Espaço Universidade Ser treinador desportivo nas artes marciais e desportos de combate (artigo de Vítor Rosa, 89)
Pelo Decreto-Lei n.º 105/72, de 30 de março, foi criada, em 1972, Comissão Diretiva das Artes Marciais (CDAM). Este organismo, dependente do então Departamento Defesa Nacional, tinha por missão atender às questões de segurança interna. As atribuições consistiam na superintendência e controle do ensino, aprendizagem ou prática das artes marciais. Este Decreto-Lei previa o sancionamento (prisão e multa) da prática não autorizada das artes marciais. Depois de várias mudanças organizacionais e de ministérios, a CDAM viria a ser extinta pelo Decreto-Lei 69/87, de 9 de fevereiro. Em 2007, fruto da minha investigação e da consulta dos arquivos, escrevi um longo artigo científico sobre esta Comissão (Rosa, 2007). A minha tese de doutoramento é, hoje, referenciada no Arquivo da Defesa Nacional (cf. https://arquivo-adn.defesa.gov.pt/details?id=36035). Se debitamos à CDAM alguns problemas criados no seio das artes marciais e desportos de combate em Portugal, ponhamos-lhe crédito, em contrapartida, os benefícios que dela se recebeu em termos de formação dos instrutores e/ou mestres. Fazendo uma retrospetiva sobre a credenciação dos instrutores das artes marciais, especialmente as práticas de judo, karaté, aikido e taekwondo, verifica-se que a década de 1980 representa um marco significativo de transformação no tocante à formação e qualificação contínua dos instrutores destas modalidades em Portugal.
Com a colaboração dos então Institutos Superiores de Educação Física (ISEF), Lisboa e Porto, e inspirados no trabalho desenvolvido neste domínio em países como o Reino Unido, a França, a Espanha, a Itália, etc., a CDAM conseguiu promover durante alguns anos uma prática de formação, adaptando-se à grande heterogeneidade da população-alvo, mas também à grande diversidade de lugares e tempos de formação. Os objetivos definidos para essa formação eram os seguintes: i) dotar os recursos humanos de competências técnicas, sociais, culturais, éticas e pedagógicas; ii) demarcar o campo político e ético, ou seja, na expressão em desuso “separar o trigo do joio”. Dito de outro modo, destrinçar quem de facto estava interessado em ensinar as artes marciais de forma correta e profissional e quem era charlatão. Por outro lado, é o reconhecimento que apenas o conhecimento técnico específico de uma determinada arte marcial não era suficiente para capacitar o praticante para a função de educador.
Podemos dizer que o principal contributo das ações de formação foi o dos treinadores terem a certeza de serem “profissionais” não só aos seus próprios olhos, como também aos daqueles que os viam do exterior. Para além de ser, evidentemente, um fator de valorização e de confiança em si próprios, e de trabalho continuado de reflexividade profissional, a formação constituiu um lugar de encontro e de intercâmbio, pois os participantes encontraram aí uma ocasião de se conhecerem, de confrontarem as suas experiências, até mesmo de vencerem o isolamento próprio das suas condições de trabalho e de vida. A realidade formativa hoje é outra. Com uma validade de cinco anos, o “Título Profissional de Treinador/a de Desporto” (TPTD) passou a ser o documento oficial que habilita e regula o exercício das funções de treinador(a) em Portugal. A emissão do TPTD é da responsabilidade do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). A PORDATA disponibiliza alguns dados sobre o número de treinadores de algumas modalidades desportivas em Portugal.
Referências:
Rosa, V. (2007). Encuadramiento legal e institucional de las artes marciales y deportes de combate en Portugal. Revista de Artes Marciales Asiáticas, 2(4), 8-31.
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa