Pré-época, 2.ª parte: Planeamento e Periodização do Treino e sua importância para o futuro de uma equipa na construção do sucesso!...(artigo de José Neto, 153)

Espaço Universidade Pré-época, 2.ª parte: Planeamento e Periodização do Treino e sua importância para o futuro de uma equipa na construção do sucesso!...(artigo de José Neto, 153)

ESPAÇO UNIVERSIDADE05.07.202317:12

Na sequência do trabalho anteriormente publicado, correspondente às diversas conceções de treino e sua adaptação para a conquista das condições que permitam obter o sucesso, iniciarei uma abordagem onde conste uma evolução de circunstâncias que fizeram duma pré-época um exemplo de vida.

Nos tempos que se considerava que uma pré-época devidamente estruturada, daria para alcançar resultados significativamente positivos para todo o ano desportivo, as cargas de treino assumiam por vezes um autêntico drama para os “heróis” que tinham que as suportar. O volume prevalecia sobre tudo o que compunha as restantes características do treino, sendo os atletas sujeitos a autênticos desafios de bravura e heroicidade, suportados por corridas em perseguição, calcorreando o escadório das bancadas, (quantas vezes carregando com bolas medicinais, alteres e mesmo o peso de companheiros), corridas em grupo pelos bosques, areais … percorrendo longas distâncias intervaladas por saltos entre paredes, arrastando troncos de árvores, deixando os atletas pelo caminho, suor, sangue e gemidos, que nem um chuveiro fresquinho e prolongado chegava para eliminar tanta agonia. Até se dizia, a título de gozo, “quanto mais dor mais amor” … e a tão apetecida bolinha só aparecia 1 ou 2 semanas após este tempo de autêntica tortura.

Embora registasse esses exemplos de agonia por informação que era me transmitida, tive a felicidade de encorpar equipas técnicas, a partir do início da década de 80, em que por intermédio de quem liderava com novidade outros projetos de futuro, com esta máxima que jamais haverei de esquecer: “olha para o jogo e ele te dirá como deves treinar” (José Maria Pedroto), seguido por Artur Jorge, Ivic, etc…

Não obstante no microciclo semanal de treino efetuasse uma ou outra saída para espaços exteriores ao estádio, em treino bidiário, uma das sessões via contemplada a parte técnico tática em formas competitivas de jogo.

Quando se aborda nos dias de hoje, métodos de treino bidiário ou tridiário numa pré-época, poderei referir a título de exemplo, (de forma muito resumida), uma sessão que consta dum dossier, que ainda permanece escrito e que faz memória:

7 horas – acordar- avaliação da frequência cardíaca e peso corporal; 7.30 – corrida continua (30 a 40 minutos) em regime de endurance, em que se procurava que cada jogador mantivesse a sua pulsação numa escala (220-idade x 70%); retorno à calma com alongamentos e hidratação.

8.30 – Pequeno-almoço, seguido de tempo livre para leitura de jornais, jogos de salão, etc…

11.00 – Treino de potência no espaço próximo do hotel, sala de musculação ou estádio – método da repetição com intensidade elevada, usando cargas a 30%da força máxima em estações especificamente indicadas para as zonas musculares de maior incidência. No final treino, utilizando a piscina da zona hoteleira em estágio, realizando atividade livre dentro de água, associando exercícios de estiramento e relaxamento geral.

12.30 – Almoço, seguido de descanso

17.00 – Treino tático - técnico, tendo em atenção os princípios inseridos na construção do modelo de jogo e as características dos jogadores, procurando sempre a repetição pelas ações que se viam positivas, no sentido de adquirir a dinâmica coletiva das rotinas em sucesso.

É evidente que os atletas eram submetidos a testes de início de época, divididos por 3 categorias: antropométricos – peso, altura, pregas cutâneas e avaliação de percentagens de gordura; cardiovasculares – índice cardíaco e teste de ruffier, sendo substituído pelo teste de esforço com avaliação do consumo de oxigénio; motores – testes de força, resistência, velocidade e flexibilidade.

Para além de outras observações em testes ao nível laboratorial, cada atleta figurava num dossier onde o registo destas e de outras informações (sociais, familiares, historial clínico e competitivo), fazia parte.

Já que abordamos esta questão dos testes, afigura-se-me de muita importância sua aplicação, quer no início da época, quer no decorrer da mesma, em períodos especificamente determinados pelas equipas técnica e médica. Contudo, devemos ter em atenção que a realização de testes de esforço máximo, para atletas que estão a iniciar a época com zero treinos realizados, poderemos ocasionar situações de dúvida na sua eficácia e inclusivamente, podendo ocasionar possíveis lesões. Sendo assim, o melhor seria efetuar este tipo de avaliação em testes deste tipo, na 2ª ou 3ª semana de trabalho.

Temos neste domínio uma diversidade de elementos que poderão concorrer para uma avaliação de competências físico-técnicas-atlético-psicológicas-mentais –fisiológico-laboratoriais e funcionais.

Tomamos alguns exemplos, nomeadamente ao nível da antropometria (peso, medidas e pregas cutâneas, bio impedância, podologia … ); ao nível cárdeo funcional ( prova de esforço, avaliação VO2mx, medida de lactatos … provas de campo com utilização do cárdeo frequencímetro e GPS na avaliação de rendimento …); ao nível da potência muscular …( máquinas Isocinéticas, counter moviment jump, células foto elétricas …); ao nível psicológico e mental ( avaliação da componente motivacional, stresse ansiedade, atenção e concentração, locus de controle, formulação de objetivos, autoconfiança, liderança, coesão … ).

Em termos de treino numa pré época, o fundamental é associar a qualificação do desempenho à exigência que a função no jogo o determina (avançado, médio, defesa, g.redes)  e a especificidade para a qual se reforça a aptidão. Lá voltamos ao princípio e novamente à frase que me salta para a memória e eu persigo em cultivar, porque jamais deixarei de evocar: “queres treinar bem? -  Olha para o jogo e ele te dirá!...” – Senhor Pedroto.

Em termos tático-técnicos do jogo, a pré época também se torna fundamental, pois aí se devem encontrar as premissas do modelo de jogo como referência que deve orientar a construção de situações e exercícios no processo do treino, sendo estes planeados, praticados e avaliados de acordo com o modelo de jogo, a partir de métodos que evidenciem uma maior ou menor intensidade, que possibilitem ao jogador um determinado comportamento, que de forma instintiva e automática se irão refletir nos automatismos evocados pela performance da equipa como um todo.

O capítulo da observação e desempenho da equipa (assunto que mais tarde irei referir em capítulo especialmente preparado para o efeito), deve estar presente no imediato, tendo em atenção algumas vertentes, tais como: modelo de jogo adotado ( sistema de jogo, organização ofensiva – variantes táticas, ocupação dinâmica dos corredores, poder de iniciativa, etc.; organização defensiva – variantes táticas, tipo de marcações, pressing, etc.; transições – mudanças de atitude à perda de bola, etc; bolas paradas – estudo e treino de eficácia … E… outras e muitas outras questões se deverão colocar no entendimento para a qualificação do desempenho: qual a vantagem da posse de bola e sua relação com o resultado??? Qual a eficácia relativa e absoluta do ataque, tendo em atenção a média para os remates e estes para a concretização em golo??? Quais os jogadores e condições mais capazes de os operacionalizar??? Qual a medida de tempo de um contra-ataque com êxito??? Quais os rankings de sucesso no âmbito do passe, da interceção e do desarme???

Perguntas e mais perguntas que cada vez mais submetem o treinador e sua equipa técnica para uma informação altamente qualificada e que deve fazer parte do reportório na gestão operacional das condições que possam ser convertidas em sucesso.

É prioritário impor logo na pré-época um diagnóstico dos esforços participativos de cada atleta no modelo de jogo a ser consagrado. Para isso torna-se fundamental conhecer as ações que o jogo mais exige, para no decorrer dos processos de treino se possa adequar a metodologia mais capaz para responder às prestações da equipa na corrida para o êxito.

Mas como tudo isto jamais será um processo acabado, devem ser criadas as condições para promover e articular a discussão à volta do tema em questão e em que cada participante necessariamente terá que começar por perguntar, depois por ouvir e a seguir dialogar, fazendo de cada ideia uma oportunidade válida para a (prender) a vida!…

 É claro que isto não “encaixa” naqueles que pensam que qualquer metodologia que contenha algo de novo, ainda possa constituir matéria ofensiva, porquanto de Futebol … tudo sabem. Para esses, aconselho o pensamento de Karl Popper: “a solução de qualquer problema origina novos problemas à espera de solução” ou do Professor Doutor Manuel Sérgio “enquanto existe o método explicativo para tratar a ciência, é preciso o método compreensivo para tratar as outras áreas do saber” … e mais à frente: “nesta leitura do tempo é fundamental explicar a natureza para que depois se possa compreender o ser humano”. Meu querido e amado PROFESSOR!...

Deixo para a próxima semana a questão das equipas que optam por realizar estágios, e local para os mesmos, as competições numa pré-época e seu grau de complexidade, a problemática dos fusos horários, jogos e treinos em altitude e possíveis consequências para o rendimento no futuro imediato.

Tentarei refletir com quem eu tiver o privilégio de me envolver nesta temática, que considero fundamental para vencer o futuro.

José Neto: Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores F.P.F./ U.E.F.A; Docente Universitário – Universidade da Maia; Embaixador Nacional para a Ética e Fair Play no Desporto.