Ministro Pedro Duarte «Do ponto de vista de apoios diretos ao futebol profissional, ‘não é não’»
Ministro dos Assuntos Parlamentares com a tutela do Desporto explica em A BOLA visão para o setor. Apoios diretos ao futebol profissional fora de questão
Parte II
— Os clubes têm tido um papel muito importante na história do Desporto em Portugal. Há mais que um século, têm-se substituído ao Estado, no fomento desportivo que deveria caber ao próprio Estado. Não são os 50 anos do 25 de Abril, recuamos ao Estado Novo, à Primeira República e à Monarquia. Mas apesar disso, os clubes dizem que são maltratados pelos governos no aspeto da fiscalidade. Esta queixa tem fundamento? E haverá condições para alterar a situação?
— Há uma realidade que é inequívoca: o que os clubes fazem, de facto, pelo Desporto e, portanto, pela sociedade, é notável. É natural, pois, que muitas vezes se sintam injustiçados, mas tenho de dizer com sinceridade, porque acho que as pessoas que nos acompanham merecem esta frontalidade, que provavelmente a situação vai manter-se, porque não há recursos suficientes no Estado suficientes para compensarmos com justiça o trabalho que é realizado. Isso não quer dizer que o Estado se deva desresponsabilizar e há algumas coisas que podem ser feitas. Neste Programa que estamos a apresentar, existem vários projetos que vão apoiar diretamente os clubes, e admito que até do ponto de vista da fiscalidade possamos olhar para algumas matérias.
— Também para o IVA, que é aquilo que tem sido mais recorrentemente solicitado?
— Sim, vale a pena pensar-se nisso, porque se há um determinado tipo de atividades, designadamente culturais e afins, que têm taxas reduzidas de IVA, é difícil explicar porque é que o Desporto não tem. E o Governo tem assumido, pela voz primeiro-ministro, que temos duas áreas de atividade na nossa sociedade, que devemos, por um lado, elevar, e por outro colocar num mesmo patamar, que são precisamente a Cultura e o Desporto. Ambas são importantes, e aquilo que há pouco disse para o Desporto é válido para a Cultura. Logo, se temos um determinado tipo de fiscalidade para a Cultura entendo que paulatinamente — porque é importante perceber que o Estado e o País têm recursos finitos — haverá um caminho a ser percorrido para podermos, pelo menos, diminuir alguns custos de contexto associados aos nossos clubes.
— Disse há pouco tempo, numa alocução que fez à Liga de Clubes, que não há condições sociológicas para considerarmos, nesta fase da nossa vida coletiva, apoios diretos a uma atividade profissional e a uma indústria que com a dimensão do futebol profissional no nosso País. Quer detalhar melhor a que é que se referia quando falou em condições sociológicas?
— Essa afirmação foi proferida no âmbito da cimeira dos presidentes dos clubes de futebol profissional. Creio que não há condições para, hoje em dia, a população portuguesa aceitar que o Estado esteja a dar apoios diretos a clubes de futebol profissional, que pertencem a uma indústria que movimenta centenas de milhões, ou até milhares de milhões. Como o Estado não está a desenvolver apoios para outros setores, nomeadamente o automóvel, ou o da aviação, entre muitos outros, não faria sentido criarmos apoios diretos para o futebol profissional, ao contrário do que acontece com outras áreas do nosso Desporto, onde defendo, como se vê, aliás, que o Estado tem que intervir.
— Nessa matéria, em relação ao futebol profissional, ‘não é não’?
— Do ponto de vista dos apoios diretos, sim. O que não significa, e isso também é importante que se diga, até porque acontece também noutras áreas de atividade económica do nosso país, que o Estado não crie condições que ajudem à competitividade internacional do futebol português, porque aí estamos a falar de um investimento com retorno, logo estamos a ajudar o País se o fizermos. Há abertura para que possamos repensar um conjunto de matérias, por exemplo o IVA da bilhética.
— Se calhar até podemos entender que há concorrência desleal por parte de clubes de outros países onde existe um tratamento mais benévolo, nessa matéria específica…
— Exatamente. Agora, apoios diretos, aí, perdoem-me, a resposta é não, e sei que esta posição não é popular junto dos clubes. Disse-o aos presidentes, que admito que não tenham gostado, mas acho que é preferível sermos frontais, até para percebermos todos aquilo com que contamos.
— Quem é que fez mais, o Estado pelo futebol ou o futebol pelo Estado, ao longo da história?
— Não tenho base científica e vou responder-lhe por instinto: acho que o futebol fez, neste País, muito mais pelo Estado do que o contrário.
— Também porque tem sido um agregador da lusofonia?
— Entre tantas coisas boas, essa é uma delas. Há um fator imaterial, impossível de medir, mas mesmo assim brutal, que passa pelo contributo para a coesão nacional, para o espírito de patriotismo, e para o ânimo do país, que depois tem um efeito na capacidade produtiva e em muitas outras coisas. Já para não falar no impacto económico do futebol, que é muito significativo, no nosso País. Quem nos dera que outros setores da nossa atividade económica tivessem os resultados, os números e o desempenho que tem o futebol, e isso não só é só motivo de orgulho, como tem um retorno para Portugal.
LUÍS MONTENEGRO E PARIS
— Esta concretização de promessas através destes 65 milhões, vale também como uma resposta do primeiro-ministro a quem o acusou de ter ido a Paris só para ficar na fotografia das medalhas?
— Não é uma resposta deliberada, mas acho, para ser honesto, que serve como resposta. Acompanhei bem essa realidade, sei que o primeiro-ministro se sentiu muito injustiçado, e embora admita que as pessoas que disseram isso pudessem ter legitimidade, não conheciam Luís Montenegro como eu conheço. Sejamos claros: o investimento no Desporto que está a acontecer só é possível porque o primeiro-ministro tem de facto uma sensibilidade muito genuína em relação ao setor, desde miúdo que está muito ligado ao Desporto, ainda ontem alguém me dizia que também tem muito a ver com o contexto do concelho onde cresceu, Espinho, onde se vive de facto uma dinâmica desportiva muito especial.
— Regressemos a Paris…
— Quando Luís Montenegro foi aos Jogos Olímpicos e se emocionou, agarrando-se, por exemplo, aos nossos campeões, Yuri Leitão e Rui Oliveira, tudo foi genuíno. Admito até que pudesse parecer uma operação de um político a querer fazer algum marketing, mas não era, e hoje já se pode provar isso mesmo com factos. Ninguém terá dúvidas de que tudo aconteceu de forma genuína. Aliás, muito do que Montenegro afirmou na apresentação do Programa deve ter-lhe dado uma satisfação especial, porque em Paris, no momento em que abraçou o Yuri Leitão, este disse-lhe, 'não se esqueça do Desporto'. E, na altura, o primeiro-ministro prometeu-lhe que não se esqueceria…
— Destes 65 milhões, 27 vão para infraestruturas desportivas e centros de alto rendimento. Estava a recordar-me do velódromo que esteve na base do sucesso no ciclismo de pista. Há quantos anos é que o velódromo foi construído, e quantos anos depois é que trouxe estes resultados? Lembro que na altura nem foi o seu partido que tomou a iniciativa, mas é um bom exemplo daquilo que deve ser feito, com os olhos postos no futuro…
— É um excecional exemplo. Ninguém imaginava que viríamos a ter uma medalha de ouro no ciclismo de pista.
— Quando se construiu o velódromo, veio quase toda a gente para cima do então secretário de Estado, Laurentino Dias, acusando-o de ter criado mais um elefante branco…
— Exatamente. E nós agora queremos apetrechar os Centros de Alto Rendimento por todo o País! Neste modelo, os 27 milhões, vão permitir isso mesmo. Já temos as verbas divididas e todos terão alguma coisa. Mas não tenhamos a ilusão de que vamos ter medalhas olímpicas em todas as modalidades. Por exemplo, e em relação ao Velódromo de Sangalhos, uma das medidas que vamos tomar já é de renovar o piso…
PROGRAMA NASCIDO DO TERRENO
— Como foi a interlocução na construção deste Programa?
— Passámos este bloco para o movimento associativo, através do Comité Olímpico e do Comité Paralímpico, mas, por sua vez, quem integra estes comités são as federações desportivas, e, por sua vez, os clubes integram as federações. Portanto, é, no fundo, todo o movimento associativo que o vai executar, e terá também a responsabilidade de estar à altura de concretizar este Plano, que foi construído muito a parir do que ouvimos e do que aprendemos na base, digamos assim. Este não foi um Programa desenhado nos gabinetes, mas sim fruto do que aprendemos — e o secretário de Estado do Desporto foi peça crítica neste processo — com quem está no terreno. Foram meses de trabalho, e a apresentação acabou por ser a parte mais fácil, porque tudo já tinha sido, em tempo útil, preparado.
O DESAFIO E A MISSÃO
— Estamos na fase final da entrevista e tenho apenas mais quatro questões. Em primeiro lugar gostava de saber como tem sido a experiência de ser um interlocutor privilegiado com os partidos com assento parlamentar, neste contexto de Governo minoritário?
— Tem sido desafiante, diria. Assumi esta função com espírito de missão, porque também não escondo, e não vale a pena iludirmo-nos, que implica um sacrifício pessoal. Tinha a minha carreira, a minha vida profissional orientada num sentido muito diferente, estava numa empresa multinacional, e foi uma viragem muito grande. Do ponto de vista estritamente profissional, trata-se de um retrocesso, porque travei o percurso que estava a percorrer.
— Está a ‘pagar’ para ser governante?
— Sim, objetivamente. Não vale a pena escondê-lo, não é? Mas há um lado de missão e de realização pessoal que também tem valor, e não esqueço. A missão de, democraticamente, tentar encontrar pontos de contacto com outras forças partidárias, é muito nobre. A democracia, é, em parte, a arte dos consensos, e isso é levado ao zénite com o Parlamento que temos, que está, de facto, muito extremado. E disso tenho pena, há uma agressividade que não se justifica, apenas porque achamos que os caminhos devem ser diferentes para um objetivo comum, que é proporcionar uma vida melhor aos portugueses.
— Tinha por hábito, antes de integrar o Governo, assistir a espetáculos desportivos?
— Sim. Hoje em dia, sou mais criterioso ao ir aos recintos, e embora goste de todas as modalidades prefiro o futebol. Como não quero discriminar ninguém, tenho ido aos jogos das seleções femininas e masculinas. A jogos de clubes, não, embora assista pela televisão. Quando eu era miúdo, adolescente, fui um fervoroso apoiante de um determinado clube. Até vou confessar uma coisa que é muito pouco habitual. Fui sócio em simultâneo do FC Porto e do Boavista, que são rivais, e tenho muitos amigos que não compreendem como é possível gostar dos dois. Mas há muitos anos que não sou sócio de nenhum.
— Tem algum ‘hobby’ associado ao Desporto, como praticante?
— Nos últimos anos, o único que tenho é a corrida individual, por uma questão de gestão de tempo. Aquilo que eu gostava mais de fazer eram modalidades que implicavam a presença de outras pessoas, como o futsal, mais recentemente, e o futebol de onze, quando era mais novo, e às vezes ténis e padel. Mas, como isso implica, outra pessoa e os meus tempos são muito limitados, nas pequenas oportunidades, atualmente, confesso, apenas dou umas corridas na rua, porque só dependem de mim próprio.