6 setembro 2024, 15:41
«Os meus colegas gozavam comigo por causa do meu Opel Corsa»
Rodri assume-se como uma pessoa normal pese o mediatismo do futebol
O percurso pouco habitual de um jogador que é o oposto do que é o futebolista atual. A anti-estrela, sem redes sociais e com formação superior que jogava em La Liga e morava numa… residência universitária
Se por um acaso anda à procura de uma publicação lamechas, ou mesmo um story, a celebrar a conquista da Bola de Ouro, não vale a penar perder tempo: não vai encontrar. Pelo menos do vencedor do prémio relativo a 2024. É que Rodri nem sequer tem redes sociais.
Sim, pode parecer uma realidade estranha, mas é mesmo assim. E essa é apenas uma das facetas que torna o médio espanhol alguém tão diferente da imagem que temos atualmente das maiores estrelas do futebol mundial. Rodri é o oposto. É a mais pura anti-estrela.
«Não gosto de ser extravagante. A fama não me dá qualquer tipo de satisfação», já repetiu várias vezes o jogador que, fora de campo e longe da vista dos amantes de futebol, ninguém conhece.
Esse detalhe, porém, não é o único que diferencia o novo Bola de Ouro da maioria das estrela do chamado desporto-rei.
Sabia, por exemplo, que o médio do Manchester City é licenciado em Administração e Gestão de empresas? Claro que sabia: diz no título!
O espanhol fez sempre questão de pensar no seu futuro para lá do futebol e foi por isso que apostou na formação académica, que terminou quando já estava em Inglaterra ao serviço dos citizens.
Mais do que ter concluído o curso, o percurso académico de Rodri diz muito sobre a simplicidade e humildade que os mais próximos tendem a apontar-lhe como característica imutável.
Mas para o explicar é preciso recuar ao início no futebol. Rodrigo Hernández Cascante iniciou a carreira no Rayo Majadahonda, pequeno clube dos arredores de Madrid no qual também despontou Pepe Reina, e onde Rodri tinha como companheiro de equipa Lucas Hernández, atualmente no PSG.
Em 2007, mudou-se para as escolinhas do At. Madrid, onde esteve até 2013. Saiu depois, alegadamente por ser baixo e não muito forte fisicamente, e rumou ao Villarreal, num momento que, partilhou agora, já com a Bola de Ouro na mão, o fez pensar que o seu sonho de ser futebolista ia desvanecer. «Foi o meu pai que me disse que não podia desistir, depois de tudo o que tinha investido. E nesse dia, mudei a minha mentalidade», recordou, emocionado.
Seguiu-se a mudança para o clube do litoral este de Espanha, a mais de 400 quilómetros de casa, onde concluiu a formação futebolística, iniciando ali também o curso superior.
Pouco mais de dois anos depois de ter chegado, Rodri estreou-se na equipa principal em dezembro de 2015, num jogo da Copa do Rei frente ao Huesca, somando um total de seis jogos nessa época.
O médio estava lançado. E na temporada seguinte agarrou o lugar definitivamente. Mas apesar disso, não largou nem os estudos, nem tão pouco… a residência de estudantes onde morava, o que não deixava de espantar os colegas de residência que o viam a jogar futebol na televisão e depois o tinham ali a jogar ping-pong e a cozinhar/jantar ovos mexidos como os demais.
Mas também falamos do mesmo jogador que por essa altura, já a receber um ordenado de jogador de primeira divisão, o carro que comprou foi... um Opel Corsa em segunda mão.
De resto, essa permanência naquele espaço mudou-lhe a vida, afinal foi na residência que conheceu aquela que é ainda a sua namorada, e que é formada em Medicina.
O crescimento de Rodri no «submarino amarelo» foi rápido e inequívoco. À segunda época, foi o jogador com mais passes feitos no campeonato espanhol e a qualidade demonstrada não deixou dúvidas ao At. Madrid, que foi lá resgatá-lo no verão de 2018. Para isso, pagou 20 milhões pelo passe de um jogador que tinha deixado escapar aos 17 anos a custo zero.
Ah, At. Madrid e 20 milhões? Aí já veio a extravagância!... Nem por sombras. Rodri manteve-se igual. Como se percebe no relato do amigo e companheiro de quarto na residência de estudantes a quem confidenciou sobre o regresso aos colchoneros.
6 setembro 2024, 15:41
Rodri assume-se como uma pessoa normal pese o mediatismo do futebol
«Vinha de um jogo contra o Barcelona e contou-me que ia voltar ao At. Madrid… enquanto aquecia a pizza que recebia no final dos jogos», lembrou Valentín Henarejos, em reportagem da Marca, em 2018.
No caminho para o topo, que atingiu definitivamente nesta segunda-feira, consta apenas um ano no At. Madrid entre o salto do Villarreal para o Manchester City. Mas um ano que assume ter sido fundamental.
«Simeone ensinou-me aspetos vitais do jogo, principalmente a importância aliar a mentalidade defensiva às minhas capacidades ofensivas, o que me preparou bem para a intensidade da Premier League», explicou numa entrevista à ESPN aquele que nesse ano nos colchoneros foi o jogador com mais recuperações de bola de todo o campeonato.
Ainda assim, o passo que deu foi inesperado. E talvez a única decisão que destoa no perfil que lhe traçam. «Rodri rescindiu unilateralmente o contrato», anunciou com estrondo o At. Madrid, no verão de 2019.
Segundo relatos em Espanha na altura, o médio foi com os representantes legais depositar os 70 milhões de euros da cláusula de rescisão para deixar o clube com o qual tinha mais quatro anos de contrato. Claro que tinha o Manchester City por trás, mas na prática, pagou para sair daquele que já admitiu várias vezes, é o clube do seu coração.
Mas era forma de continuar a evoluir e dar o passo seguinte. Fê-lo a troco de se tornar no jogador mais caro do Man. City até então, destronando Riyad Mahrez.
De lá para cá, tem escrito história. Enquanto mantém a mesma humildade. E continua longe das redes sociais. Ganhou quatro vezes a Premier League. Marcou o golo que deu a primeira Champions ao Manchester City. Ergueu o troféu do Mundial de Clubes. Tornou-se dono de um recorde de 62 jogos seguidos sem perder na Premier League.
Um estudo publicado em maio pelo Observatório de Futebol do Centro Internacional de Estudos de Esporte (CIES Football Observatory) apontou Rodri como o jogador com maior impacto na temporada passada, entre 54 ligas do mundo.
Isso excluiu, por exemplo, o título Europeu conquistado por Espanha no verão, prova na qual Rodri foi eleito o melhor jogador. Também não contabilizou a Liga das Nações que venceu no verão de 2023 e na qual também foi eleito o melhor.
Mas tudo isso terá contado, de alguma forma, para a conquista da Bola de Ouro. Algo que nem o próprio Rodri parecia acreditar em setembro, como confessou em entrevista à ESPN.
«Há muito marketing envolvido neste prémio. Cada um deve jogar com as cartas que tem, porque não há hipótese de mudar o jogo. E não deixo que isso me frustre. Espero apenas que na próxima década possamos começar a ver o reconhecimento por jogadores da minha posição e por todos os grandes talentos nas posições defensivas e de meio-campo», declarou.
«No fundo, gostava que aqueles que votam olhassem além das aparências de fama e riqueza e julgassem com base no verdadeiro valor em campo», acrescentou.
Ora, não foi pelo que Rodri exibe nas redes sociais que ele ganhou, aos 28 anos, a Bola de Ouro.
Será o início de uma era, ou a exceção à regra?