havia muitas diferenças, porque ambos tinham o mesmo estilo de futebol muito ofensivo. Cada um com os seus métodos, mas não notei muitas diferenças.»

 — Já como sénior, jogou no Famalicão e no Covilhã. Como se processou essa transição? «No Famalicão também acho que tive azar. Era a minha cidade e o clube estava a crescer cada vez mais. É das decisões mais difíceis que se tem. Estando num dos maiores clubes de Portugal, foi difícil ir para uma equipa que estava uns passos abaixo do Benfica. As lesões também não me ajudaram. No Covilhã, as nossas condições de trabalho não eram assim muito boas, claro que não é desculpa. Sinto que melhorei muito o meu estilo de jogo, porque aprendi a defender. A descida de divisão depois fez-me sair, ainda tinha mais um ano de contrato.»

Passes Curtos

— Ganhar uma Liga dos Campeões ou uma competição de seleções?  Uma Liga dos Campeões.

 — Um defesa alto ou que saiba jogar com os pés?  Que saiba jogar com os pés, sem dúvida. 

— Melhor golo? Foi na Finlândia com o AC Oulu, que tinha um treinador português na altura [Ricardo Duarte].

 — Golo de cabeça ou com os pés?  Com os pés. 

— Melhor avançado que enfrentou?  Mbappé [enfrentou-o num torneio de futebol de formação do Benfica frente ao Mónaco]. 

— Colega mais chato de balneário no Benfica? Ricardo Mangas.

 — E agora no Ilves?  Seydine N´Diaye, que já tinha estado comigo no Covilhã.

 — O mais vaidoso?  Isso sou eu, sem dúvida [risos].

 — Numero de camisola preferida?  3.

 — Ídolo no futebol?  Marcelo.

 — Desejo para a próxima época?  Ser campeão e ter sucesso na Conference League.

 — Comida preferida na Finlândia?  Não pode ser a que eu faço? [risos]. Eles fazem muita comida com molhos. Sou mais saudável! 

— O que tem mais saudades da gastronomia em Portugal?  Francesinha, sem dúvida.

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