Ministro Pedro Duarte «Devemos procurar um consenso em torno do Desporto, que esteja acima das questões partidárias»
Ministro dos Assuntos Parlamentares com a tutela do Desporto explica em A BOLA visão para o setor. Apoios diretos ao futebol profissional fora de questão
Pedro Duarte, 51 anos, ministro dos Assuntos Parlamentares com a tutela do Desporto, está manifestamente entusiasmado pelo facto de, pela primeira vez em Portugal, este setor ser assumido por um Governo como um investimento e não como uma despesa. Diz-se pronto para entendimentos de longo prazo, com os outros partidos, mas quanto a apoios diretos ao futebol profissional, não é não. Está aberto, porém, a repensar a questão do IVA na bilhética, equiparando o Desporto à Cultura.
O primeiro-ministro Luís Montenegro apresentou, na sede do Comité Olímpico de Portugal, o Programa para o Desporto de 2025 a 2028, 65 milhões de euros que financiarão cinco medidas e 14 programas, alinhadas com os objetivos do Governo. É da mudança de paradigma a que se está a assistir, em geral, e também da relação do Governo com o futebol profissional, em particular, que Pedro Duarte fala, com muita frontalidade, na entrevista que se segue…
Parte I
— Finalmente o Desporto começa a ser olhado como um investimento e não como uma despesa? Há aqui uma mudança de paradigma, aceitando-se que se trata de uma atividade transversal à sociedade que pode, a médio prazo, gerar uma diminuição significativa de despesas em áreas como a Saúde, a Justiça, a Segurança Social ou a Educação?
— Antes de mais, quero agradecer o convite para estar em A BOLA, que é uma instituição de referência no nosso País, com uma história que fala por si, com um presente que é marcante, e não tenho dúvidas quanto a um futuro que está já a ser preparado. Entrando na sua questão, foi apresentado um pacote de medidas com um envelope financeiro muito significativo. Isto é importante que se diga porque é algo inédito na história da nossa democracia e da nossa vida comunitária enquanto País, porque de facto, de uma assentada, só estamos a falar de um montante de 65 milhões, que, convém enquadrar, para termos noção da ordem das grandezas. O Orçamento de Estado para o Desporto foi, em 2024, de 50 milhões de euros, enquanto o Governo da AD aprovou para 2025 uma verba de 54 milhões, portanto um crescimento de 8%, que já é significativo. Porém, em cima disso, e para que fique bem claro, para além disso, há agora um tal envelope extra adicional de 65 milhões. Dividindo esta verba pelos quatro anos, significa um acréscimo na ordem dos 19 milhões só em 2025. Para termos ideia, entre 2018 e 2024 a taxa de crescimento do Orçamento para o Desporto foi de 2,8%. Aquilo que acontece, na prática, de 2024 para 2025, é uma taxa de crescimento de 46%. Passamos de 2,82% para 46%. É de facto algo inédito...
— De onde é que vai sair este dinheiro?
— Vai sair basicamente do Orçamento de Estado. Trata-se de um pacote que foi acordado com o Ministério das Finanças, isto é importante que se diga, já que muitas vezes o ministro das Finanças é apontado como o mau da fita…
— Muitas vezes, justificadamente...
— Se calhar vem com a função. Mas neste caso acho que houve abertura de espírito, porque essencialmente, e isto é justo que se diga, o primeiro-ministro fez tudo para que esta verba fosse alocada ao Desporto. É um investimento absolutamente excecional, de facto, inédito, como há pouco dizia, mas é importante, como foi frisado na sua introdução, que se tenha noção de que se trata de um investimento com retorno para a sociedade.
— Esse é o entendimento que nunca houve, nem em governos do PSD, nem do PS…
— Com certeza, estamos de acordo. E infelizmente, tenho de lhe dizer, não é só um problema do PS e do PSD, é um problema da sociedade portuguesa. Nunca foi dado o devido valor social ao Desporto, que tem um impacto positivo na nossa vida social e comunitária. E há uma certa aversão do ponto de vista cultural ainda na nossa sociedade, por se achar que o Desporto é uma espécie de luxo, um privilégio a que só alguns podem ter acesso.
— Mas uma sociedade mais saudável, que pratique mais Desporto, vai por um lado gastar menos na Saúde, vai por outro lado ocupar mais tempo aos jovens e se calhar gastar menos na Justiça e na Segurança Social, e vai também, por inerência, melhorar as prestações na Educação. E isto tem sido praticado numa série de países da União Europeia...
— Completamente de acordo. E a esses benefícios que frisou, e que eu subscrevo, poderíamos acrescentar outros. Sabemos hoje em dia, porque temos problemas de integração e de inclusão de muitos jovens, que nem trabalham nem estudam, por um conjunto de circunstâncias, e muitas vezes vivem em contextos difíceis. Porém, quando têm projetos desportivos associados, seja com clubes locais, ou de outra natureza, ou nas escolas, eventualmente, acabam por encontrar nessa atividade um rumo para a sua vida, ou porque seguem mesmo a via desportiva, ou porque os ajuda naquilo que é a sua integração social, e a partir daí criam outras formas de estar na sociedade...
— Se há área da sociedade onde a meritocracia funciona, é no Desporto. Não tem a ver nem com raças, nem com credos, nem com situações económicas, tem apenas a ver se se é melhor ou pior que os outros. E a integração, a partir daí, fica facilitada…
— Deve haver poucas áreas da nossa sociedade, onde a tal igualdade de oportunidades seja tão conseguida. Ainda não é 100%, mas felizmente já temos uma rede de coletividades, de clubes, munidos de equipamentos que estão relativamente espalhados pelo país. É evidente que ainda há discriminações, não podemos dizer que é tudo igual para todos, mas estamos no bom caminho e devemos realçar o mérito das autarquias locais, em muitas circunstâncias. Vemos que por vezes, em bairros sociais mais vulneráveis, e mais degradados, onde as condições de vida são piores, que havendo uma estrutura onde se pode praticar Desporto, cria-se um novo polo de atividade.
ACORDO DE REGIME?
— O que disse corresponde a muito daquilo que tenho escrito ao longo dos últimos 20 anos, e tem sido chover no molhado. Falta uma coisa, e eu vou perguntar-lhe diretamente: Tudo isso não devia ser ancorado num acordo de regime que permitisse que essas políticas tivessem sequência nas próximas décadas, e não morressem na próxima alternância democrática?
— Admito que sim. Avançámos com este pacote, que tem uma duração de quatro anos, porque queremos acompanhar o ciclo olímpico. Foi um acaso este timing, que teve a ver com a crise política que ocorreu. O Governo entrou em funções em abril e os Jogos Olímpicos foram no verão, como sabemos. Mas, respondendo-lhe, também entendo que devemos procurar um consenso muito grande na nossa sociedade em torno do Desporto. Mas não tenho razões para achar que não haja já algum consenso, porque se é verdade, por um lado, que o maior partido da oposição, o Partido Socialista, não tomou estas medidas no passado, também não o ouvi criticar o que apresentámos. Espero que haja uma adesão, porque isto é para o País.
— O PSD estaria aberto a conversar com o PS sobre estas matérias?
— Com certeza. Temos toda a disponibilidade e interesse nisso. O Desporto tem que estar acima das questões partidárias. Até do ponto de vista ideológico… É muito difícil acharmos que quem é de esquerda gosta mais do Desporto, ou quem é de direita gosta mais do Desporto. Mas a verdade é que, embora houvesse quem, como no seu caso, procurasse contrariar, a tónica geral no nosso País era muito de se olhar para o Desporto como algo relativamente acessório, quase uma regalia a que algumas pessoas poderiam aceder. Não estava no essencial do que eram as políticas sociais. Admito que algumas forças partidárias, para não dizer todas, quando tinham de elencar as suas prioridades achavam que havia outro tipo de políticas sociais que se calhar deveriam estar na primeira linha. Olhavam para a Saúde, para a Educação, para a Segurança Social, não percebendo que o Desporto poderia ajudar essas mesmas áreas. Há disso exemplos internacionais e, apesar de tudo, acho que também a nossa sociedade evoluiu ao ponto de percebermos que o Desporto, de facto, tem imensas vantagens para o bem-estar e para a qualidade de vida de todos nós. Para a saúde física, e para a saúde mental, de que ainda não falámos, e para a integração e inclusão, por exemplo, de cidadãos imigrantes. É um desafio que temos pela frente, enquanto País.
Parte II - «Do ponto de vista de apoios diretos ao futebol profissional, ‘não é não’»
— Vítor Serpa e eu tivemos aqui na BOLA TV, há relativamente pouco tempo, uma conversa fantástica com o professor Carlos Neto, que é uma das grandes referências mundiais na luta contra o sedentarismo, e ele usou uma expressão muito curiosa, que foi dizer que os aparelhos digitais, nomeadamente os telemóveis, em função da adição que criam, estão para esta geração como o vício do tabaco estava para a geração dele. Isto é assustador e o Desporto será uma via perfeita para dar combate a esse mal. Daí que lhe pergunte, sabendo que temos um modelo muito ancorado nas autarquias e nos clubes, se não faria sentido refundar o Desporto Escolar e torná-lo na base de tudo, não para ganhar de imediato mais medalhas olímpicas, mas para criar um País mais saudável?
— Subscrevo essa visão, até porque não é contraditória com a questão olímpica. Se apostarmos na base e alargarmos o número de praticantes, começando logo na escola, um dia essa circunstância terá reflexos no comportamento olímpico.
DITADURA DOS CICLOS POLÍTICOS
— Pois, mas o problema é que só haverá resultados práticos daqui a 20 anos, os ciclos políticos têm quatro, e não tem havido capacidade para se ver um bocadinho mais longe e para dizer, OK, vamos fazer uma coisa que vai produzir efeitos daqui a 20 anos e que será benéfica para o País, mas que não tem nada a ver com quem vai ganhar as próximas eleições...
— Estou muito alinhado com isso e vou mostrar porquê. Já houve decisões que este governo tomou, que para já ainda não foram muito notadas, mas que vão nesse sentido. A propósito do Desporto Escolar houve uma pequena alteração na orgânica do governo, que o colocou sob a tutela do Desporto e não da Educação, precisamente para dar um ênfase específico a essa área, mantendo, como não podia deixar de ser, a envolvência no processo do Ministério da Educação. Vamos lançar em janeiro a discussão pública em torno do Plano de desenvolvimento desportivo que queremos aprovar. Somos um dos países que não tem um Plano de desenvolvimento desportivo aprovado e, lá está, consensualizado. E esse Plano vai ser a três ciclos olímpicos, portanto não sendo aos tais 20 anos de que falou, é quase, são 12 anos. E fazemo-lo precisamente para fugir à lógica dos ciclos políticos. Esse Plano vai necessariamente ter de ser muito alargado, deverá ter a adesão das diversas forças políticas, mas o movimento associativo e outras entidades também têm de estar envolvidas. Já tivemos reuniões, para dar um exemplo muito concreto, que envolveram a Saúde, a Educação e a Coesão Territorial, de olhos postos neste Plano, para que possa perdurar a médio prazo, como sucede com outros países: aqui ao lado, em Espanha, temos um bom exemplo, com resultados desportivos muito conseguidos, em função de um planeamento com muita antecedência.
— A Espanha teve um antes e um depois, com os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, como referência. Mas, curiosamente, o que fizeram bem em Barcelona, falharam no grande projeto que foi a Expo de Sevilha, na Ilha da Cartuja, que no ‘day after’ foi um ‘flop’ completo. Mas também o salto que o Brasil deu, em termos desportivos, após os Jogos de 2016, no Rio, foi exponencial. Portanto, é possível fazer-se, assim haja vontade política…
— Já escolhemos, basicamente, para o nosso Plano de Desenvolvimento, dez países que são de referência a esse respeito, para aprendermos com eles. Não quer dizer que os vamos copiar, porque as realidades e os contextos são diferentes, mas saberemos adaptar. E já que referiu o Brasil, deixe que diga que fiquei muito impressionado com o Desporto paralímpico desse país, porque se trata de uma das áreas onde nós também queremos apostar fortemente. Se o Desporto tem um impacto muito positivo na sociedade em geral, se considerarmos os portadores de deficiência, o impacto ainda é maior, porque estamos perante cidadãos que, por força das suas circunstâncias, têm dificuldades acrescidas de integração, de convivência, de poderem viver a vida na sua plenitude, e o Desporto pode colmatar muitas dessas dificuldades.
APOIO AO MOVIMENTO PARALÍMPICO
— E com este Programa, o Comité Paralímpico de Portugal, que tem realizado um trabalho notável, que nos eleva bastante como sociedade, vai poder chegar a mais pessoas portadoras de deficiência?
— Temos dois exemplos do que este Programa vai permitir. O primeiro é que vamos desenvolver cerca de 400 projetos nos clubes, em que estes vão ser apoiados para criarem ou aumentarem atividades e modalidades para pessoas portadoras de deficiência. Haverá financiamento para os clubes que quiserem apostar nessa área. O segundo é que vamos apoiar, com um montante mais baixo, um centro de inovação, investigação e desenvolvimento do Comité Paralímpico, na nova sede, que será em Odivelas. Há um projeto de arquitetura já desenvolvido, que estava parado por falta de meios e que agora vai avançar. Estamos a falar de uma obra muito interessante, porque para além de dar boas condições ao Comité Paralímpico, enquanto sede, vai ter um espaço de investigação científica associada ao Desporto para pessoas com deficiência. Também terá um espaço próprio de treino e prática, no interior. Há parcerias que vão ser feitas com instituições de ensino superior, e vamos elevar, qualificar, e capacitar, diria, aquilo que é a vertente direcionada para pessoas do Desporto adaptado, que precisa também de ciência e de inovação. Podemos proporcionar isso, talvez não seja a medida mais cara do Programa, mas é aquela que mais gosto me deu.
— É a mais inspiradora?
— Sem dúvida que é a mais inspiradora. Permite-nos olhar para o futuro de forma muito positiva, através de uma atividade desportiva que merece todo o nosso carinho.