Não gosto do Cristiano Ronaldo (artigo de José Augusto Santos, 27)

Espaço Universidade Não gosto do Cristiano Ronaldo (artigo de José Augusto Santos, 27)

ESPAÇO UNIVERSIDADE18.05.202321:04

Tinha prometido a mim próprio evitar nos meus escritos qualquer tipo de abordagem das acontecências do futebol atual. Isto, menos por receio de qualquer feed-back negativo, mais por uma espécie de higiene mental que me permita dormir sem fibrilações auriculares e taquicardias paroxísticas. Já é tempo de dar alguma calma a este miocárdio ligeiramente escaganifobético.

Para já uma petição de princípio para evitar qualquer equívoco – não tenho o menor apreço pelo cidadão chamado Cristiano Ronaldo e a partir desta apreciação subjetiva sobre o sujeito não encontro espaço para ir de encontro ao que ele representa em termos de performance futebolística.

A minha desapreciação da personalidade do cidadão escondido atrás das iniciais CR começou de forma definitiva no dia em que o ouvi tratar o presidente da república por você. Lamentável tal falta de educação e sentido dos limites na relação com as principais figuras do Estado. Na receção à seleção nacional no palácio de S. Bento não estava o cidadão Cavaco Silva, mas nada mais nada menos que o Presidente da República eleito pela maioria dos portugueses. Era forçoso que lhe tivesse sido ensinado em jovem o sentido de decoro.

A culpa não é só do CR. Alguém o transformou num menino-mimado – dirigentes dos clubes, mass media, família, adeptos transformaram a vontade de vencer de um jovem chegado da Madeira num indivíduo presunçoso com um ego do tamanho da dívida externa portuguesa. Alguns jornalistas gostam de glosar a vinda do CR para o continente para jogar a bola no Sporting comparando-a à saga da Linda de Suza arrastando a famigerada mala de cartão pelos caminhos da emigração. Não foi nada parecido com isso.

CR foi sempre um jovem superprotegido pela consciência do valor futebolístico que potencialmente apresentava. Contudo, desde que veio jogar para Lisboa ninguém se preocupou em dizer-lhe que a cultura e o respeito humano não são incompatíveis com a arte de jogar à bola. Só se preocuparem em potenciar-lhe o músculo esquelético esquecendo-se de o munir com uma série de valores entre os quais podemos salientar – humildade, respeito pelo outro, convivialidade saudável, consciência do seu valor e dos respetivos limites. Insuflaram-lhe o ego como o apodo do melhor do sistema solar e arredores e ele transformou-se numa vedeta presumida que se dá ao luxo de empurrar o treinador da seleção nacional aquando do jogo com a França que nos deu o título europeu com ele no banco.

A falta de respeito para com o Fernando Santos deu uma imagem de que o treinador seria ele. A forma como sempre se referiu ao treinador é prova da sua falta de educação, mas nesse particular o Fernando Santos também tem culpas no cartório pois sempre incensou o CR de uma forma algo menorizadora para os outros jogadores que com a arte e argúcia que os caracteriza lá iam suprindo as falhas e a incapacidade física do CR. Em muitos jogos a seleção jogou melhor sem ele. Quando Fernando Santos teve a coragem de o meter no banco caiu o Carmo e a Trindade e o pai passou a tirano.

Só num país de parolos, numa terreola de parolos, é que é normal dar o nome a um aeroporto de um jogador da bola. Aeroporto John Kennedy, aeroporto Charles De Gaulle, aeroporto Sá Carneiro, aeroporto Humberto Delgado e agora o aeroporto do jogador da bola. Que tal o nome de Quim Barreiros à pista de aviação de Vila Praia de Âncora. Ou há moralidade ou comem todos. Seria muito mais curial dar ao aeroporto da Madeira o nome do folião rubicundo que governou a ilha à custa dos cubanos do “contenente”, pois, pelo menos, fez obra sem saber dar um chuto na bola.

Embora, atualmente me desinteresse das acontecências futebolísticas caseiras e internacionais (já dei para o santo futebol 20 anos da minha vida), ele entra-me nas meninges através do telemóvel com notícias frescas todas as manhãs. Notícias curtas e sem tratamento aprofundado pelo que podem ser meros “sound bites” desconexos. Ao passar o dedo sobre o ecrã apareceram várias notícias: “Cristiano Ronaldo acusado de liderar a rebelião contra Rudi Garcia”; “Ten Hag era protegido de Ronaldo”; “Respira-se um ar fresco na seleção com a entrada do novo treinador”. Como meus senhores? A lógica hierárquica do futebol invertida pela vaidade presunçosa de um jogador? Que diretores permitem tal estado de coisas? Como podem os adeptos fanatizados ser insensíveis à alteração das regras de funcionamento de uma equipa de futebol? Por estarem fanatizados? Por irem atrás do fogo fátuo liberto do halo mediático dos craques?

Nunca por nunca eu como treinador principal de uma equipa de futebol aceitaria qualquer tipo de subordinação aos estados de alma de um jogador por muito importante que ele fosse para a equipa.

Um dos mais importantes cimentos estruturantes do futebol é o respeito hierárquico e a disciplina o que implica que ninguém é superior aos interesses do clube. O futebol é suficientemente grande para comportar os egos imensos das primas donas. Que estes egos sejam expresos livremente até ao limite a partir do qual a própria saúde da equipa e a dignidade do clube são afetadas.