A propósito de Giroud: ainda se lembra de Paulo Sousa numa noite de chuva no Bessa?
Paulo Sousa (Foto: ASF/PRESS PHOTO AGENCY)

A propósito de Giroud: ainda se lembra de Paulo Sousa numa noite de chuva no Bessa?

NACIONAL09.10.202321:36

Aqui se recorda aquele Boavista, 2-Benfica, 3 de abril de 1993

No último fim de semana, o francês Olivier Giroud, jogador do Milan, fez lembrar Paulo Sousa, quando há 30 anos, numa noite de Boavista-Benfica, no Bessa, o médio das águias se ofereceu para ir para a baliza após a expulsão de Neno, o guarda-redes dos encarnados. Foi a 10 de abril de 1993, numa noite com muito frio e chuva e um relvado, naturalmente, pesado.

Quando o Benfica já vencia por 1-3 com dez jogadores em campo (por expulsão do central Hélder, aos 65 minutos, após ver segundo amarelo), o guarda-redes Neno viu também o cartão vermelho, neste caso direto, aos 72 minutos, por derrubar o avançado boavisteiro Nélson Bertolazzi e provocar grande penalidade.

Benfica ficou, assim, reduzido a nove jogadores e já tinha efetuado todas as substituições. Paulo Sousa assumiu as luvas, virou a camisola de Neno do avesso e foi para a baliza, fazendo recordar-lhe os tempos em que, ainda menino, experimentara ser guarda-redes. O médio defensivo benfiquista sofreu, naquele penálti, o golo de Artur, mas a partir daí foi intransponível, ajudando a confirmar a vitória do Benfica e tornando-se, naturalmente, herói dos adeptos encarnados.

Agora, em Génova, aconteceu o mesmo a Giroud, que passou de ponta de lança a guarda-redes do Milan após a expulsão do companheiro Mike Maignan, já com todas as substituições realizadas.

É verdade que Paulo Sousa ainda esteve uns bons 20 minutos na baliza naquela noite no Bessa, e Giroud apenas meia dúzia. Mas ambos foram decisivos para Benfica e Milan conseguirem segurar as vitórias. Basta, na verdade, ver os resumos dos jogos para se perceber o papel que Sousa e Giroud tiveram. 

Há 30 anos, no Bessa, lembro-me, por exemplo, de Sousa desviar para canto uma bola disparada, de muito longe, e com selo de golo, pelo poderoso Bobó; desta vez, no Estádio Luigi Ferraris, em Génova, a dada altura, já mesmo quase, quase sobre o apito final, o francês Giroud até fechou os olhos para se atirar corajosamente de cabeça, socar a bola e impedir (tão certo como 2+2 serem quatro) o golo do empate dos genoveses, sendo assim decisivo para a equipa manter a preciosa vantagem de um golo.

Não é, como se vê, a primeira, nem será, evidentemente, a última vez que um jogador de campo (como habitualmente se designam todos os que não são guarda-redes) é obrigado a ir para a baliza, na maioria das vezes de forma voluntária – há, na verdade, sempre os mais corajosos que se chegam à frente, como foi o caso de Paulo Sousa, há 30 anos, ou de Giroud, no fim de semana passado.

Acontece, normalmente, por expulsão do guarda-redes quando já não dá para fazer qualquer substituição, ou também, na mesma circunstância de jogo, por lesão fatal do homem da baliza.

Ainda por expulsão do guarda-redes, também o inglês Harry Kane (hoje ponta de lança do Bayern de Munique) se aventurou na baliza, então do Tottenham (sua equipa de sempre até á transferência para a Alemanha, neste último verão). Foi em 2014, num jogo da Liga Europa, frente aos gregos do Asteras Tripoli, em Londres, com a extrema curiosidade de Kane ter feito três golos (por sinal, o primeiro hat-trick da carreira) e acabado por… sofrer um, num clamoroso ‘frango’.

Kane é um dos maiores goleadores ingleses da história (melhor marcador da seleção dos ‘três leões’ e 2.º melhor marcador absoluto de sempre da Premier League, atrás do compatriota Alan Shearer), mas naquela noite não foi recordado apenas pelos três magníficos golos ao adversário grego. Por expulsão, ao minuto 87, do guarda-redes Hugo Lloris, mais uma vez já com as substituições esgotadas, o Tottenham, que já vencia por 5-0, precisou que alguém se ‘atrevesse’ a ir para a baliza e foi Harry Kane, o capitão, a dar o exemplo e assumir a responsabilidade.

Pobre Kane, porém, que logo dois minutos depois, na sequência de um livre direto apontado pelo argentino Jerónimo Barrales (que entrara no Asteras Tripoli) não foi capaz de segurar a bola, que até pareceu fácil, deixando-a praticamente escapar das suas mãos para o interior da baliza, fixando-se assim o resultado em 5-1.

Ninguém podia, evidentemente, levar a mal o ‘frango’ de Kane qualquer que fosse a circunstância, mas muito menos depois dos três golos que deixara assinados no jogo. Ficou, no entanto, o episódio caricato na história de um jogador então ainda muito jovem (21 anos na altura) e certamente longe de imaginar que viria a tornar-se na figura mundial em que se tornou. 

O mais surpreendente e excecional de todos os casos foi, porém, outro, e quem o viveu foi Enzo Pérez, antigo jogador do Benfica. Em 2021, no auge da pandemia da Covid-19, Enzo Pérez teve de ser o guarda-redes titular do River (e jogou os 90 minutos) num jogo da Taça dos Libertadores, quando a equipa viu todos os guarda-redes infetados e, por isso, impedidos de jogar. O River recebia em Buenos Aires os colombianos do Independiente Santa Fé e acabaria por vencer, por 2-1, mantendo até final os mesmos onze jogadores (únicos disponíveis) que começaram o jogo.

Enzo Pérez realizou exibição tão memorável que acabou eleito o ‘melhor em campo’. Inesquecível. Bem mereceu a distinção um dos jogadores mais notáveis da história do grande clube argentino.