A atividade física e desportiva… em nome da vida (3) (artigo de José Neto, 126)

Espaço Universidade A atividade física e desportiva… em nome da vida (3) (artigo de José Neto, 126)

ESPAÇO UNIVERSIDADE05.05.202117:02

No recente e último artigo tínhamos ficado na Idade Contemporânea (meados do sec. XVIII até aos dias de hoje), recomeçando a aparecer a prática do exercício e da atividade física como fim terapêutico … e dissemos ainda que para além de caber a responsabilidade do lançamento das bases diretivas do desporto organizado à Inglaterra, foi de facto nas escolas públicas e nas universidades que encontramos o gérmen aglutinador de paixões que o mundo adotou e fez um crescendo de entusiasmo. A partir do sec. XIX, mais propriamente do último quartel, elaboram-se regras ao pormenor em diferentes modalidades, e o desporto começa a perder um caráter puramente lúdico.

Como nota de brevíssima referência poderemos anotar o exemplo da participação nos Jogos Olímpicos modernos (fundados pelo Barão Pierre de Coubertin em 1894). Tiveram em Atenas em 1896 a sua abertura, com a presença de atletas totalmente amadores, tendo como essência de prática, uma simples mas honrada participação, não sendo a coisa mais importante vencer, assim como a coisa mais importante da vida não era o triunfo mas a luta. É claro que os requisitos do amadorismo foram gradualmente desaparecendo com o implacável mercado publicitário, venda de imagens e marcas em que o atleta amador passou a ser trabalhado ao sabor da conquista das medalhas, em tempo integral, vendo no Estado, (e não só), a batuta para o acórdão numa possível subida ao pódio com o foco das cores da bandeira “clamar” com lágrimas o hino da Pátria amada!...

Esta tendência da especialização competitiva assume dois aspetos a ter em atenção: os governos a preocuparem-se com a oficialização e regulamentação do desporto, tornando a sua prática obrigatória, passando o atleta a ser olhado para o movimento das bilheteiras, começando a reclamar a sua percentagem nos lucros. Surge então o profissionalismo, encoberto e tímido nos seus primórdios, para se tornar um caso sério na indústria circulante universal.

Nos tempos que correm, a Atividade Física e Desportiva desempenha um padrão promocional do espetáculo entre as multidões que comentam, ouvem, praticam, veem, escrevem, leem, etc … sendo cada vez mais amplas as secções desportivas dos diários noticiosos, crescendo o número de periódicos das diversas especialidades, devorados por um público certo, que o segue de foram atenta e entusiástica.

Qualquer acontecimento desportivo, tem por vezes nos dias de hoje mais repercussão do que importantes questões políticas ou sensacionais revelações científicas ou manifestações artísticas. Alteram-se horas de comícios, paralisam-se fábricas, encerram-se gabinetes públicos, quando um sensacional espetáculo ou grande competição, tem hora marcada.

O caso do dia é muitas vezes, o caso desportivo: a vitória do A sobre o B, o record estabelecido por determinado campeão, fazem a manchete noticiosa, estando a rádio, o cinema, os jornais, a T.V. com a responsabilidade de o propagandear depressa e bem.

Depois há uma grande atividade científica que utiliza as atividades físicas e desportivas como objeto de estudo. Na medicina, na psicologia, na pedagogia, na cibernética, na biomecânica, no treino desportivo, no direito, na nutrição, etc, a investigação atinge resultados admiráveis, marcando a história do profissionalismo uma referência de ordem económica, social e empresarial, impossível de suster.

Não podemos no entanto, deixar de salientar os efeitos do desporto amador, para o lazer, para a educação e para a saúde, no reconhecimento da sua indispensabilidade e no direito da sua aplicabilidade.

Esse direito tem as suas origens mais longínquas nas regras, que os povos primitivos aceitavam como sagradas e cumpriam sem escrúpulos.

Como refere Fabrício Valserra (1923): “a história do desporto é uma das mais belas e instrutivas que se podem contar aos homens”.

Seria difícil na literatura grega algum historiador, poeta ou filósofo que não tivesse dedicado a sua atenção à Atividade Física e Desportiva, ou para enaltecer, reclamando a sua prática, ou para realçar as façanhas dos atletas. Lembra-nos aquele belo trecho de Aristófanes (446 – 386 a.C.), quando alude ao ideal da sua prática: “Brilhante e fresco como uma flor, tu passarás o tempo nos ginásios, em vez de dizeres tolices picantes sem pés nem cabeça na praça pública, ou de te irritares por qualquer questiúncula toda feita de chicanas, de contestações ou velharias. Irás até à academia, onde à sombra das oliveiras sagradas, começarás a tua corrida, coroado de subtil orvalho, com um amigo da tua idade. Aspirarás o aroma da salsaparrilha e do choupo, que vai perdendo os amentilhos, gozando a estação primaveril, quando o plátano vai confiando os seus segredos ao ulmeiro. Assim terás sempre o peito robusto, a tez límpida, os ombros largos!...”

Mas o homem de hoje procura descobrir a essência própria de todas as coisas. O que era verdadeiro ontem, pouco mais o é hoje e não será certamente amanhã. Mais do que nunca procuramos no fundo das coisas a capacidade para racionalizar as competências, isto é, o elemento duma cultura abrangente. Foi dentro destes conceitos e mudanças que o Desporto evoluiu.

Há alguns anos dizia-se que era preciso ser forte para se poder fazer Desporto, hoje, faz-se Desporto para se ser forte, porque nele está a possibilidade de salvaguardar a raça humana – é quase uma oportunidade de sobrevivência.

(CONTINUA)

José Neto: Doutorado em Ciências do Desporto; Docente Universitário; Investigador